Acórdão nº 00282/08.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelVital Lopes
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE 1 – RELATÓRIO V..., S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da liquidação n.º2008 8310033525 relativa IRC e juros compensatórios do ano de 2003, da qual decorre um saldo a pagar de 5.827.549,46€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou totalmente improcedente a impugnação.

  1. De acordo com o tribunal a quo, “a operação em causa não pode beneficiar do benefício da neutralidade fiscal pela simples razão de à cisão em causa lhe falecer o pressuposto legal de atribuição aos sócios de partes representativas de capital social das sociedades beneficiárias. E se a operação não cabe no dito regime especial, há-de cair então no regime geral do art. 43º do CIRC”. Além do exposto, entendeu também o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela “que a transferência dos elementos patrimoniais para a esfera das empresas beneficiárias gerou variações patrimoniais positivas que, nas termos do art. 21° do CIRC, não podem deixar de se reflectir nos respectivos lucros tributáveis”.

  2. Esta decisão vem em contradição com uma outra, proferida pelo mesmo tribunal, no âmbito do processo n° 281/08.1BEMDL, cm que era impugnante a sociedade V… - IMOBILIÁRIA, S.A., e onde estavam em causa os mesmos factos dos presentes autos, bem como a mesma matéria de direito, desta feita relativa à correcção promovida pelos serviços de inspecção tributária na esfera da sociedade que, na operação de cisão-fusão que dá também origem à correcção fiscal aqui discutida, se assume como cindida. Nesta última decisão reconheceu-se que foi produzida prova susceptível de permitir a conclusão segundo a qual “não é condição de aplicação do regime de neutralidade fiscal a atribuição formal ao sócio da sociedade cindida de partes representativas ou participações da(s) sociedade(s) beneficiária(s)”, sendo “irrelevante, para os efeitos da discussão, que haja lima atribuição formal de participação social, uma vez que, dentro da esfera jurídica do accionista, apenas existe uma transferência de participações entre as sociedades de que é dono e não uni aumento do valor dessa mesma participação em virtude da operação de cisão/fusão”.

  3. Entende a recorrente que a decisão de que vem interposto o presente recurso merece censura, imputando-lhe um erro de julgamento de facto ou de direito.

  4. De acordo com a recorrente, o tribunal a quo limitou-se a reiterar aquele que é o posicionamento da Administração fiscal constante, não só do relatório de inspecção fiscal, como da respectiva contestação - entendimento este aqui impugnado -, face às questões jurídicas suscitadas, fazendo tábua rasa de toda a matéria de facto de que foi feita prova - quer testemunhal quer documental - nas instâncias próprias.

  5. O tribunal a quo limitou-se, enfim, a repetir as mesmas razões que a Administração fiscal havia tomado públicas no relatório que fundamenta o acto tributário impugnado, razões estas basicamente assentes em falsos pressupostos de sujeição, numa perturbadora incompreensão da matéria de facto e, bem assim e em consequência, numa inevitável má leitura dos argumentos de direito aduzidos.

  6. De acordo com a fundamentação do acto de liquidação impugnado (constante do Relatório de Inspecção, da contestação da Sra. Representante da Fazenda Pública e agora do articulado de alegações de recurso apresentado), é imputado à impugnante o não cumprimento de todos os requisitos exigidos para a aplicação do regime especial previsto nos art.°s 67.° e ss. do Código do IRC.

  7. Tal entendimento, todavia, tem subjacente uma errada percepção da matéria factual e errónea aplicação do direito, pelo que as liquidações adicionais cm que se projectou são manifestamente ilegais e a sentença recorrida ilegal na percepção que tem do direito mobilizável.

    I. De resto, quer a decisão administrativa de correcção tributária quer a sentença de que se recorre, descrevem de forma geralmente fidedigna, nas respectivas fundamentações, os detalhes mais relevantes das operações de cisão-fusão aqui em análise, designadamente a qualificação jurídico-societária que lhes foi conferida no Relatório de inspecção fiscal, os movimentos contabilísticos ocorridos e as alterações delas resultantes, o que denota uma evidente preocupação com o rigor da base factual de onde parte a sua análise jurídico-tributária.

  8. Com efeito, a atribuição de acções ao sócio da sociedade cindida, não pode ser considerada como um verdadeiro requisito da aplicação do regime de neutralidade fiscal, como quer a Administração fiscal e como admite o tribunal recorrido.

  9. A não verificação de tal requisito em nada influi no objectivo de diferimento da tributação que constitui um dos vértices fundamentais da estrutura do regime de neutralidade fiscal.

    L. Os pressupostos e os fins da neutralidade fiscal consignados nos art.ºs 67.° e seguintes do Código do IRC não saem minimamente beliscados da operação de cisão-fusão em apreço, sem que tenha ocorrido emissão de novas acções.

  10. Falta, é certo, na operação de cisão-fusão em causa nos presentes autos, a entrega de acções da sociedade beneficiária (V…) ao sócio (U… ÁGUAS) da sociedade contribuidora (V… IMOBILIÁRIA).

  11. Mas percebe-se porquê: é que o sócio (U… ÁGUAS) que detinha a 100% a sociedade contribuidora (V… IMOBILIÁRJA) era exactamente o mesmo que detinha integralmente as participações no capital da sociedade beneficiária (V…), o que tornou obviamente dispensável, por exemplo, a realização de aumentos de capital com emissão de novas acções.

  12. Não se verificou, naquela situação, a necessidade de operar com qualquer razão de troca, uma vez que, quer a sociedade contribuidora (V… IMOBILIÁRIA), quer a sociedade beneficiária dispunham do mesmo accionista, com exclusão de quaisquer outros.

  13. Do ponto de vista do accionista único da sociedade contribuidora (U… ÁGUAS), o ingresso dos activos transmitidos no património da sociedade beneficiária (V…) funcionou, assim, como uma entrada de capital, realizada pelo sócio, que não teve contrapartida na emissão de acções, a qual constitui uma fórmula de reforço dos capitais próprios das sociedades admitida pela doutrina.

  14. Ditas as coisas de outra forma: sendo coincidente o accionista único da sociedade contribuidora e o da sociedade beneficiária, ninguém dispunha de interesse em que o aumento de valor desta última, correspondente ao ingresso dos activos transmitidos, fosse de algum modo representado por novas acções (ou por acções próprias disponibilizadas para o efeito).

  15. O ponto é justamente este: o GRUPO U… viu ser-lhe recusado o regime de neutralidade da operação de cisão-fusão em que é interveniente a sociedade ora impugnante em virtude de ter adoptado a fórmula simultaneamente mais simples e mais natural, nas suas específicas circunstâncias.

  16. Mas se tivesse havido lugar à entrega de acções ao accionista (U… ÁGUAS) da sociedade beneficiária (V…) - o que, sendo embora absolutamente inútil e desadequado na operação em causa, poderia realizar-se com a maior facilidade -, já a aplicação do mesmo regime lhe seria reconhecida sem qualquer problema.

  17. Ora é justamente a perplexidade causada por esta situação que obriga a que se aprofunde um pouco mais o sentido e a função da referência à atribuição de acções na economia do preceito que se encontra em análise.

  18. Na verdade, para os efeitos do art. 67° do Código do IRC, a não ocorrência de atribuição de acções ao sócio da sociedade beneficiária, nos termos referidos, só pode ser determinante para inviabilizar a aplicação do mencionado regime se houver de entender-se que essa atribuição constitui um seu verdadeiro requisito - no sentido de que constitui uma exigência determinada pela respectiva ratio ou por outros objectivos inteligíveis de política fiscal.

    V. Deve, por isso, verificar-se, em primeiro lugar, a quem é necessário entregar acções da sociedade beneficiária, do ponto de vista da Administração fiscal. Será que esta considera imperioso que, na cisão-fusão que aspire ao regime de neutralidade, sejam entregues acções a todos e quaisquer sócios da sociedade contribuidora? W. É fácil de ver que um tal entendimento conduziria a resultados inaceitáveis.

    X. A título complementar, verifica-se que, subjacente à tese propugnada pela Administração fiscal e permitida pelo tribunal de primeira instância, está uma violação clamorosa dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade, pois numa operação em que não há, demonstradamente, qualquer criação de valor, em que U… ÁGUAS mantém na sua esfera, em todos os momentos, os mesmos activos (nem mais nem menos) com os mesmos custos de aquisição originários, é manifestamente desproporcionado exigir correcções que ultrapassam os € 15.000.000,00.

    TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO PROCEDENTE E A DOUTA SENTENÇA INTEGRALMENTE ANULADA».

    A Recorrida não apresentou contra-alegações.

    O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido do acerto do julgado que considerou válida a liquidação impugnada, reiterando para tal a fundamentação aduzida pela Administração tributária para a prática do acto.

    Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

    2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso...

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