Acórdão nº 00008/10.8BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução15 de Julho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.RELATÓRIO.

MUNICÍPIO DE SMF, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 17/05/2013, que julgou procedente a ação administrativa comum, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito [acidente de viação], intentada por JAS, em que são Intervenientes “Construções C & F, Lda” e “ ABFS Filhos, Lda”, que o condenou a pagar ao Autor uma indemnização no valor de € 6.966,00 (seis mil novecentos e sessenta e seis euros), para ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos.

E bem assim, do despacho saneador de fls. 193/200 e despacho de fls. 231/238 dos autos que na parte referente à fixação da base instrutória.

**O Recorrente alegou, e formulou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem: «A.

Fundamentando-se a presente ação na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos a que alude os artºs 483º e ss do CC e não estando provado nos autos que direito do A. haja sido violado – já que não se provou que seja ele o proprietário ou que detenha qualquer outro direito sobre a viatura automóvel interveniente no acidente de viação que é objeto dos autos – tem de improceder o pedido que o A. formula no sentido de lhe ser reconhecido o direito a receber determinada quantia em dinheiro a título de ressarcimento dos danos causados nessa mesma viatura. Assim não tendo decidido violou a douta Sentença recorrida o disposto no artº 483º, nº 1, do CC.

Sem prescindir, B.

Circulando a viatura automóvel sinistrada numa “zona de obras”, a qual, para além de facilmente visível a quem por aí circulasse, estava sinalizada por um sinal de “aproximação de estrada com risco de projeção de gravilha” (item nº 4 da Base Instrutória) e um sinal vertical indicativo de “perigos vários” (cfr. Auto de Participação de Acidente de Viação a fls…), inequívoca é a conclusão de que bem sabia o respetivo condutor – ou pelo menos não podia ignorar - os perigos adicionais que nesse local se deparavam à circulação automóvel.

C.

Assim, ainda que outros sinais de trânsito estivessem colocados no local em questão e alertassem para todos os perigos - e cada um em concreto - que o estado daquela via em obras representava para a circulação automóvel, tal em nada alteraria a atitude do aludido condutor que, sabendo desses mesmos perigos, decidiu “arriscar” e por aí avançar… D.

Acresce que a matéria alegada pelo ora recorrente nos nºs 4 a 6, 11, 12, 15, 19 a 25 e 33 da sua contestação não foi impugnada por nenhum dos intervenientes processuais e é relevante para o desfecho da presente ação, pelo que deve ser tida em conta na decisão final a proferir. Na verdade, permitem tais factos a conclusão de que o estado da via por onde o automóvel sinistrado seguia era do prévio conhecimento do seu condutor e, consequentemente, os danos advindos em consequência do referido acidente sempre se teriam igualmente produzido independentemente de culpa do Município, ora recorrente, o que importa a sua absolvição por força do disposto no artº 493º do CC.

E.

Assim não tendo decidido violou a douta Sentença recorrida a referida disposição legal, bem como o disposto no nº 1, do artº 511º e no nº 3, do artº 659º, ambos do CPC.

F.

Ficou ainda demonstrado nos autos que à data dos factos o Município ora recorrente dispunha quer de um número telefónico verde, de chamada gratuita, colocado à disposição dos munícipes para que estes lhe participem a ocorrência de qualquer anomalia em qualquer via rodoviária sob sua jurisdição, quer de equipas de fiscalização que diariamente percorrem as estradas que estão sob sua jurisdição e cuja função é detetar deficiências que nelas encontrem, proceder à sua imediata sinalização e reparação, não tendo, todavia, para a rua e na data em questão, nenhuma anomalia ou deficiência sido participada ou detetada pelas ditas equipas de fiscalização que, não obstante, por ela passaram com vista a tal fiscalização. E também ficou provado que, para além disso, um seu funcionário, responsável pela fiscalização das infraestruturas viárias do Município, deslocava-se ao local das obras aqui em causa dia sim, dia não. Ora, G.

Entende o Município que com tal atitude cumpriu com os deveres que nesta matéria lhe são legalmente impostos, demonstrando que tem os seus serviços organizados e a funcionar de forma a prevenir e a evitar a ocorrência de sinistros como o em apreço, nada mais lhe podendo ser legalmente exigido.

H.

Nos termos do disposto no nº 1, do artº 493º, do CC, inexiste a obrigação de indemnizar a que aí se alude quando se prove que os danos não decorrem de culpa do obrigado à vigilância da coisa que tem em seu poder ou quando se prove que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, o que os factos provados nos autos consubstancia, impondo-se assim a absolvição do Município. Assim não tendo decidido violou a douta Sentença recorrida a citada disposição da lei.».

Termina requerendo que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que absolva o R. do pedido, com as demais consequências da lei.

**O Recorrido contra-alegou e apresentou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se transcrevem: « 1. O direito de propriedade do A. relativamente ao veículo interveniente no acidente encontra-se provado em B) dos factos assentes; 2. Pese embora a exaustiva reclamação apresentada relativamente à selecção da matéria de facto, o R. não reclamou da matéria assente em B), conformando-se, e bem, com o seu conteúdo; 3. Dispõe o nº1, do artigo 371º, do Código Civil, que “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”; 4. Constando do Auto de Participação de Acidente de Viação que o veículo interveniente no acidente é propriedade do A., facto atestado pelo agente outorgante do documento, tal facto é inatacável, fazendo prova plena, sendo certo que não foi arguida qualquer falsidade do documento; 5. Do julgamento da matéria de facto resulta provado que apenas existia um sinal de perigo de projecção de gravilha; 6. Resulta não provada a existência de outro sinal indicando perigos vários (quesito 24º); 7. Contrariamente ao alegado pelo R. no recurso, foi dado como não provado que o condutor do veículo do A. sabia que a zona onde circulava se encontrava em obras; 8. Razão pela qual, o R. esteve longe de conseguir ilidir a presunção de culpa estabelecida no artigo 493º do Código Civil; 9. A matéria de facto que o R. pretende ver acrescentada aos factos assentes e à base instrutória não tem qualquer relevância para a decisão da causa; 10. Razão pela qual, a douta sentença não é merecedora de qualquer censura, devendo o recurso apresentado pelo R. ser julgado totalmente improcedente.» Remata as suas conclusões, requerendo o não provimento do recurso, e a manutenção da sentença recorrida.

**2.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO- QUESTÕES DECIDENDAS.

Considerando que são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto, as questões suscitadas que cumpre decidir, cifram-se em saber se a decisão judicial recorrida enferma dos erros de julgamento que lhe são apontados.

**3.FUNDAMENTAÇÃO.

3.1.MATÉRIA DE FACTO Independentemente do objeto do recurso, na parte em que versa sobre a reapreciação da matéria de facto, que adiante conheceremos, deixamos transcritos, desde já, os factos que a 1.ª instância deu como provados: 1. «Em 28 de Março de 2002 é subscrito documento timbrado de “ABFS & Filhos, Lda.”, pela gerência, dirigido a “Construções C & F”, constando ali que “... PROPOSTA. A Firma “ABFS & Filhos, Lda.” (...) depois de ter tomado perfeito conhecimento do objectivo da obra acima indicada, a que se refere o vosso convite, obriga-se a executar a referida empreitada de harmonia com o caderno de encargos respectivo, pela quantia de € 204.674,29 conforme lista de preços unitários apensa a esta proposta. (...) RESUMO ORÇAMENTAL Arruamentos – 1.09398,65; Rede de abastecimento de águas – 13.012,61; Rede de águas pluviais – 20.045,34; Rede de águas residuais e domésticas – 62.217,69. Soma Total: 204.674,29 ...”.

(Facto Provado por documento a fls 71 a 83 dos autos) 2. Em 12 de Janeiro de 2007 é subscrito documento denominado de “Participação de Acidente de Viação” pelo participante agente da Guarda Nacional Republicana de SMF, que se dá aqui por reproduzido, mas onde consta, designadamente “...

Local do Acidente: Rua …, concelho de SMF. Data do acidente: 2007/01/12. Hora: 01 Minutos – 40.

Identificação dos Veículos. Veículo n.º 1. N.º de Matrícula: **-**-VT. Ligeiro de Passageiros. Tem Seguro. Apólice n.º AU-4.... Companhia I... B... (...) Proprietário: JAS (...) Identificação dos Condutores. A – Condutor do Veículo n.º 1: Nome: RAS (...) Bilhete de Identidade: 12... (...) Tem licença de condução – sim. N.º da licença: AV-37.... Passada pela DVG de A.... Data: 30-09-2005. O acidente foi presenciado pelo participante – Não.

Descrição do Acidente: O acidente ocorreu no local, data e hora mencionados no rosto da participação. Segundo versão dos condutores o acidente ter-se-á dado do seguinte modo: O condutor do veículo n.º 1 disse que circulava no sentido de M...-SMF e embateu numa tampa de saneamento, tendo danificado parte do motor, nomeadamente o carter. (...) Vestígios no Local: óleo proveniente do veículo n.º 1. Estado do Tempo: Bom tempo. Estado de Funcionamento dos Veículos: órgãos de travagem: Veículo n.º 1. Não foram verificadas.

Legenda: Local provável de embate (Tampa de saneamento com 0,6cm de altura) (...) E – Distância da tampa de saneamento a berma – 3,80m. F – Largura da faixa de rodagem – 7,60m. G – Sinal A6 (projecção de gravilha) existente a cerca de 100m do local provável de embate (...)...

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