Acórdão nº 00335/09.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelCristina da Nova
Data da Resolução15 de Outubro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO Fazenda Pública, inconformada com a sentença que julgouprocedente a impugnação judicial da liquidação adicional do IVA de 2004, por ter entendido que a AT não cumpriu o ónus dos indícios de faturação de favor, por a mesma não titular reais operações económicas.

Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 916-939)as seguintes conclusões que se reproduzem: «CONCLUSÕES: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida das liquidações adicionais de IVA relativas a períodos de tributação do ano de 2004, baseando-se em razões que sintetiza na afirmação de que a AT “não cumpriu o ónus que sobre si recaía quanto à existência de faturas de favor relativas a operações inexistentes, uma vez que os factos-índice invocados não estão suportados em dados objetivos ou não são adequados a suportar a sua conclusão”, tornando desnecessário que o Tribunal a quo fosse “analisar se a Impugnante (…) logrou provar a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efetuou”.

B. Com a ressalva do sempre devido respeito, a Fazenda Pública entender que a sentença recorrida mostra-se afetada de erro de julgamento de facto e de direito.

C.

A organização expositiva da sentença em causa revela desde logo existir contradição no discurso fundamentador, uma vez que, conclusivamente, afirma que “a AT não fez a prova que lhe competia”, mas, na estreitíssima factualidade que firmou como provada, declara que os pontos 11 a 18 foram dados como provados pela ”conjugação dos documentos referidos a seguir a cada um dos factos com os depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante a ouvidas em audiência contraditória”.

D.

Se a AT não fez a prova que lhe competia, como conclui a sentença, não se compreende em que medida os parcos factos que dá como provados contribuíram para a formação da convicção a ponto daquele Tribunal declarar a falta de prova por parte da AT de que as faturas analisadas em inspeção não correspondiam a reais e efetivas operações económicas.

E.

A Fazenda Pública entende que a sentença procede a uma análise insuficiente e errónea da factualidade patente no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), do qual se dão por reproduzidos aqui os fundamentos nele expostos para a rejeição das faturas que titulam o IVA deduzido por parte da Impugnante F.

Sem embargo, no que concerne à dedução do IVA liquidado nas faturas emitidas como relativas a ações de “formação profissional não financiadas”, cumpre salientar a deficiente documentação dos custos a que supostamente se referem, designadamente a falta de mapas dos custos incorridos com as ditas ações de formação e de assinatura das folhas de presença por parte dos formadores, bem como da sua completa identificação, G.

e da inadequação da formação de um operário do setor produtivo num curso que em nada contribuição para a execução das suas funções.

H.

Por outro lado, sendo a formação financiada auditada por parte da entidade responsável pela atribuição dos financiamentos, para dissuadir a sobrevalorização dos custos inerentes, é razoável concluir que na formação não financiada não só a remuneração/hora do formador fosse estabelecida, mas também dos demais componentes, razão que foi da exigência da AT em conhecer os mapas de custos e documentação associada, a fim de comprovar que, ainda se tenham incorrido em custos inferiores aos custos aceites para as formações financiadas, que se demonstrasse a existência desses custos e a sua quantificação.

I.

A Impugnante, por seu turno, em nenhum momento esclareceu quais os componentes do preço dos serviços de formação profissional, nem as demais informações, omissão que a liberdade de forma referida na sentença como justificação bastante não pode servir para efeitos da comprovação em juízo da materialidade subjacente às faturas que titulam o IVA deduzido.

J.

No que concerne à dedução do IVA liquidado na fatura emitida como relativa a “controlo de qualidade”, os indícios da falta de materialidade subjacente da fatura em causa começam, também aqui, na inverosimilhança dos supostos serviços serem prestados por ditos “formadores” de gestão e informática nas supostas ações de formação profissional não financiadas antes referidas, um dos quais sócio dessa prestadora/emitente, porquanto, se de facto tivessem conhecimentos específicos na análise qualitativa de peles como matéria-prima da indústria do calçado.

K.

A este respeito, a dúvida apontada pela sentença é a dúvida suscitada pelos serviços de inspeção da AT, dúvida que, na ótica da Fazenda Pública, e ao contrário do que entendeu a sentença, cabia à Impugnante, esclarecendo a fonte dos conhecimentos ou experiência adquirida que permitiam aos “técnicos” indicados realizar o controlo de qualidade.

L.

Note-se que a dúvida foi suscitada pelos serviços de inspeção no âmbito de um procedimento inspetivo dirigido a uma empresa cadastrada desde 01.02.1987 na atividade de fabricação de calçado, CAE 19301, que, se não ainda tinha acumulado conhecimentos e experiência próprios na análise da qualidade da matéria-prima que lhe fosse fornecida, tinha de saber explicar, precisamente, as razões da escolha da empresa que alegadamente prestou serviços de formação profissional como também prestadora de serviços de controlo de qualidade de peles para a indústria de calçado.

M.

Acresce que a falta de relação das faturas de compra de peles com a fatura dos supostos serviços de controlo de qualidade, nomeadamente se o contrato foi celebrado para 2004, não sendo provável (ainda que a sentença afirme ser plausível) que o controlo de qualidade de peles adquiridas em 2003 viesse a ser feito em 2004, N.

pois não é razoável que o controlo da sua qualidade tivesse de esperar por um lapso de tempo tão alargado, quando a prudência e o senso comum recomendam que esse controlo se faça assim que recebida a matéria-prima, para no mais breve trecho acionar o fornecedor e obter devoluções, sob pena de se registarem perdas com stock imprestável para a produção.

O.

O desfasamento temporal verificado nos pretensos pagamentos também adensa a suspeita acerca da materialidade da fatura porque o primeiro pagamento, por transferência bancária, deu-se cerca de 11 meses após a emissão da fatura, tendo por destino conta que não pertence à sociedade prestadora/emitente.

P.

No que concerne à dedução do IVA liquidado na fatura emitida relativa a “diagnóstico de investimento”, temos como técnico identificado pela realização do pretenso serviço prestado a mesma pessoa que interveio como formador nas supostas ações de formação profissional não financiadas e controlo de qualidade de peles fornecidas.

Q.

Daí que é a circunstância de essa mesma pessoa ter intervindo em supostas prestações de serviços em relação às quais se recolheram indícios fortes de não ter sido realizadas, numa das quais essa pessoa se assume, inclusivamente, como técnico com competência para análise qualitativa de peles de diversos tipos destinadas à indústria do calçado.

R.

A respeito da execução desses ditos serviços de “diagnóstico de investimento”, a resposta dada pela Impugnante ao pedido de esclarecimentos, que a sentença entende revelar conhecimento sobre os objetivos e resultados, fica-se por generalidades, nada revela de concreto, verificável, acerca do objetivo ou resultado do “diagnóstico e estudo” nela mencionado, para além da referência à compra de uma máquina só para cortar cartão, em lugar da compra de uma máquina de cortar pele.

S. Em sede inspetiva, a Impugnante limitou-se a justificar os serviços de “diagnóstico de investimento” com generalidades como “evolução de forma positiva” e efeitos normalmente tardios dos investimentos”, além da referência à compra de uma máquina só para cortar cartão, em lugar da compra de uma máquina de cortar pele e a exibir o “projeto de investimento”.

T.

Dos documentos digitalizados no SITAF sob os nºs 005009811, 005009819, 005009827 e 005009839 e exposição a pág.s 2 e 3 do documento digitalizado no SITAF sob o nº 005009811 consta um documento do Ministério da Economia comprovativo da apresentação de um formulário de candidatura ao “Programa Operacional da Economia” que, depois de verificado o conteúdo, de acordo com o nº1 do art. 18º da Portaria nº 687/2000, foi atribuído o nº 43/03646, bem como o “projeto de investimento”.

U.

Bem analisados os documentos juntos aos autos prevalecem a dúvidas levantadas pelos serviços de inspeção como indícios sérios e fundados da falta de materialidade da fatura em causa, desde logo porque o documento do Ministério da Economia comprovativo da apresentação de um formulário de candidatura ao “Programa Operacional da Economia” (apresentação que o nº1 do art. 18º da Portaria nº 687/2000 obriga seja através da internet) nada informa sobre os documentos que eventualmente o teriam acompanhado, sobre qual o seu teor e origem, e em nenhuma passagem do “projeto de investimento” ou “diagnóstico de investimento” se faz referência aos requisitos e regras explanados nessa Portaria, em vista, designadamente, dos critérios de seleção dos projetos enunciados no art. 10º dessa Portaria.

V. Igual observação deve ser feita para o destino dos fluxos financeiros gerados com a movimentação dos cheques que teriam servido ao pagamento do serviço de “diagnóstico de investimento”: o endosso e levantamento dos cheques por parte do sócio-gerente da sociedade emitente denota que também aqui não se consegue estabelecer que o fluxo financeiro teve por beneficiário efetivo a sociedade prestadora/emitente.

W.

No que concerne à dedução do IVA liquidado na fatura emitida como relativa a “estudo de imagem de marca/venda de um stand de madeira e 33 expositores em madeira”, X. o denominado “estudo” nem sequer revela qualquer natureza técnica, apenas exemplifica modos de utilização dos sinais distintivos da marca que a Impugnante utiliza na...

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