Acórdão nº 00527/14.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução16 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO LMASCC, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF de Coimbra proferida em 17.09.2014, no âmbito de processo de intimação para a prestação de informações e passagem de certidões que instaurou contra o CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE C...

, nos termos da qual foi deferido apenas parcialmente o pedido de intimação da Entidade Requerida a facultar-lhe certidão integral do processo clínico referente à menor CAMAC existente no Departamento de Pedopsiquiatria, numerada e por ordem cronológica, no sentido de intimar o Requerido a facultar ao ora Recorrente cópias de todos os documentos integrantes do processo clínico referente à menor CAMAC que não revelem factos ocorridos ou informações obtidas a coberto da relação de confidencialidade entre a menor e o ou os psiquiatras e ou Psicólogos que a seguem, segundo o critério deste ou destes.

*O Recorrente nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: “A. O pai ou a mãe dum menor que em sua representação solicitem o acesso a informações e elementos clínicos deste não são terceiros relativamente a ele: quando qualquer deles requer o acesso a tais informações é o próprio menor que o está a fazer (cfr. art. 1881º, nº 1, do Código Civil).

  1. O dever de sigilo médico ou de sigilo profissional de psicólogo não existe perante o próprio paciente – este tem direito a conhecer toda a informação constante do seu processo clínico (cfr. art. 3º, nº 2, da Lei nº 12/2005, art. 100º, nºs 4 e 5, do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, ponto 2.4 do Código Deontológico dos Psicólogos).

  2. E mesmo perante terceiros pode o paciente (ou o seu representante legal em caso de impedimento daquele – como acontece com a sua menoridade), desde que maior de 16 anos e dotado de capacidade discernimento bastante, consentir na divulgação de tais dados.

  3. Nas situações de menores de 16 anos de idade e/ou de ausência de capacidade de discernimento bastante, o consentimento pode ser prestado e o acesso à informação pode ser solicitado pelos seus legais representantes – os seus pais (cfr. art. 1881º, nº 1, do Código Civil).

  4. Uma criança com 8 anos não tem nem idade nem capacidade de discernimento para avaliar se uma concreta metodologia terapêutica a que vem sendo sujeita é ou não devida e justificada e, em caso afirmativo, se está ou não a processar-se da forma correcta.

  5. Impende sobre os pais o dever de velar pela saúde e segurança dos filhos – cfr. art. 1878º, nº 1, do Código Civil.

  6. Para aquilatar (se necessário com recurso à assistência adequada de outro técnico) da qualidade e do bom ou mau fundamento do acompanhamento terapêutico feito a determinado menor com 8 anos de idade, necessário é conhecer-se a integralidade do seu processo clínico, incluindo os dados que porventura hajam sido recolhidos a coberto da relação de confidencialidade entre o técnico de saúde e a criança.

  7. A não se entender assim estaria aberta a porta ao arbítrio na escolha da concreta terapêutica e do concreto acompanhamento desenvolvido, sendo em abstracto possível que o psicólogo ou o psiquiatra em causa, nas sessões que mantinha com a criança, fizesse o que bem entendesse, abordasse o menor de forma tecnicamente incorrecta ou desadequada, orientasse a terapia para caminhos indevidos ou, por qualquer outra forma, violasse as regras da profissão ou os direitos da criança. Sem que, na solução adoptada pela decisão recorrida, fosse possível aos pais da criança (ou a qualquer outra pessoa) sindicar tais actuações.

    I. Um pai que não possa ter acesso a todo o processo clínico do seu filho menor e sem capacidade de discernimento fica impedido de cumprir o dever de velar pela saúde e segurança daquele no que toca aos danos que lhe possam estar a ser causados com aquela actuação e, em concreto, com os procedimentos, terapias e abordagens sobre os quais lhe foi sonegada a informação.

  8. O que acaba de se dizer vale mesmo para as situações em que não haja qualquer elemento que permita apontar para uma desadequação, incorrecção ou falta de qualidade do acompanhamento médico que vem sendo seguido: aquele dever parental de velar pela segurança e saúde do menor implica uma necessária possibilidade de supervisão dos actos que, em abstracto, possam causar lesão aos interesses daquele.

  9. No caso concreto a situação agrava-se pelo facto do ora recorrente nunca ter sido mantido a par nem nunca ter sido envolvido naquele acompanhamento pelos técnicos que o levam a cabo.

    L. A que acresce o facto de, no caso concreto, abundarem os indícios de que o mencionado acompanhamento psicológico à menor é questionável na sua razão de ser, na sua valia e na sua qualidade; que pode ser desadequado e que descura os interesses da menor; e que, por isso, pelo menos nos moldes em que vem sendo desenvolvido, não lhe esteja a ser benéfico, antes se revestindo de contornos que põem em causa a saúde psíquica e emocional da criança.

  10. A própria decisão de arquivamento das duas últimas queixas-crime formuladas refere que os relatórios de índole psicológica juntos àqueles autos são elaborados “com base não só na observação da menor, mas também no depoimento de quem a acompanhava, no caso a mãe desta” e mediante uma observação “igualmente fundada não só no que a menor diz, mas também no que a mãe conta”, concluindo que “A menor sabe que a mãe, pessoa que muito gosta, não quer que a menor passe tempo com o pai, sabe que sempre que sai com o pai a mãe a “vistoria”, sabe dos conflitos existentes entre os dois”.

  11. Por igual forma nos relatórios sociais elaborados pela EMAT se conclui continuar a assistir-se uma diminuta autonomia de pensamento da parte da menor, a qual sempre assumiu “um papel de aliado de APA, mãe, e tem mostrado ser uma guerreira fiel na defesa das argumentações desta mãe e algo cruel nas palavras que confere ao pai em situações vivenciais no seu seio familiar, situação que atribuímos a questões de fidelização maternal”. Nada disso sendo referido na sequência do acompanhamento psicológico que vem sendo efectuado, justifica o receio de aquele estar a falhar o alvo, não identificando os problemas realmente existentes, assim não contribuindo para qualquer “terapia” da menor, antes, pela inversa, contribuindo para a perpetuação de uma problemática mal identificada e de um estado de perturbação com origem em situações bem diferentes das ali tratadas e exploradas.

  12. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativo já por duas vezes, após analisar os factos e o direito aqui em causa, concluiu que deve “ser facultado o acesso à informação de saúde requerida” excepto se se confirmar “que existe risco elevado...

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