Acórdão nº 00606/05.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução06 de Março de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Ministério das Finanças veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra de 02.10.2013 que confirmou a sentença de 09.04.2010, a julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento e a fixar prazo para as partes acordarem numa indemnização, nos termos do disposto no artigo 45º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pedido aquele deduzido por CAAR e outros contra inicialmente contra o Ministério da Administração Interna e, depois, também contra o ora recorrente.

Invocou para tanto, em síntese, que: ao contrário do decidido, não se verifica qualquer omissão ilegal de regulamentação pelo que se deveria ter julgado pura e simplesmente improcedente o pedido deduzido não sendo de aplicar ao caso – e por isso se violou – o disposto no artigo 45º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

O Ministério da Administração Interna veio aderir a este recurso.

Os recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal veio pronunciar-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

O Ministério da Administração Interna veio manifestar a sua concordância com este parecer, juntando jurisprudência recente apoiando a sua posição.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1ª O acórdão recorrido ao fazer aplicação remissiva integral para a decisão de 09.04.2010 é afectado pelos vícios da mesma incorrendo, assim, em errada apreciação da matéria de facto e errada interpretação e aplicação do regime previsto nos Decretos-Leis n.ºs 484/99, de 10.11, e 112/01, de 06.04, e violou o disposto nos artigos 77º e 45º do CPTA.

  1. No que concerne à matéria de facto assente, o douto Tribunal fez uma errónea interpretação das carreiras em que os ex-funcionários da DGV estavam integrados, quando refere: “Em primeiro lugar, tendo em conta o estatuído no artigo 35º do DL 484/99, de 10 de Novembro, não há dúvidas que a carreira de inspector técnico integrava uma das carreiras de regime especial da DGV”.

  2. Em primeiro lugar, porque não estava nem nunca esteve prevista na lei orgânica da DGV ou na programação das necessidades do respectivo quadro de pessoal e, ulteriormente, do Instituto de Mobilidade de Transportes Terrestres, IP (IMTT, IP) qualquer carreira geral ou especial com a designação de inspector técnico (cf. quadro de pessoal anexo à Portaria 46/89, de 24.01, alterado pelo Decreto-Lei n.º 212/90, de 27.06 e artigo 35º do Decreto-Lei 484/99.

  3. Em segundo lugar, mesmo que se considere que o M.mo se queria referir à carreira de inspector de viação e não à carreira de inspector técnico, estando a carreira de inspector de viação integrada no grupo de pessoal técnico-profissional, consistia, na verdade, não numa carreira de regime especial, como determinava o artigo 35º, n.º1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 484/99, mas sim numa carreira de regime geral, somente com uma designação específica.

  4. O ingresso na carreira de inspector superior de viação prevista no artigo 35º, alínea a) para além de ser feito mediante concurso, tinha regras específicas, sendo feito na categoria de inspector superior de viação de 2ª classe de entre indivíduos habilitados com licenciatura adequada, aprovados em estágio com a duração de um ano com classificação não inferior a Bom (cf. artigo 36º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 484/99.

    6º O mesmo sucedendo mutatis mutandis com o ingresso nas carreiras de técnico de viação e técnico profissional de viação previstas, respectivamente, nas alíneas b) e c) do n.º1 do artigo 35º do Decreto-Lei n.º 484/99 (vd artigos 37º, 38º e 40º todos do Decreto-Lei n.º 484/99).

  5. Para além das carreiras técnicas especiais acabadas de enunciar nunca terem sido implementadas ou criados e ocupados os lugares do quadro de pessoal da DGV, o certo é que o Decreto-Lei n.º 484/99 também não continha qualquer regra que determinasse a transição do pessoal integrado nas carreiras gerais da DGV para as carreiras especiais previstas no artigo 35º, n.º1 do citado diploma.

  6. A carreira de inspector de viação era, assim, uma carreira de regime geral, com designação específica incluída no grupo de pessoal técnico profissional, prevista no quadro de pessoal aprovado pela Portaria n.º 433/96, enquanto que as carreiras especiais previstas ex novo, tinham uma estrutura categorial própria e requisitos de ingresso específicos.

  7. Consequentemente a carreira de inspector de viação não se integrava de per si na carreira de inspector superior de viação ou nas restantes carreiras especiais previstas no n.º1 do artigo 35º do Decreto-Lei n.º 484/99.

  8. Mal andou o douto Tribunal a quo ao sufragar a conclusão da decisão de 09.04.2010, quando refere: “não há dúvidas que a carreira de inspector técnico integrava uma das carreiras de regime especial da DGV”.

  9. A procedência das acções de declaração de ilegalidade por omissão depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) que exista um acto legislativo carente de regulamentação; b) que exista e seja exigível uma obrigação legalmente imposta à Administração; c) que o conteúdo dessa obrigação seja a emissão de normas de natureza regulamentar.

  10. Relativamente ao primeiro pressuposto, da leitura conjugada dos artigos 2º, 35º a 41º, do Decreto-Lei n.º 484/99, de 10.11, com o preceituado no artigo 2º e 14º, n.ºs 1 e 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 112/01, de 06.04, não existe qualquer obrigação de regulamentação que fosse judicialmente exigível ao ora recorrido.

  11. O regime instituído nos n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 112/2001 era aplicável por lei, aos serviços que detinham nos respectivos quadros de pessoal carreiras de inspecção próprias apenas e só quanto aos funcionários integrados em carreiras especiais de inspecção que transitavam para as novas carreiras e categorias da carreira especial de inspecção, nos termos do n.º1 do artigo 15º do Decreto-Lei n.º 112/01 – situação que não abrangia os ora recorridos.

    14º Resulta dos autos que os ora recorridos estavam integrados em carreiras do regime geral nos grupos de pessoal técnico profissional, técnico e técnico superior, os quais transitaram da modalidade de vínculo de nomeação para as carreiras de assistente técnico e técnico superior na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas (cf. artigos 81º, 86º, 88º, n.º 4, 95º, alíneas a) e b), 109º 118º, n.º 7, todos da Lei n.º 12-A/2008, em conjugação com o disposto nos artigos 3º, n.º1, 17º, n.º2 e 23º, todos da Lei n.º 59/2008, de 11.09 (cf. doc.s 1 e 2 juntos aos autos).

  12. Os ora recorridos beneficiavam de um regime especial, previsto no artigo 41º do Decreto-Lei n.º 484/99, que abrangia todo o pessoal da extinta Direcção-Geral de Viação, desde o pessoal dirigente e de chefia ao pessoal técnico, superior técnico e técnico profissional que exercia funções relativas aos exames, à inspecção, à fiscalização e à instrução de processos cometidos por lei à DGV.

    16º E pese embora o Decreto-Lei n.º 484/99 tenha previsto, no artigo 35º, alínea a), a criação da carreira de inspector superior de viação, a única que eventualmente se poderia considerar uma carreira própria de inspecção, nos termos previstos no artigo 2º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 112/2001, o certo é que tal carreira não chegou a ser implementada e os lugares nunca chegaram a ser criados, tampouco preenchidos.

    17º Tal significa que nenhum dos ora recorridos esteve provido ou integrado em carreira especial de inspecção da DGV, ou seja, nunca foi inspector da DGV, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 35º do Decreto-Lei n.º 489/99.

    18º Não tendo os ora recorridos ocupado lugares no quadro de pessoal da DGV na carreira superior de viação, também não podiam transitar paras as novas carreiras e categorias criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 112/2001, pois não se encontravam preenchidos os requisitos de transição previstos no artigo 15º n.º1 do mesmo diploma.

    19º Consequentemente, os mesmos não são titulares de qualquer direito ou interesse legalmente protegido ou expectativa legítima que fundamente e justifique o alegado pedido de emissão de regulamentação de carreira de inspecção, ao abrigo do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 112/01.

    20º O artigo 14º do Decreto-Lei n.º 112/2001 faz uma clara distinção entre as carreiras legalmente implementadas (n.ºs 1 e 2) e o mero exercício de facto de funções (n.º3 do mesmo preceito).

    21º E, na medida em que os ora recorridos, quando muito exerceram, de facto, funções de inspecção, a sua situação é regulada não pelo disposto nos n.s 1 e 2, mas sim no n.º3 do mesmo preceito, segundo o qual “Os Decretos regulamentares podem, ainda, prever a integração nas carreiras de inspecção de funcionários integrados noutras carreiras, desde que desempenhem funções de natureza inspectiva e reúnam os requisitos legais exigidos”.

    22º Este preceito não impõe à Administração o dever de, no regulamento a emitir, integrar nas carreiras de inspecção funcionários detentores dos requisitos nele enunciados, mas sim a mera faculdade de o fazer, ou seja, estabelece um verdadeiro poder discricionário quanto a regulamentos de emitir, pelo que a inexistência de tais regulamentos, não consubstancia qualquer omissão elícita de regulamentação.

    23º Essa discricionariedade conduz à inexigibilidade da obrigação de regulamentar relativamente às carreiras dos ora recorridos e por conseguinte não se verificam os pressupostos de procedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de normas previstas no artigo 77º do CPTA (cf. neste sentido o acórdão do STA proferido em 12.06.2012, no processo 0337/11, e confirmado pelo acórdão do Pleno do STA, de 04.07.2013).

    24º Não tendo sido assim entendido incorreu o acórdão em erro de julgamento...

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