Acórdão nº 00122/02-Coimbra de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: Síntese do processado mais relevante.

Mediante escritura de compra e venda e locação financeira, o BANCO... adquiriu à empresa V…, Lda dois prédios pelo valor global de 20.000.000$ expressamente com o objectivo de os dar de locação financeira à locatária “A… – Vendas”.

O BANCO... emitiu dois cheques no valor de 20.000.000$ cada sendo um emitido à ordem de V... Lda e outro à ordem de V....

Embora o sujeito passivo defendesse que o cheque à sua ordem titulava o reembolso de empréstimos particulares efectuados por si, em datas anteriores a 13/2/1997 aos sócios da A..., a ATA recolheu, em ação inspectiva, elementos demonstrativos de que o valor da compra e venda e locação financeira referente aos dois imóveis foi, efectivamente, de 40.000.000$.

Por isso a ATA considerou que o recorrente se apropriou - sem qualquer contrapartida-, daquela quantia de 20.000.000$ o que constituiu uma liberalidade, sujeita a tributação nos termos do 1º e 3º do CIMSISSD.

O contribuinte impugnou judicialmente a liquidação, mas o TAF de Coimbra julgou totalmente improcedente a impugnação.

O recurso.

Inconformado com a sentença, o contribuinte dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue: 1. A remissão (total)/transcrição (parcial) para o relatório de inspecção não constitui forma adequada de fixação da matéria de facto, pelo que a decisão recorrida não satisfaz, em sede de especificação da matéria fáctica relevante, as exigências vertidas nos artigos 123.º do CPPT e 659.º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT), sendo nula nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT.

  1. A norma do artigo 123.º, principaliter, o seu n.º 2, do CPPT, interpretado no sentido de admitir como adequadamente discriminada a matéria de facto dada como provada através de remissão/transcrição parcial de documentos constantes dos autos, de per se e/ou em articulação com o artigo 125.º do CPPT, numa dimensão normativa de acordo com a qual a “discriminação” da matéria de facto dada como provada feita por mera transcrição/remissão para documentos constantes dos autos, não configure causa de nulidade da respectiva decisão atentam, de modo flagrante, contra o parâmetro jusfundamental tipificado no artigo 20.º, na dimensão de direito a um processo justo e equitativo – due process of law, com sentido material análogo ao inferido do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  2. Desde já se requerendo ao Tribunal que, após a correcta fixação da matéria de facto, ordene a notificação do recorrente para que este possa alegar o que tiver por conveniente em complemento ao constante da presente peça processual, maxime no que diz respeito a tal factualidade e respectiva valoração judicial, sendo inconstitucional, por violação das referidas exigências axiológico-normativas, o critério normativo inferido dos artigos 3.º, n.º 3, 712.º e 715.º do CPC, aplicáveis ex vi arts. 2.º e 281.º do CPPT, na interpretação segundo a qual é dispensada a audição do recorrente após a alteração/modificação ou fixação definitiva da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª instância, de modo a poder alegar, “complementando” o seu recurso, o que tiver por conveniente em face de tal fixação.

  3. A norma do artigo 282.º, n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de o prazo aí previsto não se considerar aplicável ao alegado pelo recorrente após notificação da fixação definitiva da matéria de facto, também aqui por violação do direito a um processo justo e equitativo inferido dos arts. 2.º e 20.º da CRP e por violação do parâmetro tipificado no artigo 18.º, n.º 2, do diploma fundamental.

  4. Quanto ao invocado vício de preterição de formalidades legais, na dimensão da não apreciação do direito de audição exercido antes da conclusão do relatório, o recorrente entende que a douta sentença recorrida não avaliou correctamente a questão.

  5. De acordo com o Ac. do STA, Secção de Contencioso Tributário, de 7.12.2005, Processo n.º 01245/03: “O artigo 60º n.º 6 da LGT deve ser interpretado no sentido de que a Administração Fiscal está obrigada a pronunciar-se sobre os elementos novos, quer de facto, quer de direito, trazidos ao procedimento pelo contribuinte ou interessado em sede de direito de audição, sob pena de anulação daquela decisão administrativa, por vício de forma por deficiência de fundamentação”.

  6. Ou seja, o invocado preceito da Lei Geral Tributária – artigo 60º, n.º 6 – não só não circunscreve ou reduz a obrigatoriedade de pronúncia por parte da Administração à matéria de facto invocada pelo contribuinte no âmbito do exercício do direito de audição, como impõe antes, em sede de fundamentação da decisão administrativa subsequente, a consideração dos elementos novos. Em sede decisória, incumbe à Administração o dever de considerar, de ter em conta, na fundamentação da decisão que veio a proferir, todos os elementos quer de facto quer de direito trazidos ao procedimento pelo contribuinte em sede do exercício do seu direito de audição, sob pena de, não o fazendo, se impor concluir que esta última decisão se revelar inquinada do apontado vício de forma por deficiente fundamentação.

  7. E no caso em análise, a AF, na apreciação do direito de audição limitou-se a afirmar: “Direito de audição – fundamentação: o sujeito passivo foi notificado para no prazo de oito dias exercer o direito de audição nos termos do art. 60.º da L.G.T. e art. 60.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária. A notificação foi enviada por carta registada em 07.07.00. Direito de audição exercido por escrito tendo as respectivas declarações dado entrada nesta Direcção em 19.01.00, cujo conteúdo não suscita elementos novos nem apresenta outros que sejam relevantes para que se proceda a quaisquer alterações de fundamentos e valores constantes no relatório”, demitindo-se de considerar ou de ter em conta, na fundamentação da decisão que veio a proferir, todos os elementos quer de facto quer de direito trazidos ao procedimento pelo ora recorrente.

  8. Como errou ao considerar quanto ao invocado vício de preterição de formalidades legais, na dimensão da inviabilização do exercício do direito de audição antes da notificação da liquidação.

  9. Com o alcance consagrado, parece que o n.º 3 da LGT, elimina em grande parte a essência do direito de audiência, pois este não pode deixar de consubstanciar-se em possibilidade de pronúncia pelo interessado sobre todas as questões, de facto ou de direito, que possam relevar para a decisão. Por outro lado, a possibilidade de audição sobre as provas não se pode reduzir aos casos em que são invocados novos factos pela administração tributária, pois pode haver novos factos que a administração tributária não invoque na decisão mas que possam ser favoráveis ao interessado.

  10. Por isso, o n.º 3 do art.º 60º da LGT é materialmente inconstitucional, por afectar o conteúdo essencial do direito de audiência, constitucionalmente garantido pelo art. 267.º, n.º 5, da C.R.P. e concretizado nos arts. 8.º e 100.º a 103.º C.P.A., sempre que, não se tratando de uma situação enquadrável no n.º 2 deste art. 60.º, a decisão não totalmente favorável ao interessado seja proferida sem que ele tenha tido oportunidade de se pronunciar sobre qualquer questão de direito apreciada na decisão ou haja realização de diligências que produzam prova sobre factos que lhe possam aproveitar e sobre os quais não tenha podido pronunciar-se.

  11. Veja-se que no caso em apreço, no direito de audição exercido, o ora recorrente até requereu que lhe fossem enviados os anexos referidos no projecto de conclusões, porquanto os mesmos lhe eram desconhecidos, razão também pela qual, não se poderia dispensar o direito de audição antes da liquidação, pelo que, ao ser preterida tal formalidade foi igualmente violado o princípio do inquisitório e do contraditório.

  12. Depois, a douta sentença recorrida errou no julgamento da questão colocada que a correcção feita pela AF não foi uma correcção aritmética.

  13. As correcções à contabilidade podem ser correcções quantitativas a se, o que acontece quando a administração tributária se socorre de métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha.

  14. Que foi o que aconteceu no caso em análise: retirando ilações de factos conhecidos, nomeadamente, a escritura de compra e venda e locação financeira e a contabilização das operações pelas várias partes contratantes, os Serviços de Inspecção firmaram um facto desconhecido, isto é, a existência de simulação.

  15. Os Serviços de Inspecção Tributária preteriram, assim, formalidades essenciais prescritas por lei, nomeadamente, as referidas na norma do art.º 81º do Código de Processo Tributário.

  16. A não observância pela Administração Fiscal das referidas formalidades essenciais prescritas na lei, necessárias à validade do acto, gera a anulabilidade do acto por esta praticado.

  17. Errando também quando conclui que a liquidação não está eivada de erro quanto aos seus pressupostos de direito.

  18. A lei não prevê que a falta de conhecimento pela Administração Fiscal da existência das contrapartidas imponha ou possibilite que essa prestação tenha que ser havida como liberalidade.

  19. É à AT que cabe fazer a prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) pertencendo, por contrapartida, ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos – Ac. do TCAS de 17.4.2007, Processo n.º 1213/06, ou seja, cabe à AT o ónus de provar os pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, competindo-lhe a prova de que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, cabe-lhe demonstrar a factualidade...

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