Acórdão nº 01112/05.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Dezembro de 2014
Magistrado Responsável | Ana Patroc |
Data da Resolução | 12 de Dezembro de 2014 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório B…, S.A., pessoa colectiva nº 5…, com sede em,…, Oeiras, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida em 10/02/2011, que julgou improcedente a impugnação judicial por si interposta contra o MUNICÍPIO DE MATOSINHOS, visando a liquidação de taxas relativas ao ano de 2005, em razão da ocupação do subsolo municipal por condutas (oleodutos ou «pipelines») servindo treze reservatórios destinados à armazenagem de gás de petróleo liquefeito (GPL) e de produtos brancos sitos no Lugar de Real, concelho de Matosinhos, no montante de €379.741,44.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1.ª A sentença sub censura considerou "apurada a (...) factualidade" que enuncia a fls. 446 e segs., mencionando, nas alíneas h), i), j), k), l), m), n) e o) [fls. 448 e 449], que, em determinados órgãos da imprensa escrita ["Jornal de Notícias", "Público", "Matosinhos Hoje" e "Expresso"], foram publicados artigos constantes de documentos incorporados no processo, nada explicitando, porém, quanto ao conteúdo desses documentos, muito menos extractando deles a matéria de facto relevante para a decisão.
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A sentença sub censura exara, ainda, que "[n]ão se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, além dos supra mencionados" [fls. 450], sem esclarecer quais são esses "outros factos".
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Violou o disposto nos art.ºs 659.º/3-in fine, 158.º e 660.º/2 do Código de Processo Civil, incorrendo na nulidade prevista no art.º 668.º/1-b) também do Código de Processo Civil.
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A entender-se que não se está perante uma nulidade, antes que a sentença sub censura enferma de erro de julgamento, deve a mesma ser revogada, por ofensa do disposto nos mesmos art.ºs 659.º/3-in fine, 158.º e 660.º/2 do Código de Processo Civil.
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A sentença sub censura desconsiderou em absoluto toda a prova sobre a matéria dos art.ºs 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 62.º, 64.º e 68.º da impugnação deduzida pela recorrente, através dos depoimentos das testemunhas J… [acta de inquirição de testemunhas, de 27 de Novembro de 2 008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 / UO 4, também pendente no Tribunal a quo; cassete n.º 1/"A" (na íntegra) e "B"/0000 a 0931 (fls. 370 desse processo n.º 1313/06)] e H… [acta de inquirição de testemunhas, de 27 de Novembro de 2008, no mesmo processo de impugnação judicial n.º 1313/06; cassete n.º 1/"B"/0932 até ao fim e cassete n.º 2/"A"/0000 a 1325 (fls. 370 também desse processo n.º 1313/06)], por remissão da decisão de fls. 345, no sentido do aproveitamento da prova produzida naquele processo de impugnação judicial n.º 1313/06.
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E desconsiderou ainda a prova produzida pelas testemunhas do impugnado Arq.º J… [acta de inquirição de testemunhas, de 11 de Dezembro de 2008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 / UO 4; cassete n.º 1/"A" (na íntegra) e "B"/0000 a 0601 (fls. 372 desse processo n.º 1313/06)] e Arq.ª I… [acta de inquirição de testemunhas, de 11 de Dezembro de 2008, no processo de impugnação judicial n.º 1313/06 (fls. 372 e 373 igualmente desse processo); cassete n.º 1/"B"/1 483 até ao fim e cassete n.º 2/"A"/0000 a 0178 (fls. 373)], também por remissão da decisão de fls. 345, no sentido do aproveitamento da prova produzida nesse processo de impugnação judicial n.º 1313/06.
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A sentença sub censura não procedeu à análise crítica da prova contida no processo, designadamente dos depoimentos gravados das testemunhas, violando o disposto nos art.ºs 342.º/1 e 2 do Código Civil e 513.º, 515.º, 516.º, 653.º/2, 655.º/1 e 664.º do Código de Processo Civil.
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Deve, assim, ser essa prova "reapreciada", nos termos do estatuído no art.º 712.º/1-a)-II 2 e 5 do Código de Processo Civil], ou, entendendo-se que, não tendo o Tribunal a quo apreciado tais elementos probatórios, não há lugar a "reapreciação", ser ordenada a baixa do processo, para ampliação da decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
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A sentença sub censura louvou-se, no julgamento da questão da inconstitucionalidade orgânica da norma do art.º 35.º/7 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, em "jurisprudência pacífica" do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, não realizando qualquer actividade, própria e autónoma, de conhecimento, sequer genérico, da questão expressamente suscitada pela recorrente.
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Ao decidir nos termos em que o fez, a sentença sub censura violou o disposto no art.º 659.º/1, 2 e 3 do Código de Processo Civil, incorrendo na nulidade prevista no art.º 668.º/1-b) também do Código de Processo Civil.
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Pela "ocupação do subsolo do domínio público municipal" com condutas (oleodutos ou "pipelines") que atravessam o subsolo de terrenos do domínio público municipal, de que a recorrente é dona e legítima possuidora, em propriedade exclusiva e em compropriedade com duas outras empresas petrolíferas S…, Limitada, e P…, S. A., a Câmara Municipal de Matosinhos tributou a recorrente, com referência ao ano de 2005, a título de taxa liquidada de acordo com o estatuído no art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos, em €379.741,44 (trezentos e setenta e nove mil setecentos e quarenta e um euros e quarenta e quatro cêntimos).
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O município de Matosinhos não presta à recorrente qualquer serviço público.
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Nem a actividade de transporte de produtos petrolíferos, para refinação ou armazenagem, provoca quaisquer custos suplementares ao município.
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As taxas não se mostram fixadas considerando a ocupação ou qualquer outro factor legalmente relevante, designadamente a área ocupada, o custo do uso privativo ou o seu valor; antes, em função dos produtos que circulam nas condutas [taxas mais elevadas para as condutas de "produtos derivados do petróleo ou químicos» e «produtos petrolíferos e afins"] e, em caso de igualdade de produtos e de dimensões das condutas – portanto, de utilizações exactamente iguais do domínio público –, distinguindo os fins a que se destinam esses produtos ["fins industriais ou comerciais, para abastecimento" e "refinação ou (...) armazenagem", onerando este em relação àquele, sem justificar porquê, nem atentar em que sem armazenagem não há abastecimento); e também em função da actividade dos donos das condutas, da vantagem económica hipoteticamente retirada dessa mesma ocupação – em última análise, da capacidade contributiva da recorrente e demais empresas petrolíferas.
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A norma constante do art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos viola o art.º 266.º/1 e 2 ["princípio da proporcionalidade"] da Constituição da República Portuguesa.
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Em caso de igualdade de produtos e de dimensões das condutas – portanto, de utilizações exactamente idênticas do domínio público - a Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos distingue, sem justificação, os “fins industriais ou comerciais para abastecimento” dos fins para “refinação ou (…) armazenagem”, a que se destinam esses produtos, onerando os últimos em relação aos primeiros.
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São estabelecidos montantes diferenciados consoante a actividade dos donos das condutas, a vantagem económica por eles hipoteticamente retirada dessa mesma ocupação – em última análise, a sua capacidade contributiva.
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O art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos ofende também o art.º 13.º ["princípio da igualdade”] da Constituição da República Portuguesa.
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As taxas fixadas pelo município de Matosinhos são, assim, no caso concreto, um verdadeiro imposto.
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As autarquias não possuem competência para a criação de impostos, nem tão-pouco de contribuições especiais.
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Aqueles e estas têm de ser criados por Lei [art.º 103.º/2 da Constituição] ou por Decreto-Lei "autorizado" [art.º 165.º/1-i) da Constituição da República Portuguesa].
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Neste contexto, a norma do art.º 35.º/4 e 7 do Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos enferma de inconstitucionalidade orgânica, por ofensa dos preceitos citados no artigo anterior.
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Decidindo como decidiu, a sentença sub censura violou o disposto nos art.ºs art.º 266.º/1 e 2 ["princípio da proporcionalidade"], 13.º ["princípio da igualdade"] e 103.º/2 e 165.º/1-i) da Constituição da República Portuguesa.
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O "fim visado" pelo município de Matosinhos, na fixação do montante das taxas cuja liquidação é objecto de impugnação, foi o de obrigar a recorrente e as empresas petrolíferas suas congéneres a retirarem da área de Matosinhos-Sul os seus depósitos, a fim de levar por diante a política urbanística municipal entendida seguir para o local.
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Através da aprovação das novas taxas, procurou evitar a expropriação por utilidade pública dos terrenos e instalações pertença da recorrente, assim visando impor-lhe (e às outras empresas petrolíferas) o abandono do local, sem a indemnização devida.
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O motivo principalmente determinante das alterações ao Regulamento e Tabela de Taxas e Licenças do Município de Matosinhos "não condiz com o fim visado pela lei na concessão do poder discricionário" outorgado em ordem à produção das respectivas normas.
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As normas daí resultantes estão inquinadas de desvio de poder, sendo anuláveis [art.ºs 19.º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e 99.º e 124.º/1-in fine e 2-b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
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Decidindo diversamente, a sentença sub censura violou o disposto nos art.ºs 62.º/2 da Constituição, 22.º e 30.º do Código das Expropriações, 19.º da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e 99.º e 124.º/1-in fine e 2-b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nestes termos, bem como em todos os mais, de Direito...
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