Acórdão nº 02533/06.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução05 de Junho de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: JMGC e MCCV Recorrido: Estado Português Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a supra identificada acção administrativa comum, na qual era pedido, designadamente, a condenação do Estado Português a pagar aos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais não inferior a 10.000 euros a cada autor.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1) Parte na impugnação fiscal é a SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES M & V, LDA e não os autores pessoas singulares.

2) Assim, os autores nada têm a ver com essa impugnação nem têm culpa com a duração dessa impugnação como não foram os autores que fizeram a lei que suspende o processo-crime à espera da decisão da impugnação.

3) Se o processo está pendente desde 1999 por razões alheias aos autores, há um anormal funcionamento da justiça qualquer que seja a razão.

4) Assim, verifica-se um ilícito que gera a obrigação de indemnizar.

5) A decisão viola a jurisprudência do Tribunal Europeu sendo o Estado, sistematicamente, condenado nesse Tribunal.

6) Há violação do artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

7) O Estado tem a obrigação de organizar eficazmente o sistema judicial.

8) Assim, deve dar-se como procedentes as conclusões anteriores, revogando-se a sentença e condenar-se o Estado no pedido.

”.

O Recorrido contra-alegou, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem: “1 - Os AA intentaram a presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária contra o Estado português pedindo que seja declarado que o R violou o artigo 6.º da CEDH e o artigo 20º, n.ºs 1 e 4 da CRP no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável” e que o R seja ainda condenado a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais ou morais nunca inferior a dez mil euros por cada autor, juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre as verbas peticionadas, as despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pelo autor, despesas de certidões, todas as despesas de tradução de documentos e honorários a advogado neste processo, juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre dez mil euros por cada autor (sendo que a todas as verbas referidas deverá acrescer quaisquer quantias que sejam devidas a título de imposto que incida sobre quantias recebidas do Estado) e ainda custas e demais encargos legais como o reembolso de taxas de justiça inicial e subsequente e preparos para despesas e quaisquer outras quantias pagas pelos autores; 2 – Realizado o julgamento foi proferida sentença absolutória, na qual a Meritíssima Juíza de Direito a quo julgou a ação improcedente por não provada e consequentemente absolveu o Estado português do pedido; 3 – Insatisfeitos com o sentido da sentença a quo ora ajuizada, os AA interpuseram recurso ordinário imputando-lhe a violação do artigo 6.º, n.º 1 da CEDH, uma vez que – na sua opinião - o processo fundamento desta ação (processo-crime) está pendente desde 1999 por razões alheias aos AA; 4 - Pelo que, existe um anormal funcionamento da justiça qualquer que seja a razão, integrador de um facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar; 5 – De tal sorte que a sentença a quo deve ser revogada e o R condenado no pedido; 6 - Ora, a causa de pedir desta ação é o pretenso atraso na decisão final a proferir no processo comum singular nº 132/99.6 IDPRT da 1.ª secção do 3º juízo criminal do Porto, o qual à luz das regras e cânones legais aplicáveis, demonstra que a pretensão dos AA de fazer valer pedido indemnizatório reportado à violação do direito de ter uma decisão judicial proferida em tempo razoável de tal processo crime, não pode proceder.

7 – É que nenhum facto ilícito foi praticado, pelas autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal e funcionários judiciais, por ação ou por omissão, no desenrolar de tal processo, como ressalta à evidência pela simples consulta do aludido processo crime que se encontra apenso aos nossos autos.

8 - Ou seja, nenhum atraso relevante foi registado na tramitação daquele processo-crime, quer na sua movimentação, quer nas várias fases processuais já percorridas (Inquérito, Instrução e Julgamento) e bem assim no acervo de despachos já nele exarados.

9 – Em abono da verdade, o aludido processo-crime esteve inicialmente suspenso entre os anos de 2000 e 2003, por força da aplicação do artigo 50.º, n.º 1 do RJIFNA; 10 – E posteriormente, desde que está na fase de julgamento, foi de novo legalmente suspenso, por força da aplicação do artigo 47.º, n.º 1 da lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RJIT), conforme os AA reconhecem na ação.

11 - Aliás, em 29 de novembro de 2006, esta suspensão foi decretada oficiosamente pelo próprio juiz do processo crime, logo que teve conhecimento – com carácter seguro - da pendência dos processos de impugnação tributária n.º 19/03/12 (referente a liquidação de IRC) e 20/03/12 (referente a liquidação de IVA), cujo impugnante é a Sociedade de Construções M & V Lda.

e impugnada a Fazenda Nacional.

12 – Ora, a suspensão do processo-crime opera oficiosamente logo que se tenha a certeza da existência de processo de impugnação tributária sobre a mesma questão de fundo, o que não pode deixar de se entender como uma garantia de defesa dos arguidos - aqui AA ora recorrentes – que o legislador entendeu conferir à defesa dos interesses dos próprios, com vista a evitar a prolação de decisões judiciais contraditórias sobre a mesma matéria controvertida.

13 - O legislador entendeu que existe toda a vantagem que o processo-crime – ação fundamento nesta ação administrativa – seja apreciado e decidido só depois da questão de natureza tributária subjacente esteja previamente definida e consolidada judicialmente, como corolário dos princípios da segurança e estabilidade da instância.

14 – Aliás, a duas suspensões legais determinadas por despacho nunca foram contestadas pelos próprios arguidos (aqui AA, ora recorrentes) no processo-crime.

15 - O que pese embora, agora, de forma contraditória vem por em causa nesta nesta ação administrativa de responsabilidade civil extracontratual interposta contra o Estado português, alegando mau funcionamento do sistema de justiça, na prolação de decisão judicial em prazo razoável, quando o putativo atraso se deve ao processo-crime estar legalmente suspenso.

16 - Este quid (suspensão) para os arguidos (os mesmos aqui AA, ora recorrentes) no processo-crime é um direito legal indisponível, mas para os mesmos AA, ora recorrentes (os mesmos ali arguidos) na ação administrativa comum ordinária, de responsabilidade civil extracontratual torna-se num encómio traduzido numa situação de incerteza, que lhes causa ansiedade, angústia, preocupações, aborrecimentos e frustração sentimentos estes que traduzem violação do primado da realização da justiça em tempo razoável.

17 - O que, a nosso ver, denota uma contradição na essência da sua causa de pedir, já que o que é um direito indisponível no processo-crime passa a ser um encómio na ação administrativa, embora a questão de fundo subjacente seja a mesma.

18 - Ora, na apreciação da razoabilidade da duração do processo-crime, observou a douta sentença a quo ora posta em crise os critérios das circunstâncias do caso concreto, tendo em atenção a sua complexidade processual e do procedimento dos AA, ora recorrentes, das autoridades judiciárias bem como dos demais operadores no processo.

19 – Daí que não se vislumbre o preenchimento do requisito ilicitude ora afirmado nas conclusões do seu recurso, mas inexistente e não alegado na fundamentação concreta do seu recurso; 20 – Assim, inexiste fundamento legal para determinar a revogação da douta sentença a quo.

Nestes termos e nos mais de direito aplicável, V. Exas. confirmando a douta sentença a quo ora posta em crise, farão como sempre inteira JUSTIÇA!” As questões suscitadas(2) e a decidir(3) serão adiante identificadas, se a tal nada obstar.

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA Na sentença sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual, não impugnado: 1) A A. é uma sociedade que se dedica à construção civil (alínea a. da Matéria de Facto Considerada Assente).

2) São seus sócios e gerentes os 2° e 3° autores JMGC e MCCV (alínea b da Matéria de Facto Considerada Assente).

3) No processo n° 132/99.6IDPRT, que correu termos junto da 6ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, os autores eram denunciados e arguidos pelo crime de fraude fiscal (alínea c da Matéria de Facto Considerada Assente).

4) A investigação criminal relativa ao processo referido em 3) iniciou-se em 17 de Setembro de 1999 (alínea d da Matéria de Facto Considerada Assente).

5) Em 14 de Outubro de 1999 foram expedidas cartas precatórias às Direcções de Finanças de Viana do Castelo e de Braga para que os suspeitos, incluindo os ora autores, fossem constituídos arguidos e interrogados nessa qualidade (alínea e da Matéria de Facto Considerada Assente).

6) Em 24/11/1999 foi emitida notificação para ouvir o 2° autor como gerente da 1ª autora (alínea f da Matéria de Facto Considerada Assente).

7) Em 24/11/1999 foi ordenada a notificação da 3ª autora (alínea g da Matéria de Facto Considerada Assente).

8) Em 07/12/1999 a 3ª autora foi notificada para ser ouvida como arguida em nome da 1ª autora (alínea h da Matéria de Facto Considerada Assente).

9) Em 07/12/1999 o 2° autor foi notificado como arguido em nome da 1ª autora (alínea i da Matéria de Facto Considerada Assente).

10) Em 10 de Dezembro de 1999 foi devolvida pela Repartição de Finanças de Barcelos à Direcção Distrital de finanças de braga a nota ou certidão de notificação pessoal do 2º e 3ª autores nos presentes autos (alínea j da Matéria de...

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