Acórdão nº 00411/13.1BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução08 de Maio de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO O ISS.IP/FUNDO DE GARANTIA SALARIAL interpôs recurso jurisdicional do Acórdão proferido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que no âmbito da Acção Administrativa Especial proposta contra si por LCPH [de impugnação de Despacho de 18 de Junho de 2013, do Presidente do Conselho de Gestão do FGS de indeferimento de “requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho...” e de condenação à prática de acto devido] a julgou procedente condenando a Entidade Demandada “a apreciar o requerimento do A., com as necessárias adaptações atendendo à norma “ad hoc”…e tendo presente o Processo Especial de Revitalização intentado pela entidade empregadora do Autor…”.

O Recorrente pede a procedência do presente recurso e, em consequência, a revogação da decisão recorrida, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos: 1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou a ação administrativa procedente, e, em consequência, decidiu anular o despacho de 18 de junho de 2013, proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que indeferiu ao A. o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, condenando o R. a apreciar o requerimento apresentado, com as necessárias adaptações, atendendo à norma “ad hoc” criada pela presente decisão e tendo por referência o Processo Especial de Revitalização, intentado pela entidade empregadora do A. e respetivo despacho judicial em que foi nomeado o administrador judicial provisório.

  1. Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado na decisão recorrida, entendemos que o tribunal a quo errou ao ter criado uma norma ad hoc, tendo por base o artigo 10.º/3 do Código Civil.

  2. De facto, o tribunal recorrido criou por via do artigo 10.°/3 do Código Civil, uma norma jurídica, ainda que, como salienta J. Baptista Machado, uma simples norma “ad hoc”, apenas para o caso sub judicio, sem que de modo algum adquira carácter vinculante para futuros casos ou para outros julgadores (cf. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1993, p. 203).

  3. Mas essa norma, criada pelo intérprete, “se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”, traduz, como sublinha J. Oliveira Ascensão, “uma intenção generalizadora”, apontando a referência feita no artigo 10.°/3, do Código Civil à função de legislar para a necessidade de elevar a perspectiva para além do caso a decidir.

  4. Ainda segundo o mesmo autor, o invocado artigo 10.º/3, do Código Civil proclama também, consagrando aqui a tendência doutrinária portuguesa, o primado da norma sobre a solução do caso concreto: é porque se determinou aquela que a solução do caso concreto se tornou possível. Fala-se efectivamente na norma que o próprio intérprete criaria, e é essa norma que resolve o caso (cf. A Integração das Lacunas da Lei e o Novo Código Civil, in o Direito, Ano 100, n.º 3, págs. 288,289).

  5. Contudo, como todos os textos, a sentença carece de ser sujeita a atividade com vista a dela ser extraído um determinado sentido ou conteúdo de pensamento, sendo que nessa atividade de interpretação, porque a sentença constitui um verdadeiro acto jurídico, são de observar os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos artigos, 9.º e 236.º do Código, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas, tendo em conta não só a parte decisória como toda a fundamentação.

  6. À vista disso o âmbito objetivo do presente recurso cinge-se à questão de saber se cumpria ao tribunal estabelecer a seguinte norma “ad hoc” para a resolução concreta do caso sub judice: “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório”.

  7. Para tanto, o Tribunal “ a quo ” considerou que “ o regime jurídico estabelecido nos artigos 317º a 326º do RCT de 2004 ainda não se adaptou aos novos processos de revitalização, no entanto, o legislador dá indicações claras de que não foi sua intenção desproteger os trabalhadores cujas entidades empregadoras recorram ao PER ou ao SIREVE. A integração das lacunas da lei impõe-se face à obrigação resultante do artigo 8º n.º 1 do CC, que estabelece uma obrigação de julgar e dever de obediência à lei, o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio. Estando o tribunal perante uma situação que merece a tutela do direito, atento o preceituado no artigo 336º citado, as regras jurídicas que subjazem ao PER ou ao SIREVE, os princípios de direito comunitário e a própria exigência comunitária relativa ao FGS, impõe-se a proteção jurídica dos trabalhadores quando os empregadores recorram a um PER”.

  8. Sucede que o Estado, por intermédio da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, veio regulamentar o Fundo de Garantia Salarial; e nos artigos 318º e 324º, veio definir quais as situações abrangidas, em que são assegurados em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação e quais os meios de prova necessários para a instrução do requerimento.

  9. Partindo daqui, e fazendo apelo ao elemento teleológico, nomeadamente, da norma do artigo 318º nºs 1 e 2, foi preocupação do legislador impor que, o Fundo de Garantia Salarial assegurasse em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, nas situações em que o empregador fosse judicialmente declarado insolvente e igualmente, desde que tenha iniciado o procedimento de conciliação.

  10. Não tem a mínima correspondência na letra da lei a interpretação de que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório.

  11. Como na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º nº 3 do Código Civil), no sentido de referir que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente e igualmente, desde que, tenha iniciado o procedimento de conciliação.

  12. Com, efeito, o Tribunal “ a quo ” ao decidir que deve ser estabelecida a seguinte norma “ad hoc” para a resolução concreta do caso sub Júdice “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório” encontra-se a ultrapassar a limitação imposta por Lei.

  13. Só é lícito extrair um certo sentido ou alcance às normas contanto que esse mesmo sentido ou alcance tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (artigo 9º n.º 2 do Código Civil), pois, caso contrário, não se interpreta a lei, outrossim se altera a lei por via jurisprudencial.

  14. A norma do artigo 318º nºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, não pode ser aplicada analogicamente, ou interpretada extensivamente, de forma a abranger situações que extravasam a sua previsão legal, que é assegurar o pagamento dos créditos, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente e, igualmente o pagamento dos créditos, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação.

  15. Na verdade, não é possível, face à proibição decorrente do princípio da legalidade (cfr. artigo 266º da Constituição da República Portuguesa) e da tipicidade, recorrer-se às regras gerais de interpretação e integração da lei, designadamente à reconstituição do espírito ou intenção legislativa, à unidade e harmonia do sistema jurídico, à analogia (cfr. artigo 10º, nº 3, do Código Civil) ou à “norma” que o próprio intérprete criaria, se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema (cf. artigo 10,º, nº 3, do Cód. Civil); 17. Em resultado da consagração legal do princípio da legalidade, nem o arbítrio judicial, nem a analogia, nem os princípios gerais de direito, nem a moral, nem o costume, poderão, em quaisquer circunstâncias, suprir lacunas que o sistema apresente, cabendo à lei, e só à lei a responsabilidade de o fazer; 18. No caso referido no artigo 318º n.º 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, o legislador estabeleceu uma disciplina jurídica própria no que respeita aos casos em que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos, pelo que inexistindo qualquer lacuna, não há que fazer apelo à analogia, designadamente aplicando a esses casos o disposto no artigo 10.º nºs 1 e 2 do Código Civil.

  16. Não existe qualquer omissão de regulamentação para cujo preenchimento haja necessidade de fazer uso dos princípios decorrentes do artigo 10.º do Código Civil, sendo que, o legislador delimitou o âmbito das situações em que há lugar ao pagamento dos créditos em caso de violação ou cessação do contrato de trabalho e não em situações como a que se discute nos presentes autos.

  17. A interpretação que é feita pelos Tribunais, vulgo interpretação judicial, está sujeita às regras legais sobre interpretação, não lhe cabendo, por princípio, sob a aparência da simples interpretação, o poder de criar normas.

  18. KARL ENGISH diz-nos que sob o mesmo conceito comum de deficiências, podemos reunir “lacunas” e “incorreções”, que são duas...

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