Acórdão nº 01044/11.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO O Recorrente, E..., veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a instância de OPOSIÇÃO à execução fiscal, n.º 10396200801023772 aps. Instaurada originariamente contra a sociedade “Construções ..., Unipessoal, Lda.", para cobrança de créditos de IRC e legais acréscimos, referentes a 2004, no montante global de € 159.193,48.

O Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…)D - Conclusões 1 – Resulta do artigo 24º, n.º1 da LGT que a responsabilidade é atribuída em função efectiva do cargo de administração/gerência e reporta ao período em que é exercida, posto que a responsabilização, a título subsidiário, dos administradores e gerentes não se basta com mera nomeação jurídica, impondo antes um exercício efectivo, e de facto, do cargo social, no período a que se reporta o pressuposto da responsabilização.

2 – Efectivamente constitui jurisprudência constante dos nossos Tribunais Superiores que para integrar o conceito de tal administração de facto ou efectiva à Administração Tributária cabe provar, para além dessa gerência/administração de direito assente na nomeação para o cargo, de que o mesmo gerente/administrador tenha praticado, em nome e por conta da pessoa colectiva, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-a com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados (cfs. Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A. de 28/02/2007, Proc. n.º 1132/06, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf).

3 – Dito de outro modo, ainda que se mostre provada a gerência/administração de direito, continua a caber à Administração Tributária provar que à designação correspondeu um efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta com a mera designação, desacompanhada de qualquer verificação do concreto exercício dos poderes de administração.

4 – Vale isto para dizer que a gerência/administração de facto não se presume, sem mais, da gerência/administração de direito, embora o exercício dos poderes de facto, se possa inferir do global conjunto da prova que venha a ser recolhida, mediante o recurso às regras da experiência, recai sobre a Administração Tributária o ónus de demonstrar que o gerente/administrador de direito, contra quem pretende reverter a execução fiscal, exerceu, de facto, tais funções.

5 – Cotejado o teor do despacho de reversão do qual resultou o chamamento do Opoente ao Processo de Execução Fiscal, é saliente a total ausência de factos concretos (que não a mera nomeação nominal para a gerência da sociedade originária devedora) que permitam fundar um juízo conclusivo quando efectivo exercício do cargo de gerência para o qual o opoente havia sido nomeado, tendo-se bastado a actividade instrutória do procedimento tendente à reversão, com a mera junção aos autos da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial, a qual foi considerada bastante pelo órgão decisor para efectivar a reversão.

6 – Tal entendimento, como já ficou exposto, revela-se contrário ao ordenamento e à melhor e mais consolidada jurisprudência, posto que “…da nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta [apenas] uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade” (cfr. o recente Ac. T.C.A. do Sul, de 20/09/2011, Proc. n.º 04404/10, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf, e demais jurisprudência aí citada), impondo-se a recolha de mais elementos tendo em vista dar consistência, e assim tornar operativa, uma eventual conclusão quanto ao exercício da administração de facto, ainda que por apego às regras da experiência comum.

7 – No entanto, na presente acção, o opoente alega a sua ilegitimidade, porquanto deixou de exercer a gerência da devedora originária a partir de 17/04/2006, data em que emitiu procuração a favor de seu pai, com poderes para gerir e administrar a identificada sociedade.

8 – Daí que a especialidade reside aqui no facto de se ter provado que, em 17/04/2006, foi emitida procuração, pela qual o Opoente, na qualidade de único e actul sócio e gerente da sociedade comercial denominada “Construções ..., Lda.”, constitui bastante procurador da sociedade sua representada o M..., a quem conferiu poderes para a gerir e administrar [alínea 12) do elenco dos factos provados].

9 – Ora, a Sentença em censura, defende que a procuração emitida a favor do sócio gerente M… não afasta o exercício da gerência até à dissolução da sociedade, por parte do opoente, dado que os actos praticados pelo mandatário têm-se como praticados pelo próprio mandante.

10 – Porém, deve entender-se que só o exercício, digamos, directo da gerência permite sustentar uma proximidade real com a vida da sociedade e só nele pode assentar a presunção de culpa e a responsabilidade subsidiária do gerente.

11 – Isto porque, em primeiro lugar, que nos actos de gerência cabem todos os actos necessários ou convenientes para a realização do objecto social, com respeito pelas deliberações dos sócios – artigo 259º do Código das Sociedades Comerciais. E, sempre se dirá – sem desrespeito por quem defenda posição contrária -, não vemos que pudesse existir diferença de situações entre quem deixa outrem praticar actos de gerência sem se preocupar a emitir uma procuração e quem tem o cuidado de declarar que confere a outrem o poder de praticar actos de gestão em seu nome. A este propósito citamos o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in ob. Cit., pags. 473 e 474, “Havendo em ambos os casos uma completa omissão do gerente de direito em controlar a vida da sociedade, o juízo de censura que se pode fazer-lhe é baseado apenas nessa omissão e, por isso, as duas situações são neste apecto, perfeitamente equiparáveis. Aqui, mais uma vez, haveria um tratamento discriminatório do administrador ou gerente de direito que emite uma procuração para outrem exercer as respectivas funções e se alheia completamente da vida da sociedade, em relação ao que, sendo também administrador ou gerente de direito, encarrega alguém de o substituir de facto no exercício das funções sem se preocupar em emitir uma procuração. As duas situações, a nível do cumprimento pessoal dos deveres de gestão da sociedade pelo administrador ou gerente de direito, são precisamente idênticas, não podendo justificar-se uma diferença de tratamento, para mais em sentido penalizante, para quele que emitiu uma procuração para legalizar a actuação da pessoa que encarregou de o substituir relativamente àquele que nem sequer se preocupou em cumprir essa formalidade. (…).

O que importa para possibilitar a reversão contra o opoente, não é que, em termos jurídico-civilísticos, se deva entender que foi este que agiu quando agiu o seu procurador em seu nome, mas sim que existe efectivamente, em termos naturalísticos, uma relação entre ele e a vida da sociedade, que, pelo menos, possa garantir que, quando o procurador agiu no exercício da gerência, agiu de acordo com a vontade real do mandatário e com conhecimento por parte deste da vida da sociedade”.

12 – Isto posto, é possível, no presente caso, extrair do conteúdo da procuração que confere ao procurador os poderes necessários para gerir e administrar a sociedade, com a abrangência que se encontra espalhada no referido instrumento – e que vão desde a possibilidade de assinar todos os documentos necessários à prossecução do fim da sociedade, abrir e gerir contas bancárias, contactar clientes e fornecedores, proceder a pagamentos e recebimentos, representar a sociedade junto das entidades públicas ou privadas, inclusivamente em juízo, até ao simples acto de gestão, assinar, expedir e levantar a correspondência mesmo registada, celebrar quaisquer contratos com fornecedores como pedir baixadas à EDP, assinar, requerer, praticar e promover tudo quanto necessário se torne ao exercício dos poderes conferidos – a conclusão de que o representante deixou de ter qualquer intervenção pessoal na vida da empresa. Ou seja, o conteúdo objectivo da declaração, in casu, por tão exaustivo e abrangente, permite-nos concluir que era intenção do representado excluir-se da prática de actos de gestão. Assim sendo, no caso concreto, a representação exclui a proximidade real entre o representado e a vida da sociedade.

13 – Em segundo lugar, não podemos, também, deixar de referir que o negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado e nos limites dos poderes que este lhe confere produz directamente efeitos na esfera jurídica do representado – artigo 258º, do Código Civil. E o mesmo acontece quando a procuração (que é um negócio unilateral) está associada ao mandato (que é um negócio bilateral) – artigo 1178º, n.º1, do mesmo Código. Ou seja, a representação não contrai a esfera jurídica do representado, pelo contrário, expande-a: «o representante empresta ao representado, exercitando-o por ele, o seu poder de volição» permitindo-lhe «concluir ao mesmo tempo negócios jurídicos vários; e até negócios jurídicos em diferentes lugares, conferindo-lhe assim, como tem sido notado, uma espécie de dom de ubiquidade» - Manuel A. Domingos de Andrade, «Teoria Geral da Relação Jurídica», vol. II, 1987, pág. 289/290.

14 – Porém, conforme decorre do seu teor, E..., emitiu a procuração “na qualidade de único e actual sócio gerente da sociedade comercial por quotas denominada «Construções ..., Limitada» ”, constituinte “bastante procurador da sociedade sua representada o senhor M...”.

15 – Donde, se conclui que a procuração não foi passada em nome individual e para representação do sócio gerente, mas antes em representação da própria sociedade, esta sim...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT