Acórdão nº 00688/09.7BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelJo
Data da Resolução08 de Maio de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO MFH veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do TAF DE AVEIRO, de 28-02-2014, que indeferiu a reclamação para a conferência da sentença proferida nos autos que julgou improcedente a presente acção administrativa especial contra o MUNICÍPIO DE A..., em que impugna o ato administrativo que identifica ser o ato final de indeferimento de um pedido de licenciamento solicitado pelo Autor em 08-02-2008, relativo a alterações que pretendia levar a efeito num seu armazém sito em Pinheiritos, B..., A..., proferido em 02/12/2008, da autoria do Vereador com competências delegadas no domínio do urbanismo, e comunicado através do ofício 017369 datado de 03-12-2008 (vertido no Doc. nº 1 que junta com a Petição Inicial), formulando a final o seguinte pedido: «Termos em que deve ser dado provimento à presente acção, anulando-se o acto impugnado e, o que cumulativamente se roga, seja esse mesmo acto substituído por outro que defira o pedido de licenciamento sujeito à condição, assumida no âmbito da audiência prévia, de o A. demolir a edificação a que se refere o projecto de decisão que antecedeu a prática do acto impugnado.» *Em alegações o RECORRENTE formulou as seguintes CONCLUSÕES: 1) O aresto recorrido, que insiste na necessidade de licenciar previamente o que se pretende licenciar, ignora que a propriedade, mesmo aquela que contém, ou se destina à, construção, tem vida para além das leis (da divisão) do urbanismo.

2) É, aliás, por isso mesmo que o aresto recorrido, não conseguindo conciliar a usucapião ou efeitos do decurso do tempo a que se refere o art. 134.º, n.º 3 do CPA com as formas urbanísticas de divisão da propriedade, nada refere a este respeito.

3) Nada… nem uma palavra… nem uma letra…. e tudo assim em perfeita nulidade - cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d) do NCPC (anterior art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC), aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.

4) O Recorrente é dono e legitimo possuidor de um prédio, fisicamente e de facto autónomo, que adquiriu de um Juiz de Direito, como diz, em sede executiva, o qual, registado que está em seu exclusivo nome, faz de si uma unidade jurídica autónoma, sendo, no entanto, que se veio a verificar, de facto, que a construção nele levada a efeito fazia parte de um licenciamento anterior, datado de 1982, maior em área construída e maior em espaço físico ocupado, do qual veio a ser, de acordo com as regras do direito civil, destacado.

5) Entendem a administração e o aresto recorrido que, como não foi feito loteamento ou esse prédio não estando qua tale licenciado (dizemos nós que bastava a propriedade horizontal, como é evidente), então não é possível deferir o pedido de alterações que foi solicitado à autarquia - escusado sendo, assim, dizer que o cidadão impugnante comprou o bem, como diz, a um Juiz e agora anda há cerca de 15 a tentar licenciá-lo para o poder utilizar: esta é a ideia de justiça que, materialmente, o cidadão Português em causa pretende ver acertada em juízo.

6) Discutindo a questão subjacente, temos que, por força do principe de l’indépendance des législations e dos limites de l`indépendance des législations, importa harmonizar as legislações civis e urbanísticas, sendo, pois, que uma harmonização entre os dois princípios, com que a dogmática francesa explica esta questão, atenta a unidade do sistema jurídico (entre o mais, o art. 9.º, n.º 1 do CC), implica que, ao contrário do que sucedeu administrativamente com o aplauso erróneo do aresto recorrido, possa existir indeferimento sim… mas apenas e só quando as regras materiais de urbanismo o impuserem, ligadas estas que estejam, assim, materialmente, à necessidade de loteamento ou ao incumprimento de regras de construção constantes das leis urbanísticas - maxime, a afronta ao índice de construção, à inexistência de rede de água, etc. (cfr. J-B. Auby, H. Périnet-Marquet, Droit de l´urbanisme et de la construction, Montchrestein, 4.ª ed, Paris, 1995, pp. 183 e ss).

7) Numa palavra, tendo-se ignorado o instituto da usucapião e os efeitos a que se refere o art. 134.º, n.º 3 do CPA, que implicam a admissão – aliás, de acordo com a certidão do registo que ninguém declarou nula e que se conforma com o art. 9.º do RJUE e com a citada Portaria, ie., com as exigências formais do pedido de licenciamento – de que a propriedade do Recorrente tem a identificação a que se refere aquele registo, não é lícito indeferir, ao contrário do que em erro de julgamento foi feito, por falta de licenciamento do loteamento, o pedido do Recorrente e, portanto, sem violação do art. 9.º, n.º 1 do CC (princípio da unidade jurídica do sistema), dos arts. 1251.º, e ss., 1258.º e ss. e 1287.º e ss. do CC, do art. 134.º, n.º 3 do CPA e dos arts. 2.º, als. b) e e), 4.º, n.º 2, als. c) e e), 9.º e 24.º, todos do RJUE.

8) A este respeito, e servindo-nos de um instituto de direito administrativo (constante, como se disse, do art. 134.º, n.º 3 do CPA), temos ainda que, mesmo que se entendesse estar face a uma aquisição nula (referimo-nos, naturalmente, à aquisição da propriedade licencianda em juízo, na medida em que o solo judicialmente adquirido já está na posse do Recorrente, pública, pacífica, reiterada, de boa fé, tituladamente, há mais de 20 anos, como vimos supra no corpo das presentes alegações), sempre importaria conferir-lhe autonomia, permitindo que sobre ela possa recair o juízo urbanístico de conformidade com as regras materiais, gerais e concelhias, que disciplinam a edificação – cfr. matéria de facto provada nos pontos 1 e ss. e 28 do aresto recorrido.

9) Não tendo sido retiradas as consequências que vimos de apontar relativamente à aplicação ao caso dos autos do estatuído no art. 134.º, n.º 3 do CPA, verifica-se, assim, que o aresto sofre de erro de julgamento, por indevida ou não aplicação deste normativo à espécie dos autos.

10) Definitivamente, como se refere em Itália (porém, até com sentido mais amplo) e já se decidiu cá, quem for comproprietário de um prédio – que é o que sucederia na tese sustentada pela administração e pelo aresto – tem legitimidade e pode, por si, pedir o licenciamento e realizar obras na parte que exclusivamente goza – cfr. Nicola Centofanti, Diritto de costruire. Pianificazione urbanística. Espropriazione, Giuffrè Ed., Milão, T. II, p. 712.

11) Isto é, mesmo na tese a que nos opomos, não era lícito, como em erro de julgamento e violação do estatuído nos arts. 9.º e 24.º do RJUE (e da respectiva Portaria n.º 232/2008), indeferir-se o pedido dizendo-se singelamente que o mesmo deve ser indeferido por ser necessária a existência de um loteamento - teria assim de se verificar, com rigor e acerto, o que não foi feito, se o licenciamento pedido ofenderia alguma norma, mormente relativa à necessidade de existirem acessos aos restantes pavilhões, limitando, que não limita, o uso destes da sua propriedade exclusiva.

12) Ao contrário do que se afirma no aresto, em erro de julgamento, não é necessário pedir a legalização qua tale ou com este nomen, bastando, efectivamente, pedir o licenciamento das alterações, sendo que a autarquia tem o ónus de qualificar diferentemente o pedido, fazendo as exigências formais e materiais que o procedimento de controlo materialmente devido imponha.

13) Aliás, decisivamente, no RJUE inexiste, como conjunto uno, autónomo e articulado de formas administrativas aí previstas, o procedimento de legalização de obras, não se encontrando até nele uma só palavra que o refira.

14) Ou seja, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, independentemente do nome que o Recorrente dê ao seu pedido (ou seja, da qualificação jurídico-urbanística que faz da sua pretensão, apelidando-a de licenciamento, alterações ao licenciamento ou até legalização) tal nunca pode, só por si, suportar qualquer indeferimento do pedido de autorização, violando-se assim o estatuído nos arts. 9.º e 24.º do RJUE, o princípio do formalismo moderado (tributário do princípio da prevalência do fundo sobre a forma) que vigora, entre o muito mais, em procedimento administrativo geral e especial.

15) Ainda ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, o pedido administrativo original e, digamos assim, derivado, não apresentam, por um lado, diferenças no que diz respeito às exigências formais e materiais do acto de autorização em sentido dogmático (cfr. ali. c) e e) do n.º 2 do art. 4.º do RJUE) e, por outro lado, 16) Considerando que a propriedade sobre a qual vai assentar o licenciamento é aquela que consta da certidão de registo e que parte da edificação já havia sido licenciada em 1982, mas não como unidade autónoma, forçoso se torna concluir face às definições legais, que, materialmente, a pretensão, que se concretiza essencialmente numa alteração da volumetria do edifício e da sua destinação, constitui uma alteração do licenciamento já concedido, como é, aliás, quanto a nós, perfeitamente claro e incontroverso – cfr. art. 2.º, ali. b) e e) do RJUE.

17) O pedido que foi feito foi, como também nos parece claro e evidente, o de pedir novamente, embora diferentemente, a aprovação de obras já em parte substancial realizadas no local – aliás, este foi efectivamente o sentido que a administração deu ao pedido e que tentou, já vimos que contra a lei, decidir, nomeadamente decidindo se a pretensão edificatória se poderia ou não materialmente licenciar.

18) Assim mesmo, fazerem-se considerações sobre esta matéria é um exercício perfeitamente erróneo e espúrio, na medida em que o objecto da acção está perfeitamente definido no seu pedido, podendo, pois, discutir-se, nesta sede, como acabou por suceder administrativamente, a legalidade material da decisão administrativa e, assim, se o Recorrente tem, ou não, o direito a ver licenciada (termo este usado no sentido do RJUE) a obra de que se trata.

19) Na medida em que o que se pretende é o licenciamento, das duas uma: ou se entende com fundamento com o que se...

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