Acórdão nº 00188/2002 Porto de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelEsperan
Data da Resolução24 de Abril de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório Por sentença do TAF do Porto foi julgada parcialmente procedente a ação administrativa comum intentada por HERANÇA INDIVISA DE TJ, HERANÇA JJR, AT e OUTROS contra o MUNICÍPIO DE V... e a FREGUESIA DE R... e, em consequência, foi decidido o seguinte: a) absolver a Ré Freguesia dos pedidos contra si formulados; b) condenar o Réu a pagar aos Autores, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de 4.082,40 euros; c) condenar o Réu a pagar aos Autores, a quantia de 19.701,92 euros, a título de danos não patrimoniais; d) que às quantias enunciadas nas alíneas b) e c) supra, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação [do Réu, em 06 de março de 2002] até efetivo e integral pagamento [Cfr. artigos 559.º, n.º 1, 566.º, n.º 2, e 805.º, n.º 3, todos do Código Civil].

Inconformado, o MUNICÍPIO DE V... interpõe recurso jurisdicional desta sentença, concluindo as suas alegações como se segue: “1- À matéria do n.º 41 da douta sentença, que é a resposta ao n.º 11 da Base Instrutória, devia acrescentar-se “ e transformara-se em mato”. Tal devia ter sido dado como provado por ter sido feita prova cabal dessa matéria, como se pode verificar de todo o depoimento da testemunha MCV, concretamente em 01:59:20, 02:00:40, 02:02:19, 02:03:00, 02:04:32, 02:05.24,02:06:28. Igualmente do depoimento de VMGA, concretamente em 02:20:57, 02.34:08, 02.37:09; do depoimento da testemunha RP, concretamente em 02.50:00, 02: 54:09; do depoimento da testemunha GA, concretamente em 03:09.09, 03:11:00, 03:14.28, 03:26:00. Todas essas testemunhas são explícitas quanto a esse facto.

2- Devia ter-se dado como provado e constar da douta sentença, o que consta dos números 13 e 14 da Base instrutória, “ que as águas corriam pelas linhas de água, cabouco e regota, na data dos factos, como sucedia há anos, estando perdidas pelo facto de o prédio não ser cultivado”; tal é uma consequência lógica da matéria constante dos números 41 e 42 dos factos da douta sentença, presumindo-se claramente desses factos, e ainda decorrendo claramente dos depoimentos referenciados atrás no n.º 1; e ainda, MC em 01:59.00, 01:59:20, 02.00.40, 02.02.19, 02:04:32, 02.05:24, 02:16:28; VG em 02:20:57, 02:25:18, 02:28:25, 02.32:50; RP em 02:48:23, 02:52:01, 02:53:14.

3- O conteúdo dos números 43, 44 e 45, dos factos provados da douta sentença, correspondendo aos números 16, 17, e 18 da base instrutória, não devem constar da douta decisão, pois não há elementos de prova suficientes que possam alicerçar a resposta de provado. Tendo em atenção o que consta do número 37 dos factos provados da douta decisão, não podemos concluir, por simples cálculo aritmético, o conteúdo dessas respostas. Essa prova não é suficiente, pois se conclui a quantificação de factos que se passaram entre 1999 e 2007, de números obtidos em 2012; faltam elementos de prova, uma prova minimamente segura. E foi assim que foi justificada e resposta a esses quesitos. Da quantidade de água verificada em peritagem feita em 2012 não pode afirmar-se a quantidade de água existente largos anos antes.

4- A mesma situação se verifica com o conteúdo do n.º 46 e 47 da douta sentença, que deriva da resposta ao n.º 19 e 20 da Base instrutória e que deveria ter tido resposta de não provado; fundamentada na certidão apresentada pelo município. Aliás, com todo o respeito, esta resposta confunde o valor da água no lugar do prédio onde foi retirada, e o valor da mesma nas torneiras em R..., colocada a cerca de três quilómetros; essa resposta deixa de fora os custos de captação, transporte, tratamento e de pessoal. Este raciocínio, salvo o devido respeito, ofende as regras da experiência e do normal acontecer.

5- O conteúdo do n.º 49 da douta sentença, que deriva da resposta ao n.º 22 da base instrutória, não devia ter sido dado como provado; sendo terreno de cultura de centeio e de erva, todo a agente sabe em Trás-os-Montes que o centeio não se rega, e que aos terrenos de erva, que se regam, se chamam lameiros ou prados; nenhuma da prova produzida nos pode levar á resposta dada, salvo o devido respeito. Dos depoimentos das testemunhas e das fotografias juntas é claro que se tratava de terreno inclinado, de mato.

6- A resposta ao número 23.º da B.I. devia ser não provado e o n.º 50 dos factos provados da douta decisão não devia nela constar, com todo o respeito; a avaliação de um terreno exige rigor, não bastando a palavra de uma testemunha, familiar dos autores, e mesmo assim com conhecimento que lhe advém de comparação da avaliação de um outro terreno. Esta prova é manifestamente insuficiente.

7- Da alteração da matéria de facto que atrás se referiu, por não se ter provado a existência de danos, também o Município de V... deve ser absolvido do pagamento de qualquer valor por danos patrimoniais.

8- Mas mesmo que se aceite a matéria de facto dada como provada, e com a qual evidentemente não concordamos como acima dissemos, de fls. 24 a 27, a douta decisão pronuncia-se quanto ao pedido de condenação dos Réus a pagar aos autores a quantia de 28.576,80 euros a título de indemnização pelo valor económico da água desapropriada.

E na douta sentença consta que o réu deve restituir aos Autores, fundado no seu enriquecimento sem justa causa, o montante de 4.082,40 euros, que derivam da multiplicação de 16.329,60 m3 por 0,25 €.

Para a douta decisão, a quantia que os munícipes pagaram e o enriquecimento do Réu é igual. Porém, nos termos do n.º1 do artigo 473 do CCivil, a obrigação de restituir tem três pressupostos: que haja um enriquecimento de alguém, que esse enriquecimento careça de causa justificativa e que ele tenha sido obtido á custa de quem requer a restituição ou seu sucessor. (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 4.ª edição, I volume, pag. 401) Seguindo a mesma obra, a fls. 432 e Seg., analisando o objecto da obrigação de restituir, no caso de enriquecimento, tem dois aspectos específicos: a restituição tem de ser medida pelo enriquecimento, e á custa do requerente. Deve restituir aquilo com que efectivamente se acha enriquecido. Além do limite baseado no enriquecimento (efectivo e actual), segundo o grande mestre, a doutrina corrente tem aludido a um outro limite da obrigação de restituir, fundado no empobrecimento do lesado; apesar de ser evidente que no caso em apreço não houve qualquer empobrecimento, é evidente que, em tese, deveria haver restituição, admitimos. O artigo 479, n.º 1 manda restituir tudo quanto tenha sido obtido á custa de outrem, os proventos, ou produto, e não o valor objectivo do uso, que pode ser de grandeza distinta; se assim não fosse tudo se passaria como se duma expropriação se tratasse, pagando-se o justo preço; os artigos 473 e seguintes não visam reparar o dano do lesado, fim da responsabilidade civil, mas eliminar o enriquecimento de alguém á custa de outrem. E diz o insigne mestre, na obra citada, página 437: “ … nos casos de intromissão em coisa alheia, a restituição terá por objecto tudo aquilo que foi obtido á custa do titular da coisa, mediante o uso, a fruição ou o consumo indevido dela.

Se nos proventos assim arrecadados houverem concorrido, além do uso ou fruição da coisa, outros factores diferentes, como o trabalho, a experiência, o espírito de iniciativa ou a perícia do beneficiado, haverá que abater no lucro por ele obtido a parte correspondente a esses factores, porque só a diferença se pode rigorosamente, considerar como alcançada á custa do titular da coisa.”.

Princípios que a douta decisão não teve em conta.

9- É evidente que o valor da água nas torneiras em R... contém o valor da água acabada de retirar na nascente, acrescida do valor de toda a obra do réu, trabalho, material de captação, material de condução e tratamento, quer o custo humano de tudo isso. Daí que o enriquecimento do município, não seja obviamente o referido na douta sentença., que faz uma errada aplicação e interpretação dos artigos 473 e 479 do CCivil.

10 - Na verdade o processo também não fornece os elementos de facto para poder fazer essa avaliação, pelo facto de não terem sido alegados; mas quem alega o enriquecimento tem de alegar e provar todos esses elementos.

11- Para quem tenha um pouco de vivência autárquica, estes problemas são claros, pois nos municípios do interior, onde predominam os pequenos centros populacionais, distantes uns dos outros, o problema dos custos do fornecimento da água não é tanto a falta de água, do produto em si mesmo, mas a sua captação, o seu transporte e tratamento; esses custos são suportados pelos municípios e só uma pequena parte pelos munícipes; mas mesmo assim ainda os munícipes pagam custos mais elevados que no litoral, onde há muita população, e por isso o custo da produção é mais barato, como é evidente, pois qualquer conduta abastece um grande número de consumidores, o que torna os custos menores.

Daí que, com todo o respeito o dizemos, mas não deixamos de o dizer, a douta decisão que ora se põe em crise tenha feito uma análise não correcta da situação.

12 - De folhas 27 a 29 a douta decisão analisou o pedido de pagamento por danos morais, condenando o réu na quantia pedida de 19.701,92 euros.

Baseou-se a douta decisão no sofrimento tido pelos autores, no estatuído nos números e 1 e 3 do artigo 496.ª do Código Civil e 494 do Código Civil.

E porque julgou que a actuação do Réu Município de V... foi inqualificável, do ponto de vista do direito, da relação com os cidadãos envolvidos, da ética relacional de um ente público, julga que os danos não patrimoniais são indemnizáveis. E, neste ponto, é resumidamente aquilo em que a douta decisão se fundamenta para atribuir a quantia peticionada pelos autores. Ou seja, a douta decisão nesta parte não tem fundamentação.

13- Está assente que a ocupação pelo réu de parte do terreno dos autores causou aos seus pais transtornos e preocupações, que foram causa de sofrimento, angústia...

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