Acórdão nº 00196/07.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelEsperan
Data da Resolução15 de Julho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte 1. Relatório MEACA interpõe recurso jurisdicional do acórdão do TAF de Coimbra que julgou improcedente a ação administrativa especial que a Recorrente intentou contra o MUNICÍPIO DE C... e MRVG, como contrainteressada, na qual pede a declaração de nulidade do ato do Vereador do Urbanismo da Câmara Municipal de C..., de 09.11.2004, que deferiu o pedido de licenciamento de obras de reconstrução e ampliação do prédio urbano confinante com o prédio urbano da Autora, obras essas integradas pelo levantamento de uma parede com 3,50 m de altura e mais de seis metros de cumprimento no limite entre o primeiro e uma passagem comum aos dois prédios com 1,24m de largura.

A Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso: 1. Por razões de economia e eficiência processuais, considera-se nesta sede devidamente reproduzido, para todos os devidos efeitos legais, o teor dos articulados já apresentados nos autos, nomeadamente na petição inicial e em todos os subsequentes requerimentos.

  1. Além dos factos que devem ser considerados assentes pelo Tribunal em função dos elementos documentais apresentados e do PA. junto ao processo (nomeadamente as desconformidades constantes do Livro de Obra, constante a fls… dos autos), deve considerar-se igualmente provado o quesito 1 (embora tal elemento seja como que lateral na economia dos presentes autos), como foi assertivamente demonstrado pela prova pericial colegial realizada, constante dos autos a fls. 315. e ss.

  2. No que respeita ao quesito 2, decorre igualmente comprovado da prova pericial que o muro construído pela contra-interessada do seu lado da passagem comum (ou seja, “a parede do alçado lateral direito”) “tem um comprimento superior a 6 metros”, tendo aliás os Srs. Peritos (e várias testemunhas) confirmado, na audiência de julgamento, que a edificação ocupa praticamente todo o prédio da contra-interessada, tendo bem mais de 10 m de comprimento – cfr. entre o mais, laudo pericial a fls… dos autos.

  3. Quanto ao quesito 3, encontra-se igualmente provado que esse muro ou parede é, em todo o seu comprimento, novo(a) (como se encontra confirmado pela Perícia colegial, constante dos autos a fls…).

  4. Quanto aos quesitos 4 e 5, os Srs. Peritos asseveraram inequivocamente que, à data da perícia, “as janelas da habitação da autora confrontam com uma parede (alçado lateral direito da edificação da contrainteressada)” e da prova testemunhal produzida nos autos (designadamente do depoimento da testemunha POSP, que residiu no local mais de 20 anos, sendo, por isso, sobejamente conhecedora do local em apreço antes e depois das ilegais obras realizadas) resulta provado à saciedade que as janelas do imóvel da A., antes das obras licenciadas pelo ato impugnado, estavam desimpedidas e que o imóvel tinha, assim, bom arejamento, iluminação e exposição aos raios solares.

  5. Na verdade, do depoimento desta testemunha comprovou-se inequivocamente que a janela do quarto da habitação da A. (divisão mais distante da porta de entrada no prédio), antes das obras em apreço, não tinha qualquer muro, parede ou fachada em frente (ou seja, no prédio da contrainteressada), havendo, portanto, iluminação, exposição direta aos raios solares e também bom arejamento. E quanto à janela da sala da habitação da A. (divisão mais próxima da entrada do prédio), resulta igualmente provado que não tinha, pelo menos de um dos seus lados, a menos de 2 m do seu eixo vertical, qualquer obstáculo à iluminação – note-se que a referida testemunha explicou, inclusivamente, que enquanto viveu na casa tinha vasos com plantas nessa sala, e isto era possível por haver arejamento e sobretudo iluminação e exposição direta aos raios solares. Isto mesmo resulta igualmente dos elementos documentais constantes dos autos e do PA – nomeadamente os fotogramas constantes de fls. 262 do PA.

  6. A prova pericial colegial foi também eloquente e impressiva relativamente a esta matéria quando asseverou, em resposta ao quesito 10 (“Com a parede construída pela contrainteressada, os dois compartimentos da habitação do prédio da autora, correspondentes às janelas de uma sala que dá para a passagem comum e de um quarto, ficam totalmente desprovidos de luz solar, iluminação e arejamento?”), que “os dois compartimentos da habitação da autora dispõem de luz solar, iluminação e arejamento, mas não nos termos regulamentares conforme definido no Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU)”.

  7. E foi ainda mais assertiva em esclarecimento posterior, em que expressamente consta que “apesar dos dois compartimentos da habitação da autora disporem de iluminação natural e arejamento, em face da distância entre os seus vãos e a parede do edifício da contra-interessada, cuja distância média é de 1,24 m, estas não são assegurados de forma prolongada pela acção directa dos raios solares, ao contrário do que determina o art.º 58.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).

    De registar que uma vez reconhecida a violação do artigo 58.º do RGEU, é de todo desadequado afirmar que os referidos compartimentos dispõem de luz solar.” 9. Em suma, como se encontra comprovado nos autos, tal circunstância deriva do facto de, antes das obras que foram ilegalmente legalizadas pelo acto impugnado, existir no prédio da contra-interessada apenas uma pequena habitação, de pé direito mais baixo do que o pé direito da edificação da A. e cujo alçado lateral direito também era menos profundo do que o alçado da casa da A. onde se localizam as referidas janelas, sendo o restante espaço do prédio da Contra-interessada correspondente ao logradouro térreo.

  8. Sendo que, depois das ilegais obras, passou a existir no prédio da Contra-interessada uma empena titânica, com mais de 5 m de altura e que foi acrescentada até ao fundo do prédio (onde antes havia o logradouro térreo), distando da parede da casa da A. apenas a uma distância de 1,24 m (e até 1,18 m), ou seja, muito inferior aos 3 m mínimos de afastamento previsto na lei, o que, naturalmente, deixou a habitação da A. sem réstia de exposição solar, iluminação natural e arejamento, comprometendo, assim, o interesse público na existência de um ambiente urbano, sadio e equilibrado.

  9. No que respeita à distância entre os dois prédios e se a mesma foi ou não aumentada em 12 cm (quesitos 8 e 9), comprovou-se, ao contrário do que alegara a Contra-interessada, que “a distância média entre os dois prédios é, até ao perfil metálico existente no alçado lateral direito do edifício da contra-interessada, 1,24 m. Para lá do perfil metálico essa distância é de 1,18 m”, não tendo, pois, havido qualquer aumento de 12 cm (1,36 m) – cfr. relatório pericial constante a fls. 315 e ss.

  10. Ora bem, o artigo 73.º do RGEU obriga a que se guarde uma distância mínima de 3 metros entre construções com janelas que sirvam compartimentos de habitação, precisamente para evitar qualquer obstáculo à iluminação, arejamento e insolação.

  11. Como tem dito a jurisprudência e a doutrina, o artigo 73.º do RGEU é, assim, uma norma relacional, isto é, destinada a assegurar uma distância mínima entre construções confinantes, sendo aplicável tanto às novas construções como tem em vista assegurar o arejamento, insolação e iluminação das já existentes.

  12. Em suma, o artigo 73.º situa-se no domínio das restrições impostas pelo direito público ao direito de propriedade dos proprietários de prédios vizinhos, com base no interesse público – salubridade e estética das edificações –, impondo o respeito pela vida e haveres da população e pelas condições estéticas do ambiente local, de modo a tornar a vida das populações mais sadia e agradável. Trata-se, pois, do interesse público na existência de um ambiente urbano, sadio e equilibrado, que se reconduz em boa medida à salubridade das habitações, designadamente no que respeita à iluminação, ao arejamento, à exposição solar e aos espaços livres entre as edificações – cfr. Acórdãos do STA de 7/6/1994 no processo 33836; de 17/06/2003, tirado no processo 01854/02; de 12.06.2007, no proc. nº 0208/07 e do Pleno da Secção de 29/05/2007, no recurso n.º 046946.

  13. Refira-se igualmente que, ao consagrar esta norma (nomeadamente quando determinou “qualquer muro ou fachada fronteiros”), o legislador fê-lo de forma clarividente e inequívoca, pelo que, salvo o merecido respeito, não colhe minimamente a interpretação do artigo 73.º levada a efeito pelo R. Município, na sua douta contestação, quando pretende sustentar que tal normativo apenas se aplicaria ao licenciamento de prédios destinados a habitação – tal entendimento violaria, entre o mais do disposto no art. 58.º e 73.º do RGEU, no art. 9.º, nºs 2 e 3 do Código Civil e no art. 66.º da CRP, pelo que seria, aliás, materialmente inconstitucional.

  14. A situação de facto descrita e comprovada nos autos, prejudicando substancialmente o arejamento, insolação e iluminação natural dos compartimentos da casa da A., que ficaram assim privados da acção destes elementos naturais, viola os dois aludidos comandos normativos contidos no artigo 73.º do RGEU e viola igualmente o estatuído no art. 58.º do RGEU – cfr. jurisprudência citada supra.

  15. Como também já referimos, os licenciamentos de construção são de natureza policial, incumbindo aos Municípios assegurar os interesses gerais e prevenir os danos sociais, especialmente os referentes à segurança, salubridade e estética das edificações – o que, in casu, como é manifesto e já vimos, não sucedeu.

  16. O teor do estatuído no art. 73.º daquele diploma legal deve considerar-se como integrando o Regulamento do Plano Director Municipal de C..., na medida em que este instrumento de gestão territorial impõe, nos seus artigos 33.º, n.º 4 e 44.º, n.º 3, que as edificações respeitem o “afastamento aos limites laterais conforme Regulamento Geral de Edificações Urbanas e edificações nas propriedades contíguas”...

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