Acórdão nº 00309/11.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelEsperan
Data da Resolução19 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório JMCB interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TAF de Coimbra que julgou improcedente a ação administrativa especial que o Recorrente intentou contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, na qual pede a declaração de nulidade dos atos administrativos praticados pelo Réu enquanto aplicação das normas constantes dos n.ºs 1, 4 e 8 e da alínea r) do n.º 9 do artigo 19.º da Lei nº 55-A/2010; a condenação do réu a restituir todas as quantias que descontou ou venha a descontar na sua remuneração, acrescidas de juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento; e a condenação do mesmo Réu no pagamento de uma indemnização pelos danos morais sofridos.

O Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso: “I- O VALOR REFORÇADO DAS LEIS DE BASE. O VÍCIO DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA O NR. 3 DO ART. 112º DA CONSTITUIÇÃO. A VIOLAÇÃO DA NORMA QUE INTEGRA ALÍNEA D) DO ART., 89º DO REGIME DO CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS APROVADO PELA LEI 59/2008 DE 11.09.

  1. - O Acórdão recorrido enferma, salvo o devido respeito, do vício do erro nos pressupostos de direito, ao ter considerado na sua pág. 5 que a invocada questão da violação da norma que integra a alínea d) do art. 89º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09 «fica prejudicada se improceder a da inconstitucionalidade» dos atos administrativos impugnados, uma vez que o não reconhecimento da inconstitucionalidade apontada a determinado(s) ato(s) administrativo(s), em nada prejudica a possibilidade de reconhecimento do vício de violação da lei ordinária assacado a esse(s) mesmo(s) ato(s) administrativo(s) .

  2. - Violou também o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, a norma que integra o nr. 3 do art. 112º da Constituição, ao não ter levado em consideração o valor reforçado do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, dado tratar-se de uma Lei de Bases como a própria denominação indica (in casu «do regime e âmbito da função pública» - art. 165º 1. t) da Constituição), «traduzido na primariedade material e hierárquica» (Gomes Canotilho – Direito Constitucional , Ed. 1993, pág. 842) e ao dar prevalência às normas que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12 que determinaram a redução da remuneração mensal ilíquida do autor e demais trabalhadores do sector público por elas abrangidos .

  3. - Violou ainda o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, a norma que integra a alínea d) do art. 89º do «Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas», segundo a qual «é proibido à entidade empregadora pública: d) diminuir a remuneração, salvo nos casos previstos na lei», ao ter dado o seu aval às reduções remuneratórias aplicadas ao recorrente pelo Ministério da Justiça e dado que à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento Geral do Estado para 2011 não se previa na lei vigente qualquer situação de redução da remuneração total ilíquida mensal do autor ou de qualquer trabalhador com estatuto idêntico.

    II- A VIOLAÇÃO DO DIREITO À RETRIBUIÇÃO DO TRABALHO EM CONCRETO, CONSAGRADO PELO ART. 59º 1. A) DA CONSTITUIÇÃO.

  4. - Se é verdade que «não consta da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma direta e autónoma, uma garantia da irredutibilidade dos salários», como se sustenta no Acórdão do Tribunal Constitucional nr. 396/2011 de 21.09, citado de forma concordante na pág. 10 do Acórdão recorrido, não é menos certo que a Constituição da República Portuguesa consagra no seu art. 59º 1. a) o direito à « retribuição do trabalho» em concreto (não em abstracto), que tem «natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias», gozando os salários « de garantias especiais» (art. 59º 3. da Constituição) .

  5. - A garantia da irredutibilidade dos salários é uma consequência do direito à «retribuição do trabalho» em concreto - nesse sentido se pronuncia também João Caupers da Fac. de Direito da Univ. Nova de Lisboa,in «State wars: a agonia do Estado de direito?, pág.1, disponível em http://www.fd.unl.pt/Anexos/3733.pdf , sustentando-se que «a Constituição garante o direito à retribuição do trabalho, em termos tais que se haverá, julgamos, de considerar inconstitucional a redução do salário. De resto, o princípio da irredutibilidade da retribuição está consagrado, há muito na legislação laboral geral (hoje no artigo 129.º, n.º1, alínea d), do Código do Trabalho)», não existindo pois qualquer disparidade entre os sectores público e privado quanto a esta matéria.

  6. - Se a Constituição da República Portuguesa consagrasse um direito à «retribuição do trabalho» em abstracto, como defende o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nr. 396/2011 de 21.09 (para o qual remete o Acórdão recorrido), ao sustentar que «uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição» (pág. 11), de nada serviria a norma constitucional que integra a al. a) do nr. 1 do art. 59º .

  7. - Que a Lei Constitucional consagra o direito à «retribuição do trabalho» em concreto (e não em abstracto), resulta evidente desde logo da própria norma que integra a alínea a) do nr. 1 do art. 59º ao determinar que «todos os trabalhadores … têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna». Isto nada tem de abstracto, sendo bem concreto.

  8. - «O quantum salarial não pode ser um valor abstracto, deve antes ser considerado, em concreto» - Guilherme Fonseca , Juiz-Conselheiro Jubilado, Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal de Justiça, em Parecer que se junta, subordinado ao título «O Orçamento do Estado para 2012 e os trabalhadores do sector público (redução remuneratória e suspensão de direitos)» - pág. 5, disponível em http://resistir.info/portugal/oe_2012_parecer.html .

  9. - Mesmo que assim se não entendesse, sempre se teria de levar em consideração que o Tribunal Constitucional admite que a irredutibilidade salarial «poderá resultar do respeito pelo princípio da proteção da confiança e porventura, ainda, do princípio da igualdade» - Ac. do TC nr. 187/2013 de 22.04, ponto 24 do Sub-Capítulo 6. - Violação do direito à retribuição.

    III- O VÍCIO DO ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE DIREITO AO TER-SE CONSIDERADO QUE AS LEIS DO ORÇAMENTO TÊM VALOR REFORÇADO.

  10. - Sustenta-se, salvo o devido respeito, erradamente na pág. 21 do Acórdão recorrido que «a Lei que aprova o orçamento é uma lei reforçada nos termos do artigo 112º nº 3 da CRP». Ora as leis do Orçamento Geral do Estado não são subsumíveis à previsão do nr. 3 do art. 112º da Constituição, não sendo leis de valor reforçado , visto que não são «leis orgânicas», não são «leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços», nem são «pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas», enfermando por isso o Acórdão de 28.10.2013 do vício do erro nos pressupostos de direito, tendo por conseguinte sido violada pelo tribunal a quo, através do Acórdão recorrido, a norma que integra o nr. 3 do art. 112º da Constituição da República Portuguesa .

  11. - Se as leis do orçamento fossem de per si leis de valor reforçado, não necessitaria o legislador ordinário de afirmar expressamente, como afirmou, no nr. 11 do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e no nr. 16 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12 que « o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa prevalecendo sobre quaisquer outras normas especiais ou excepcionais , em contrário », não sendo por isso que a lei do Orçamento passa a gozar de valor reforçado em confronto com uma lei de bases de sentido contrário, pela simples e linear razão de que a lei ordinária não se sobrepõe à lei constitucional, bem pelo contrário, a ela se subordinando.

  12. - Mas ainda que se entendesse que a Lei do Orçamento é uma lei reforçada e se admitisse (ainda que por hipótese meramente académica) que estaríamos perante duas leis de idêntico valor reforçado, deveria sempre prevalecer o da norma que integra a alínea d) do art. 89º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008 de 11.09, quando confrontada com as normas que determinaram a redução da remuneração ilíquida mensal do autor e demais trabalhadores por elas abrangidos (as que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art. 19º da Lei 55-A/2010 de 31.12 e o nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12), pelo facto de ser constitucional a que proíbe a redução remuneratória e inconstitucionais as que determinam uma tal redução, pelas razões apontadas nos art.s 10º a 13º da petição inicial de 26.04.2011, nos art.s 6º, 7º e conclusões 2ª e 3ª das alegações de 27.05.2013 e nas presente alegações .

    IV- A INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS QUE INTEGRAM OS NR.S 1., 4., 8. E 9. ALÍNEA R) DA LEI 55-A/2010 DE 31.12 E O NR. 1 DO ART. 20º DA Lei 64-B/2011 DE 30.12.

  13. - No caso sub judice está em apreço a legalidade ou ilegalidade dos atos administrativos que procederam à redução da remuneração total ilíquida mensal que o autor vinha auferindo até Dezembro de 2010, em aplicação do disposto no art. 19º 1., 4., 8. e 9. alínea r) da Lei 55-A/2010 de 31.12 e no nr. 1 do art. 20º da Lei 64-B/2011 de 30.12, ou seja, durante os anos completos de 2011 e 2012, tendo em consideração que a redução remuneratória em causa teve início reportado a 1.01.2011, que teve lugar a ampliação do pedido feita através do art. 46º e conclusão 6ª das alegações de 27.05.2013 e que o autor está aposentado com efeito a partir de 1.01.2013 (como se invocou e se fez prova nas alegações de 27.05.2013 – art. 46º e doc.s então juntos aos autos).

  14. - As normas que integram os nr.s 1., 4. , 8. e 9. alínea r) do art...

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