Acórdão nº 00783/14.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução16 de Abril de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 15/12/2014, que julgou procedente a reclamação deduzida pela sociedade Â..., LDA.

, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na…, Vila Nova de Famalicão, 4760-758 Vilarinho de Cambas, contra o acto proferido pelo Director de Finanças Adjunto datado de 24/03/2014, que indeferiu o pedido de aceitação de garantia consubstanciada no stock contabilizado como matérias-primas e produtos acabados.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal e em consequência decide anular o ato de indeferimento de prestação de garantia sob a forma de penhor no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 3590201401021206 e apenso, por dívida de IRC do ano de 2013, no valor de € 1.491.703,78 e acrescido, instaurado contra a sociedade executada a aqui A…, LDA, e ora aqui recorrida, por entender que “…o despacho reclamado não se mostra fundamentado.” B.

Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, padecendo a douta sentença de erro de julgamento por ter decidido em desconformidade com a realidade factual, errando na valoração da prova.

C.

Em primeiro lugar, não podemos concordar com douta opinião de falta de fundamentação do despacho reclamado porque a AT produziu uma análise do valor dos bens dados e penhor, bem como a sua infungibilidade.

D.

O douto tribunal não reconheceu qualquer mérito às palavras das testemunhas do reclamante e reclamante onde se afirmou que não foi possível fazer prova que a louça em branco era fácil de escoar, nem foram apresentadas quaisquer provas contabilísticas que antes já estivessem colocado no mercado, sem a aposição de símbolos escolhidos pelos clientes E.

A douta sentença recorrida errou ao considerar que o despacho recorrido padecia de vício de falta de fundamentação, quer porque, o despacho reclamado observou as características legais que se lhe impunham e cumpriu a sua dupla função endógena/exógena, aliás, e em consequência disso, o Reclamante veio dela reclamar, decorrendo claramente dos seus argumentos que apreendeu o conteúdo do despacho do Diretor de Finanças de Braga, mas apenas não concordava com ele porque não satisfazia as suas pretensões, e que a aplicação do preceituado no art.º 199º CPPT, ao caso em análise, não merece censura.

1) Termos em que deve ser dado provimento ao recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida.

2) Mais requer a dispensa do pagamento do remanescente.

****A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma: A. O recurso jurisdicional em que ora se contra-alega foi interposto pelo Representante da Fazenda Pública (doravante RFP ou recorrente), na sequência da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no dia 15 de Dezembro de 2014, que julgou a reclamação judicial apresentada pela aqui recorrida totalmente procedente.

B. Nesta reclamação judicial discutia-se a legalidade da decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), consubstanciada no despacho proferido pelo Serviço de Finanças Vila Nova de Famalicão – 2, através do qual foi indeferida a garantia oferecida, com vista a suspender os processos executivos n.ºs 3590 2014 01021206 e 3590 2014 01033816.

C. Entendeu a AT que o stock (oferecido pela reclamante) contabilizado pelo valor de €2.617.884,00, para acautelar uma quantia de €1.491.703,78 (na qual já se incluem todos os custos e acrescidos) não constituía garantia idónea e suficiente para suspender os referidos processos, concluindo que “os bens oferecidos como garantia da dívida em contencioso, em caso de necessidade de execução da garantia, atendendo às características dos bens (feitos por encomenda, com design definido pelo comprador), tendo subjacente um contrato de aquisição, não se conseguirá na sua venda a realização do valor necessário para garantir ao credor tributário a cobrança efectiva da totalidade da dívida”.

D. Entendeu o tribunal a quo que “Não encontrámos em parte alguma do despacho a análise concreta da eventual venda daquela louça de porcelana branca que é usada no mercado dos mais variados ramos de negócio. De facto, a AT, em súmula, limitou-se a considerar de forma geral que a referida louça, atenta a sua especificidade, apenas podia interessar a um cliente específico da reclamante, focando-se na univocidade e fungibilidade do produto”.

E. Mencionou ainda o tribunal a quo que “face às características desses bens, quer pela fungibilidade (pois podem ser substituídos por outros do mesmo género, da mesma qualidade ou quantidade), quer pela sua não desvalorização, dado que são renováveis permanentemente, atente-se que o stock da reclamante é renovado, sensivelmente, a cada 3 meses, o que é bem demonstrativo do escoamento do produto, e ainda pelos permanentes clientes da reclamante alvo de reputada grandeza e sobejamente conhecidos no mercado nacional e não só (ex.: Nestlé, Delta, etc.), bem como pela procura que o produto pode ter por parte de outro tipo de clientes (restaurantes e hotéis), não vemos a fundamentação aduzida pela AT reflectir tais considerações”.

F. Por todo o exposto, entendeu o tribunal a quo que “a AT não logrou demonstrar a inidoneidade da garantia oferecida pela reclamante, porquanto não a apreciou em concreto”.

G. Como se demonstrou sobejamente, a sentença proferida pelo tribunal a quo não merece qualquer censura, não se vislumbrando, como sustenta o RFP qualquer erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto.

H. Na garantia oferecida consubstanciou-se em stock contabilizado como matérias-primas e produtos acabados, que, de acordo com o referido Balancete – devidamente certificado por ROC –, o valor das matérias-primas e produtos acabados, a 31 de Dezembro de 2012, perfazia €2.617.884,00, i.e., valor que ascende quase ao dobro do exigido pela AT para suster as execuções.

I. Nos termos legais, nomeadamente ao amparo do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, a contabilidade dos sujeitos passivos presume-se verdadeira. Este é, como sabe o RFP, o preço de custo dos bens – o qual, aliás, foi atestado de modo independente por ROC –, pelo que se tem dúvidas quanto ao valor registado, então deverá ser ele (e a própria AT) a questionar a contabilidade da empresa e a fazer prova de que aquele valor não tem qualquer adesão à realidade dos factos.

J. São, como demonstrado através da prova documental e testemunhal – a qual foi de modo inequívoco dada como provada pelo tribunal a quo –, chávenas e pires (sem qualquer decoração susceptível de as limitar a “um só comprador”), de elevada liquidez e susceptíveis de conversão rápida, caso seja necessário, em meios de pagamento.

K. Ao contrário do que firmemente defende o RFP, trata-se de bens fungíveis, que não sofrem desvalorização substancial – motivada pelo tempo, moda ou armazenamento – e a sua venda não está dependente de um só agente ou de um conjunto muito restrito de agentes.

L. A garantia oferecida acautela, de modo eficaz e pleno, a quantia exequenda e acrescidos, enquanto o pleito principal acerca da legalidade das liquidações decorrer.

M. O RFP, ao invés, reitera o entendimento de que não se trata de bens fungíveis e que, portanto, não permitem acautelar a totalidade da dívida, pelo que considera a garantia oferecida inidónea e insuficiente.

N. Salvo o devido respeito, a argumentação apresentada pelo RFP não tem adesão com a realidade e, bem assim, com as normas legais aplicáveis.

O. Com efeito, os bens em crise são totalmente fungíveis e de liquidez assegurada.

P. Da parte da AT não houve, ao contrário do que alega agora o RFP, uma qualquer análise em concreto dos bens, limitando-se esta a questionar o valor pelo qual os mesmos estão registados na contabilidade e alegando que os mesmos não têm qualquer valor.

Q. Também não se vislumbra o interesse da AT em alegar que a recorrida dispunha de bens imóveis para acautelar a quantia exequenda como fundamento de falta de fundamentação da sentença proferida pelo tribunal a quo, quando os imóveis a que alude não têm, globalmente considerados, um VPT superior a €250.000,00.

R. A recorrida actuou de boa fé, oferecendo de garantia o seu bem de maior valor, correctamente registado na contabilidade e que claramente cumpre o desígnio determinado por lei e firmado de modo expresso pela jurisprudência dos tribunais superiores: não dotar a AT de garantia absoluta do seu crédito, mas tão-só de garantia idónea, adequada ao fim em vista, ou seja, prestar garantia não significa efectuar o pagamento, mas somente vincular um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.

S. A garantia oferecida é, isto posto, idónea e suficiente, acautelando na íntegra o crédito da AT, sendo, em consequência, a sentença proferida pelo tribunal a quo correctíssima do ponto de vista das normas legais aplicáveis, devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica.

Termos em que deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado improcedente, com todas as consequências legais.

****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 326/328 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

****Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso...

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