Acórdão nº 00462/06.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução02 de Julho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: Ministério da Agricultura e do Mar, pela Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos Recorrido: N...

– Consultadoria Náutica, Ldª; Nz...

– Consultadoria Náutica, Ldª Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a supra identificada acção administrativa comum, na qual era pedido, designadamente: — ser ordenado que o réu “se abstenha a título definitivo de recusar a admissão a exame de cidadãos comunitários com fundamento na inexistência de documento comprovativo de residência em Portugal e, em caso de sucesso nesse exame, sejam autorizados a navegar as embarcações correspondentes à carta a cujo exame se submeteram; e, — Seja condenado a pagar à A. N... uma indemnização no valor de 101.154,48 (cento e um mil cento e cinquenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos), a título de responsabilidade civil extracontratual, pelos danos patrimoniais directamente provocados pela actuação ilícita descrita na presente acção; — Seja condenado a pagar à A. Nz... uma indemnização no valor de 268.813,84 (duzentos e sessenta e oito mil oitocentos e treze euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de responsabilidade civil extracontratual, pelos danos patrimoniais directamente provocados pela actuação ilícita descrita na presente acção; — Seja condenado a pagar às AA. uma indemnização no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) a cada, a título de responsabilidade civil extracontratual, pelos danos morais directamente provocados pela actuação ilícita descrita na presente acção; — Seja condenado a pagar a ambas as AA. uma indemnização, a título de responsabilidade civil extracontratual, pelos danos patrimoniais directamente provocados pela actuação ilícita descrita na presente acção e necessários para a reconstituição da situação que existiria caso tal actuação não houvesse ocorrido, cuja quantia se relega para execução de sentença. E ainda, inserto na parte final do articulado;”.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1ª – O nº 1 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 124/2004, de 25 de Maio, impõe ao IPTM, IP, que só pode emitir cartas de navegador de recreio a quem possua residência em Portugal; 2ª – Por via dessa regra, o réu, aqui recorrente, passou a não admitir a exame de navegador de recreio os formandos que não demonstrassem residir em Portugal; 3ª – Tal norma, constante do nº 1 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 124/2004, de 25 de Maio, não viola o direito comunitário, seja o artigo 49º do TCE (hoje artigo 56º do TFUE) seja de qualquer outro, por violação do princípio de livre prestação de serviços seja de qualquer outro.

4ª – Trata-se de exames de Estado, cuja realização, controlo e fiscalização pertence exclusivamente aos organismos do Estado, estando por isso, subtraídos à iniciativa privada e integrado o exercício de autoridade pública, 5ª - Não se lhe aplicando a regulamentação comunitária sobre liberdade de prestação de serviços, por força do disposto nos artigos 48º e 55º do TCE (actualmente os artigos 51º e 62º do TFUE). Para além do mais, 6ª - Trata-se manifestamente de matéria de interesse e ordem pública, face à necessidade de preservar a segurança marítima e a salvaguarda da vida do mar, exigindo um controlo efectivo aos detentores de habilitação para comandar embarcações de recreio; 7ª - Tais limitações de exigência de residência, de resto, constam igualmente na regulamentação comunitária e na legislação nacional no que respeita à condução automóvel (directiva 91/439/CEE e Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro); de resto, 8ª - As autoras, ora recorridas mantêm intacta a liberdade de prestação de serviços de formação náutica, sendo que o seu escopo social é, dentre muitas outras, a formação náutica e não a realização de exames para a obtenção de cartas de navegadores de recreio, sendo estes uma competência exclusiva do Estado.

9ª - A sentença sob recurso faz errada interpretação e aplicação da lei ao declarar violadora do Direito Comunitário (o artigo 49º do TCE ou qualquer outro) a norma constante do nº 1 do artigo 29º dói Decreto-lei nº 124/2004, pelo que deve ser revogada; 10ª – Não devendo o réu, aqui recorrente ser condenado a abster-se de recusar a admissão de cidadãos comunitários com fundamento na inexistência de documento comprovativo de residência em Portugal; em todo o caso, e por mera hipótese contrária, sem conceder, 11ª - Nunca poderia ser assacada ao réu aqui recorrente, qualquer conduta ilícita, geradora de responsabilidade civil extracontratual por danos, é que, 12ª – O facto gerador de qualquer eventual e hipotética conduta ilícita diz respeito ao exercício da função legislativa, isto é, verificar-se-ia uma desconformidade da lei com o direito internacional (no caso, com o Direito Comunitário). Ora, 13ª - É pacificamente aceite, na doutrina e na jurisprudência, que a Administração está impedida de desaplicar uma lei com fundamento na sua inconstitucionalidade ou na sua ilegalidade, a menos que tal seja declarado pelo poder judicial. Porém, 14ª – A actividade do réu, aqui recorrente, circunscreve-se ao âmbito administrativo, carecendo de qualquer competência legislativa; ademais, 15ª – Embora integrado na administração indirecta do Estado, o réu é uma pessoa colectiva distinta daquele, dotado de personalidade jurídica própria. Assim, 16ª – Qualquer eventual responsabilidade civil extracontratual derivada de facto ilícito proveniente de acto legislativo é completamente estranha ao réu, carecendo de ilegitimidade passiva para o efeito, não existindo por parte dele, do réu, qualquer grau de culpa (mesmo leve ou negligente) nem nexo de causalidade entre o facto e o dano, requisitos essenciais para eventual condenação no caso em apreço; De facto, 17ª - No âmbito dos limites da sua actividade administrativa, o réu estava obrigado a tomar a atitude que efectivamente tomou, não podendo desaplicar uma norma vigente na ordem jurídica nacional; 18ª - Na sentença sob recurso fez-se errada interpretação e aplicação da lei (nomeadamente do Decreto-lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, bem como das normas aplicáveis do Código Civil – art. 487º - e ainda do Decreto-lei nº 257/2002, de 22 de Novembro, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que absolva o réu, aqui recorrente do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais por conduta ilícita; 19ª - Assim como por danos não patrimoniais a idêntico titulo, pelas mesmas razões, mas ainda também porque os alegados danos não patrimoniais identificados não passam de meros incómodos e contrariedades, insusceptíveis da tutela jurídica, nos termos do artigo 496º do Código Civil.

20ª - De igual forma, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da lei no que respeita à condenação do réu no pagamento de € 21.753,48, por danos causados à autora Nz..., Ldª resultantes do alegado incumprimento pelo réu da decisão proferida em sede cautelar. È que, 21ª – Para além de a autora Nz..., Ldª não ter chegado a deduzir pedido de condenação a tal título, na altura e pela forma prescrita na lei, o que impede o Tribunal a decidir para além do pedido (artigo 661º - nº 1 do C.P.C.).

22ª - A sentença proferida no processo cautelar não chegou a ser notificada à entidade requerida, como prescreve e exige o disposto no artigo 122º do CPTA, não bastando para o efeito a notificação ao respectivo mandatário, dado tratar-se de facto pessoal (como de resto também previsto no nº 2 do artigo 253º do Cód. Proc. Civil).

23ª - Mesmo que assim não fosse, também não seria caso para proferir a condenação a esse título, uma vez que se verifica erro de julgamento quanto à matéria de facto no que respeita à resposta dada aos quesitos (pontos) 35º e 36º, os quais devem ser considerados não provados, atento o depoimento das testemunhas que fundamentaram aquela decisão (CSSV e JLSG), bem como o conteúdo do documento nº 27, junto com a petição inic9ial, os quais se mostram desadequados às respostas dadas pelo Tribunal.

24ª - Pelo que, também neste caso, a sentença sob recurso deve ser revogada e o réu absolvido do pedido, assim se fazendo completa e inteira JUSTIÇA”.

As Recorridas contra-alegaram, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem: “• Face ao exposto, a douta decisão recorrida não padece de nenhum dos vícios que lhe são apontados pelo Recorrente, antes revelando adequada ponderação de todos os elementos que foram carreados para os autos; • Com efeito, a decisão sob censura fez exacta interpretação do condicionalismo fáctico subjacente e adequada interpretação e aplicação do direito impendente, pelo que deve ser mantida na integra; • É inquestionável que a aplicação da norma do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 124/2004 a cidadãos comunitários por parte do IPTM é ilegal; • Os poderes de autoridade do IPTM no que respeita à sua responsabilidade civil extra-contratual, no âmbito da execução das suas actividades são inequívocos e resultam, legal e expressamente, do disposto na al. e) do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 257/2002, de 22 de Novembro.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, negando provimento ao recurso e, em consequência, confirmando, integralmente, a douta Sentença recorrida, farão, como sempre, inteira e sã J U S T I Ç A !”.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, não se pronunciou.

As questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida: fez errada interpretação e aplicação da lei ao declarar violadora do Direito Comunitário (o artigo 49º do TCE ou qualquer outro) a norma constante do nº 1 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 124/2004; fez errada interpretação e aplicação da lei...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT