Acórdão nº 00447/11.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município da L...

, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por JRS, tendente, em síntese, a obter a sua admissão ao estágio a que se candidatou “no âmbito do PAPAL – 4ª edição”, inconformado com o Acórdão proferido em 5 de Julho de 2013 (Cfr. fls. 184 a 193 Procº físico) que julgou “parcialmente procedente a presente ação e condenando-se a Entidade Demandada a indemnizar a A. no montante correspondente a duas vezes o indexante de apoios sociais ... multiplicado por 12 meses”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.

Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, apresentadas em 30 de Setembro de 2013, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 201 a 215 Procº físico): “1. Salvo o devido respeito, e não obstante a sua proficiência, o douto acórdão recorrido, não fez a correta interpretação dos factos e a adequada aplicação do Direito.

  1. Ainda que o Tribunal não se tenha pronunciado expressamente pela anulação dos despachos impugnados, a verdade é que, no segmento do acórdão que dedicou ao Direito, considerou os mesmos ilegais.

  2. Em consequência desta decisão, o acórdão recorrido tratou imediatamente de apurar o direito à indemnização da Autora, nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (Lei n.º 67/2007).

  3. Nos termos deste diploma legal, para que haja lugar a indemnização é necessário que haja um facto voluntário, da autoria do R., ilícito, culposo, gerador de um dano e que exista nexo de causalidade entre esse facto e o dano.

  4. Contudo, ficou provado nos autos que a conduta do Recorrente foi zelosa e limitou-se a respeitar parecer de entidade com competência na matéria – a DGAL –, visando cumprir a lei, o que, nos termos do art.º 10 da Lei n.º 67/2007, exclui o dolo ou culpa, grave ou leve, que a Autora pretende, com total irrazoabilidade, assacar-lhe.

  5. O n.º 2 do art. 10.º da Lei n.º 67/2007 presume a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos.

  6. Pelo que, de acordo com o disposto no art. 487.º do Código Civil, cabia ao ora Recorrente afastar a essa presunção legal.

  7. E, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado no acórdão recorrido, foi precisamente o que fez.

  8. Com efeito, os factos dados como provados sob os pontos 14 e 15 da fundamentação de facto do douto acórdão recorrido são incompatíveis com a culpa (leve) que o Tribunal a quo acabou por considerar.

  9. Ficou demonstrado que a decisão adotada pela entidade demandada foi consequência de um parecer da entidade externa com competências e atribuições especiais em razão da matéria (DGAL) e de nova informação de um técnico da entidade demandada, que numa reapreciação da matéria, entendeu que “…outra opção não se abre a esta Câmara Municipal que não seja a exclusão da candidatura…”.

  10. Nos termos do n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 67/2007, a culpa deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

  11. Estando com dúvidas jurídicas quanto à situação que acabou por motivar a ação da A., seria razoável exigir ao Recorrente que pedisse esclarecimentos a uma entidade com competência na matéria e dotada de técnicos habilitados, em vez de tomar uma decisão precipitada e, porventura, contrária à Lei.

  12. Ora, como ficou provado no ponto 14 da fundamentação de facto do douto acórdão recorrido, foi essa atitude diligente que o Recorrente tomou.

  13. E, perante um parecer – mesmo que não vinculativo – dessa entidade competente e tecnicamente mais habilitada, seria razoável esperar do Recorrente que seguisse o entendimento plasmado em tal parecer.

  14. Com efeito, estando com sérias dúvidas sobre a interpretação de algumas disposições do regime jurídico do PEPAL, como estava, não se poderia exigir ao Recorrente que optasse por adotar uma interpretação diversa da constante do parecer solicitado à DGAL.

  15. Poderia tê-lo feito, mas essa atitude seria evidentemente menos diligente do que a tomada pelo Recorrente que preferiu acolher a interpretação fundamentada da DGAL.

  16. Pelo que o acórdão recorrido violou o disposto no art.º 10 da Lei n.º 67/2007, ao considerar que houve culpa leve do Recorrente.

  17. Mais, ainda que se considere que houve culpa leve, que não houve, deveria o Tribunal, antes de arbitrar a indemnização, ter tentado reconstituir a situação que existiria caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2007.

  18. No entanto, contata-se que o tribunal a quo se limitou a concluir sumariamente que já não era possível a integração da A. na 4.ª edição do estágio PEPAL a que se havia candidatado, uma vez que já estava em curso a 5.ª edição do estágio PEPAL.

  19. Ora, a A. nunca excluiu a integração noutra edição do estágio PEPAL, chegando, inclusive, a pedir a prática do ato legalmente devido, pelo que é manifesta a sua disponibilidade em integrar um estágio PEPAL.

  20. Não resultando dos autos a absoluta impossibilidade de tal acontecer, conclui-se que a reconstituição natural é possível, pelo que antes de arbitrar a indemnização deveria o tribunal ter ordenado aquela.

  21. Não o tendo feito, violou o disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2007 23. Acresce que a indemnização indevidamente arbitrada é manifestamente exagerada.

  22. Com efeito, decidiu o Tribunal a quo por uma indemnização por danos patrimoniais correspondente “a duas vezes o indexante de apoios sociais (IAS) vigente à data do estágio, multiplicado por 12 meses”.

  23. Ora, este valor, previsto na lei - artigo 15.º da Portaria 1236/2010 - como o valor a ser pago a título de bolsa, tem como pressuposto que o seu beneficiário esteja a exercer funções na entidade a que se candidatou (cfr. artigo 22.º e 23.º da Portaria 1236/2010, que mencionam expressamente a necessidade de haver frequência e assiduidade para que haja lugar ao pagamento).

  24. Não tendo a A. chegado a exercer funções na entidade demandada, não pode a indemnização por danos patrimoniais ser naquele montante, que não apresenta viabilidade substancial e pode configurar, inclusive, enriquecimento sem causa.

  25. Neste conspecto, o Tribunal a quo não observou o disposto no art.º 494.º do Código Civil (limitação da indemnização no caso de mera culpa) que se aplica por força nos termos do n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2007.

  26. Ou seja, tendo considerado haver apenas mera culpa, deveria de seguida o Tribunal a quo ter efetuado um julgamento de equidade, seguindo os seguintes critérios: grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso.

  27. Ora, não existe nos autos matéria de facto dada como provada que permita ao Tribunal fazer aquele julgamento de equidade.

  28. Sendo certo que mesmo que se considere existir matéria suficiente - o que não se admite -, o montante fixado a título de indemnização não é equitativo! 31. Violando assim o acórdão recorrido também o disposto no art. 494.º do Código Civil (limitação da indemnização no caso de mera culpa) e n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 67/2007.

    Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o acórdão recorrido, assim se fazendo JUSTIÇA!” O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 15 de Outubro de 2013 (Cfr. fls. 216 Procº físico).

    A aqui Recorrida veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 30 de Outubro de 2013, concluindo do seguinte modo (Cfr. fls. 220 a 229v Procº físico): “1. O douto acórdão recorrido fez a adequada interpretação dos factos dados como provados, pelo que sufragamos a correta aplicação do Direito aos mesmos.

  29. Contrariamente ao que o Município da L... afirma, não foi o acórdão recorrido que tratou imediatamente de apurar o direito à indemnização da Autora. Foi este sujeito processual que deduziu, na petição inicial, o direito a ser indemnizada, caso não fosse possível a condenação à prática do ato devido, isto é, a admissão ao estágio ao qual se candidatou e se viu excluída.

  30. Naturalmente, que, passados dois anos, a primeira questão a colocar, processualmente, é exatamente esta. Subscrevemos, o Coletivo, na esteira do artigo 66.º, n.º 2 do CPTA, pois “ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronuncia condenatória” 4. Estando em causa a prática do ato devido, o objeto do processo é a pretensão material do interessado, isto é, da Autora. O processo incide, pois, na questão de saber se esta tem direito à prática do ato em causa, mais do que valorizar os vícios formais, que perdem grande parte da sua relevância. Trata-se, alias, de uma conceção menos formalista do processo administrativo, defendido pela maioria da doutrina e jurisprudência.

  31. Não sendo já possível integrar a Autora no estágio, passados dois anos sobre o mesmo, afigura-se conforme à lógica da ordem jurídica e da justiça material ressarcir a sua pretensão, conforme peticionado, e visto tratar-se o Município da L... de uma entidade pública, caberá aplicar o Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (Lei n.º 67/2007).

  32. Nos termos do regime da responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidade Públicas, a responsabilização do Recorrente decorre da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: facto voluntário da autoria do Réu, ilícito, culposo, que tenha provocado dano na esfera do Demandante e existência de um nexo de causalidade adequada entre esse facto e o prejuízo decorrente.

  33. Quanto ao caracter voluntário do facto, ficou provado que o Recorrente agiu...

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