Acórdão nº 00614/06.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Janeiro de 2015
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município da FF, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra si por MPAF, tendente, em síntese, a obter a “impugnação de ato administrativo de legalização de alterações ao projeto de licenciamento de obras, datado de 25-11-2005”, não se conformando com o acórdão proferido no TAF de Coimbra, em 3 de Julho de 2013, que veio a julgar a ação procedente, “anulando-se o despacho impugnado”, veio em 24 de Setembro de 2013, a recorrer jurisdicionalmente do mesmo (Cfr. Fls. 476 a 487 Procº físico).
Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 485 a 487 Procº físico): “I. O tema que se coloca à apreciação deste Tribunal tem gerado incerteza junto das autoridades competentes para decidir os licenciamentos. Seja qual for a solução interpretativa a dar ao art. 73º do RGEU, pode suceder que os atos de licenciamento venham a ser anulados.
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Não há, na verdade, unanimidade nem sintonia quanto ao sentido interpretativo a dar aquela norma. Na mais alta instância da ordem judicial Administrativa existem correntes jurisprudenciais diametralmente opostas quanto ao verdadeiro alcance dos arts. 58º e 73º do RGEU.
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Por um lado, invocará a recorrida a seu favor, à semelhança do que fez o Acórdão recorrido, o Ac. do Pleno do STA de 29/05/2007 (com 4 votos de vencido), bem o Acórdão do STA de 17/06/2003 (processo 01854/02 ou de 12/06/2007 (processo 0208/07). Registe-se, no entanto, que o Juiz Conselheiro Pais Borges, tendo votado no acórdão do Pleno ao lado da posição que saiu vencedora, veio no Acórdão de 24/09/2009 do processo 0707/09 a subscrever a orientação que se defende com o presente recurso, o que em bom rigor significa que, se fosse hoje, o resultado da decisão do Acórdão do Pleno de 29/05/2007 seria outro.
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No sentido aqui defendido pelo réu, vejam-se os Acórdãos do STA proferidos nos processos 006982, 006806, o voto de vencido do Acórdão do Pleno de 29/05/2007 ou o mais recente Acórdão de 24/09/2009 do processo 0707/09, tanto quanto se sabe o último decidido no domínio dos normativos que se apreciam. Será estendendo a jurisprudência destes últimos Acórdãos ao caso vertente que este douto Tribunal fará Justiça! V. Nessa medida, deverá entender-se que na apreciação e aprovação dos projetos de arquitetura apresentados no âmbito de processos de licenciamento para construção ou reconstrução de edifícios não há que atender à posição relativa das construções vizinhas para aferir do cumprimento, por esse projeto, dos artigos 58, 73º e 75º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas; VI. Com efeito, a finalidade de tais normas é a de assegurar condições de arejamento, luminosidade e exposição solar dos novos edifícios ou da reconstrução dos existentes e já não das construções confinantes.
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Porque assim é, não podia o apelante, no âmbito do processo de obras, ter recusado a aprovação do projeto de arquitetura apresentado pelo contrainteressado sob pretexto de ele incumprir com as citadas normas legais.
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Logo, também não podia o Tribunal recorrido ter anulado o ato de 25/11/2005 fundamentando-o com a circunstância de não terem sido observados aqueles normativos em relação ao prédio da autora, com o que incorreu em erro de julgamento, violando as normas do RGEU supra mencionadas e, bem assim, a norma do art. 5º/2 do CPA.
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Com efeito, indeferir, nestas condições, o pedido de licenciamento do contrainteressado afrontaria o princípio da proporcionalidade (nº 2 do art. 5º do CPA), na medida em que estaria o recorrente a impor o recuo da alçada poente do prédio do contrainteressado para garantir à autora um benefício que não tinha antes do processo de licenciamento (i. é., o afastamento). O sacrifício seria desproporcional ao interesse a beneficiar. Com esta solução, só o contrainteressado suporta o encargo de, sozinho, cumprir a distância prevista no art. 73º, apenas porque tomou a iniciativa de reconstruir a sua habitação. O encargo imposto à A. é nulo, recaindo todo sobre o contrainteressado.
Termos em que, sempre com doutro suprimento de V. Exas., deve ser revogado o acórdão, assim se fazendo a costumada Justiça!” O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por despacho de 7 de Outubro de 2013 (Cfr. Fls. 495 Procº físico).
A aqui Recorrida/MPF veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 20 de Novembro de 2013, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 499 a 518 Procº físico): “1 - A tese do Recorrente é a seguinte: se alguém quiser fazer uma construção nova pode fazê-lo com total desprezo de quem já lá está (já edificou próximo), pois que os arts. 58.º, 73.º e 75.º do RGEU em momento algum se preocupam com as condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar das habitações pré-existentes confinantes ou vizinhas. Assim, e neste enquadramento, o facto de a habitação existente da Recorrida, que já é pessoa de idade considerável e vizinha do Contrainteressado, ter ficado privada das sobreditas condições mínimas de iluminação e salubridade, é irrelevante, não tendo a Administração que cuidar desta matéria, pelo que o Tribunal a quo, ao ter decidido o contrário, incorreu em erro de julgamento.
2 - Pois bem, como se sabe, esta questão não é, de todo em todo, nova. Pelo contrário, e como o próprio Recorrente admite, ela foi uniformemente decidida pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, que, em 29/05/2007 e em sede de oposição de julgados, a resolveu expressamente contra a posição interpretativa que agora, e dilatoriamente, se pretende fazer valer nesta sede.
3 - É que, como aquele Município tão bem sabe, apesar de a jurisprudência uniformizadora do Supremo não deter natureza vinculativa, e para que tudo tenha algum sentido ou utilidade, apenas em casos em que se apresentem e digladiem especiais ou ponderosas razões ou argumentos é que se pode justificar a introdução de desvios à interpretação perfilhada por aquela jurisprudência.
4 - Cenário que manifestamente se não verifica na situação vertente.
5 - Na verdade (descontada a referência aos dois arestos enunciados sem data e que remontam a 1964 e 1965…), o Recorrente estriba a sua argumentação na repetição literal quer da declaração de voto de vencido exarada no acórdão uniformizador, quer no aresto de 24/09/2009, que, como ressalta do mesmo, até apela única e simplesmente ao elemento gramatical.
6 - Acontece, porém, que o raciocínio discursivo neles adiantado assenta pura e simplesmente em argumentos que nada de inovador incorporam face ao uniformemente decidido, antes repetindo razões que entreteciam a corrente jurisprudencial adversa e que foi debatida e afastada neste mesmo aresto uniformizador - cfr. o que supra se consignou.
7 - Como é bom de ver, não se tendo alterado a lei (sendo que, quando o novo RGEU entrar em vigor, ele até é consonante, como se viu, com a jurisprudência uniformizadora), não se introduzindo qualquer facto ou argumento novos, não se tendo citado sequer doutrina, muito menos distinta ou contrária à exposta pelo aresto uniformizador, não tendo ocorrido nenhuma evolução doutrinal e jurisprudencial que desequilibre a solução jurídica alcançada, antes se tendo reiterado os mesmos argumentos de cariz essencialmente literal já debatidos, não deve a jurisprudência emanada pelo acórdão do Pleno de 29/05/2007 ser alterada ou desconsiderada, mantendo-se, por conseguinte, o Acórdão prolatado pelo digno Tribunal a quo que a aplicou.
8 - Acórdão este que, de resto, esse sim e repetindo-nos, se encontra em consonância quer com a jurisprudência uniformizadora que aderiu à interpretação que maioritariamente vinha sendo proferida, quer com a doutrina e praxis administrativa prolatadas ao longo do tempo - cfr., ilustrativamente, Acórdãos do STA de 07/06/1994 (proc. n.º 338361); 21/10/1999 (proc. n.º 37337); 17/06/2003 (proc. n.º 01854/02); de 03/11/2005 (proc. n.º 0939/03); de 12/06/2007 (proc. n.º 0208/07); de 21/06/2007 (proc. n.º 0126/07); de 28/11/2007 (proc. n.º 0663/07); André Folque, Direito da Urbanização e Edificação, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 292 e ss.; Recomendação do Provedor de Justiça n.º 130/A/95 - Proc. R. 1342/92 in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente n.º 8, 1997, pág. 213; e Recomendação n.º 3/A/2007 do Provedor de Justiça, proferida no processo R-2670/04 (A1) e parecer da CCDR-C n.º 261/04 de 13/12/2004.
9 - Devendo, portanto, ser negado provimento ao presente recurso - v., a propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2001, proferido no âmbito do processo n.º 376/09, citado que foi no corpo das presentes alegações.
Termos em que, deve o recurso interposto ser improvido, com todas as consequências legais.” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 18 de Dezembro de 2013, veio a emitir Parecer, em 15 de Janeiro de 2014, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever ser negado provimento ao Recurso, confirmando-se o aresto recorrido (Cfr. Fls. 532 a 543v Procº físico).
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, verificando, designadamente, o suscitado “erro de julgamento quanto à matéria de direito” e a invocada violação do princípio da proporcionalidade.
III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, entendendo-se a mesma como adequada e suficiente: “1.
Em 23-10-2001, deu entrada na Câmara Municipal da FF, um pedido de licenciamento para “Alteração e Ampliação de Habitação” a que foi atribuído o n.º 1283/01, feito por FMSB, relativo a um prédio...
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