Acórdão nº 00074/02-Coimbra de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, A..., melhor identificada nos autos, recorre da sentença proferida em 09.09.2010, que julgou improcedente a impugnação judicial, das liquidações adicionais do IRS, referente ao exercício de 1997, no montante total de € 4 420,56.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…)

  1. A ora recorrente, não se conformando com a liquidação de IRS efectuada pela Administração Tributária, referente ao ano de 1997, deduziu a competente impugnação judicial, pugnando pela sua anulação, alegando em síntese que: a) a AT não deu cumprimento ao estatuído na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, ao não excluir da tributação em sede de mais-valias o ganho proveniente da transmissão onerosa do seu imóvel destinado a habitação; b) a norma supra referida, interpretada com tal sentido, viola os princípios da igualdade e da justiça material.

  2. Face à improcedência da impugnação judicial tempestivamente deduzida, entende a ora recorrente que se encontram reunidos os pressupostos de facto e de direito que deverão conduzir à revogação de tal decisão.

    Com efeito: I – QUESTÃO PRÉVIA – A FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI C) A liquidação de IRS impugnada pela ora recorrente fundamentou-se no relatório inspectivo elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, o qual – relativamente à questão das mais-valias – se limita a enunciar valores, campos e quadros de preenchimento, por forma a concluir que, como o “valor das obras de reparação da nova habitação (…) somado ao valor de 10.700.000$00, não atinge o valor do empréstimo, (…) não houve reinvestimento” – não há, portanto, a indicação de qualquer norma legalmente aplicável, não há uma coerência na argumentação utilizada, não sendo possível entrever qual o iter cognosctivo da AT e que culminou nas correcções ora postas em crise; D) Ora – naturalmente devido à quase ininteligível redacção do relatório inspectivo –, a recorrente, em sede impugnatória, terá entendido a justificação dos Serviços Inspectivos para as correcções operadas num determinado sentido, ao passo que o Digno RFP terá inteligido noutro e o douto Tribunal noutro ainda, pelo que, quando é desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto tributário assiste-se a uma preterição de formalidades legais, dado que foram adoptados fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclarecem concretamente a motivação do acto, o que equivale, nos termos do artigo 125.º do Código de Procedimento Administrativo, à falta de fundamentação.

  3. Não obstante o digno RFP, no seu articulado, ter procurado explicitar as razões da Administração e, desta forma, fundamentar o acto tributário impugnado, não é menos certo que a fundamentação do acto tributário tem de ser contemporânea deste, irrelevando para a mesma o facto de posteriormente serem prestados, em sede de contestação da impugnação judicial, os esclarecimentos que conduziram às correcções operadas pela Administração Tributária.

  4. Por conseguinte, não poderia o douto tribunal a quo formular o seu juízo sobre a validade do acto tributário estribando-se na fundamentação contextual integrante do próprio acto; G) Deste modo, foi violado o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, com a cominação prevista no artigo 125.º do CPPT; II – DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO H) O douto Tribunal a quo deveria ter dado como provado o seguinte facto, com relevância para a decisão da causa em apreço: - em 01/07/1997 o Banco Português do Atlântico emitiu o documento n.º 032.001.010, nos termos do qual debitou à impugnante a importância de 30.080$00 (€ 150,04) referente a “despesa de emissão distrate e deslocação C imobiliário”; I) A consideração de tal facto como provado resulta inequivocamente do teor do documento n.º 10 junto à P.I. (cfr. artigos 25.º e 26.º dessa peça processual), e revela que, no próprio dia em que a impugnante alienou o prédio que originou a mais-valia (01/07/1997), a entidade bancária credora procedeu ao distrate da hipoteca que impendia sobre o referido prédio, porquanto, se assim não fosse, o comprador iria adquirir um prédio onerado com uma hipoteca legal.

    J). No entanto, para que a entidade bancária procedesse ao referido distrate era imprescindível que a impugnante liquidasse integralmente o empréstimo em dívida o que, naturalmente, só poderia ser realizado com o produto da venda do prédio; III – DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO III.a – A INTERPRETAÇÃO DA NORMA K) A alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, na redacção à data dos factos determinava uma exclusão tributária dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se, no prazo de 24 meses a contar da data da realização, se verificasse o reinvestimento do produto da alienação na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino.

  5. Entendeu o douto tribunal a quo que “a lei fala pois expressamente em reinvestimento do produto da alienação na aquisição de outro imóvel, não restando, pois, dúvidas de que é esse produto da alienação que tem de ser reinvestido e não quaisquer quantias obtidas por intermédio de crédito bancário”, considerando ainda que “só com a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (aplicável aos rendimentos auferidos a partir do ano de 2002) é que os encargos decorrentes da amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel passaram a ser contemplados para a dedução no valor dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente, pelo que tal diploma não pode ser aplicado ao presente caso, que se reporta a ganhos obtidos em 1997”.

  6. Afigura-se-nos existir uma certa discrepância entre o que foi alegado e o que foi decidido, porquanto a impugnante perfilha o entendimento de que a correcta interpretação do preceito em análise não pode considerar quer o mútuo para a aquisição da habitação alienada quer para a aquisição da nova habitação porque, reafirma-se, a impugnante foi forçada a pedir novo empréstimo atendendo a que teve de pagar o primeiro para poder vender a sua casa de habitação.

  7. Cumpre, assim, proceder a uma interpretação do preceito em discussão, a qual terá forçosamente de se adequar aos ditames constitucionais que regem nesta matéria, tanto mais que, como prescreve o n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis; O) Deste modo, recusando-se quer uma interpretação literal quer económica daquele preceito do CIRS, afigura-se-nos que a interpretação das normas de jaez fiscal deve ter como parâmetro o paradigma constitucional, ou seja, a “interpretação que, entre os vários resultados possíveis da interpretação de um texto legislativo, escolha aquela que se possa considerar compatível com os princípios constitucionalmente consagrados”; P) Deste modo, não poderemos manifestar concordância com o douto tribunal a quo quando este considera que a norma em apreço, interpretada no sentido supra referido da exclusão da possibilidade de reinvestimento, não viola os princípios constitucionalmente consagrados da igualdade e da justiça material, tanto mais que, como se afirma na douta decisão, “não foi a Administração Fiscal que criou a norma constante do artigo 10.º n.º 5 do CIRS, mas a Assembleia da República (…) limitando-se a AT a actuar no uso de um poder vinculado, pautando a sua actuação em estrita observância do princípio da legalidade e fazendo uma correcta interpretação da lei”.

  8. O princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 8.º da LGT, não permite que seja a AT a formular uma qualquer previsão legal; no entanto, o dever que impende sobre a AT de conformar a sua actuação e as suas decisões de acordo com o mencionado princípio da legalidade não contende com a observância dos preceitos constitucionais que devem reger as relações jurídico-tributárias; R) Consequentemente, a interpretação conforme a Constituição deve balizar e orientar as decisões que a Administração toma na sua actividade interpretativa da lei fiscal, pelo que, quando se lhe depara uma norma em situação de “fronteira”, deve procurar submeter o seu sentido à Lei Fundamental, porquanto terá de pressupor uma prévia submissão do legislador ordinário a essa mesma Lei.

  9. Ora, como se infere da douta sentença, quer a AT (cfr. artigos 17.º a 19.º da douta contestação) quer o tribunal recorrido (cfr. fls 84 e 85) propugnam uma interpretação literal da norma em causa, no sentido de que deverá ser concretamente aquele dinheiro que se recebe pela venda que deve ser aplicado na aquisição da nova habitação e não outro; T) Porém, tal entendimento esquece que no dia em que a impugnante alienou o prédio (01/07/1997), a entidade bancária credora procedeu ao distrate da hipoteca que impendia sobre o referido prédio; no entanto, para tal, era imprescindível que a impugnante liquidasse integralmente o empréstimo em dívida o que, naturalmente, só poderia ser realizado com o produto da venda do prédio, ou seja, dos 13.000.000$00 que recebeu pela venda, foi legalmente compelida a pagar ao banco o montante de 11.250.926$00; U) Portanto, com esta cronologia dos factos (I -venda da 1.º habitação; II - distrate da hipoteca; III - empréstimo bancário; IV - compra da 2.º habitação) o douto tribunal a quo entende não ter havido reinvestimento, porquanto a aquisição da nova habitação foi realizada com o montante do empréstimo imediatamente precedente; V) Porém, caso se verificasse uma inversão dos procedimentos, poder-se-á questionar se...

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