Acórdão nº 01027/14.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução19 de Junho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO.

JCP, residente na Rua…, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da decisão proferida em 26/05/2014 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que no âmbito da ação administrativa comum que instaurou contra o Estado Português, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual emergente do exercício da função jurisdicional, e na qual pretendia obter a condenação do Estado a pagar-lhe uma indemnização global pelos danos que alega ter sofrido, no montante global de €200.000,00, acrescida de juros de mora á taxa legal, desde a citação até integral pagamento, julgou a jurisdição administrativa incompetente, em razão da matéria, para conhecer da ação, rejeitando liminarmente a petição inicial.

**O RECORRENTE terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões de recurso: “A. O art. 22.º da C.R.P. consagra um direito fundamental dos cidadãos em face do Estado, sendo, por consequência, diretamente aplicável e podendo ser invocado pelos particulares, mesmo na ausência de lei concretizadora, quando queiram fazer valer uma pretensão de indemnização contra aquele.

  1. O regime geral de responsabilidade civil por danos decorrentes da função jurisdicional consagrado na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, abrange, em obediência ao princípio constitucional da responsabilidade do Estado, a responsabilidade do Estado no exercício da função jurisdicional, por actos não estritamente jurisdicionais, incluindo por acções e omissões dos serviços dos tribunais e pelo mau funcionamento dos serviços da administração da justiça.

  2. No que respeita à responsabilidade por danos imputáveis à função jurisdicional, a lei prevê: - um regime geral da responsabilidade civil por danos decorrentes da função jurisdicional, causados pela administração da justiça, no art.º 12º, que se refere a factos que se enquadram na administração da justiça, ou seja, no exercício de uma função jurisdicional lato sensu, ou seja, actos administrativos ou processuais.

    - e um regime especial, constante do art.º 13º, dedicado à “Responsabilidade por erro judiciário”, que se refere aos actos materialmente jurisdicionais, uma vez que consagra os casos de decisão jurisdicional inconstitucional ou ilegal e de erro na interpretação e na aplicação do direito.

  3. Ora, salvo o devido respeito, o aqui recorrente tem como certo que os factos alegados pelo aqui recorrente se enquadram no regime geral, já que não estão aqui em causa actos materialmente jurisdicionais (erro judiciário), como sejam erros na interpretação e aplicação do direito ou decisões jurisdicionais inconstitucionais ou ilegais.

  4. Pelo contrário, os factos alegados enquadram-se no regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa por estar em causa um mau funcionamento dos serviços da administração da justiça – funcionamento anormal do serviço previsto no art.º 7º, n.ºs 3 e 4 da referida Lei, que se enquadra na responsabilidade por facto ilícito (art.º 9º, n.º 2), a que aplica um regime de responsabilidade exclusiva do Estado.

  5. Como refere o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 10 de Março de 2011 (processo n.º 013/10, disponível em www.dgsi.pt), citando o Acórdão do mesmo tribunal de 29-11-2006, “hoje, é pacífico o entendimento jurisprudencial, na linha deste último aresto, de que estando em causa a responsabilidade emergente da função de julgar, a competência cabe aos tribunais judiciais, pois os actos e actividades próprias dos juízes na sua função de julgar são praticados no exercício específico da função jurisdicional e não da função administrativa; todos os outros actos e omissões de juízes, bem como toda a actividade e actuação dos restantes magistrados, órgãos e agentes estaduais que intervenham na administração da justiça, em termos de relação com os particulares ou outros órgãos e agentes do Estado, e, portanto, sejam estranhos à específica função de julgar, inscrevem-se nos conceitos de actos e actividades administrativas ou de “gestão pública administrativa”, da competência da jurisdição administrativa”.

  6. Por conseguinte, estando em causa factos que se enquadram na administração da justiça, como sucede in casu, e não actos materialmente jurisdicionais, salvo o devido respeito por melhor opinião, o tribunal competente em razão da matéria para conhecer do objecto do litígio pertencerá à jurisdição administrativa, nos termos do disposto nos arts. 1º, n.º 1 e 4º, n.º 2, alínea g) do E.T.A.F.: “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional (…)”.

  7. Do que precede, resulta que a douta sentença violou o disposto nos artigos 4º, n.º 1, alínea g) do ETAF.”.

    Remata as suas conclusões, requerendo o provimento do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue o tribunal administrativo materialmente competente.

    *O RECORRIDO Estado Português, representado pelo Ministério Público, contra alegou, requerendo o não provimento do recurso, mas não apresentou conclusões de recurso.

    *Com dispensa de vistos, os autos foram submetidos à Conferência para julgamento.

    *2. DELIMITAÇÃO OBJETIVA DO RECURSO- QUESTÕES DECIDENDAS As questões suscitadas pelo ora Recorrente no âmbito do presente recurso jurisdicional serão apreciadas no respeito pelos parâmetros estabelecidos, para tal efeito, pelos artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redação conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi no art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

    De acordo com a motivação e conclusões apresentadas pelo Recorrente, a questão suscitada que cumpre decidir, cifra-se em saber se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento por ter considerado a jurisdição administrativa materialmente incompetente para conhecer do pedido, o que demanda a dilucidação da questão de saber se no caso se está perante uma situação de erro judiciário ou, ao invés, perante atos jurisdicionais lato sensu.

    .**3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1 MATÉRIA DE FACTO Com relevo para a decisão a proferir, fixam-se os seguintes factos e ocorrências processuais:

  8. Em 16 de maio de 2014, o Autor intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, ação administrativa comum, com processo na forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, emergente do exercício da função jurisdicional, cuja causa de pedir e pedido consta de fls. 1 a 22 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos; B) O Autor instruiu a ação com dos documentos de fls. 23 a 118 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

    **3.2. - O DIREITO.

    3.2.1.Como se disse está em causa saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito por ter sentenciado a incompetência material do TAF de Braga para conhecer da pretensão indemnizatória formulada pelo autor/Recorrente, e em consequência, rejeitado liminarmente a petição inicial.

    3.2.2.

    A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a ação é proposta, isto é, pela causa de pedir e pedido respetivos.

    Conforme escreve Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 195, Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica apenas com o poder de julgar num círculo limitado de acções, e não em todas as acções que os interessados pretendam submeter à sua apreciação jurisdicional.” E de acordo com os ensinamentos de MANUEL DE ANDRADE, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, página 91 «A competência do tribunal – ensina REDENTI – “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)”, é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes.

    » Parafraseando ainda o mesmo autor «A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.» Em suma, a competência afere-se pela substância do pedido formulado e pela relação jurídica subjacente ou factos concretizadores da causa de pedir e de acordo com o disposto no artigo 13.º do CPTA o seu conhecimento é oficioso e precede o conhecimento das demais questões.

    3.2.3.

    A jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n.º 3 do art.º 212.º da C.R.P., preceito onde se estabelece que «compete aos...

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