Acórdão nº 02860/09.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | Joaquim Cruzeiro |
Data da Resolução | 04 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO Unidade Local de Saúde de M... EPE e JPSL vêm interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datada de 30 de Julho de 2013 e que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum no âmbito da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado intentada por JPSL contra a Unidade Local de Saúde de M..., EPE, onde era solicitado que devia a entidade demandada ser condenada:
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Na obrigação de indemnizar o autor pelos danos de natureza não patrimonial decorrentes da factualidade supra alegada, cujo montante deverá ser fixado em quantia nunca inferior a € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros); b) Ao montante dos danos deverão acrescer os respectivos juros de mora, calculados à taxa legal anual, contados desde o data do citação até efectivo e integral pagamento; c) Devendo ainda o Ré ser condenada no pagamento das custas de parte e procuradoria condigna”.
Em alegações o recorrente, Unidade de Saúde de M..., EPE concluiu assim: 1. Vem o presente recurso da douta sentença de fls..., que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, condenando em consequência a Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de 25.000 €, acrescida de juros de mora desde a data da referida decisão.
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Nos presentes autos, o Autor alega ter sofrido danos na sua esfera jurídica, em virtude de uma conduta ilícita e culposa dos médicos da Ré, que o observaram quando se deslocou ao serviço de urgência do Hospital de M..., unidade de saúde da Ré, nos dias 28 de Novembro e 1 de Dezembro de 2007.
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A questão fundamental resumia-se a saber se os profissionais de saúde da Ré que assistiram o Autor, e que lhe prestaram cuidados de saúde, violaram – ou não – as leges artis: saber se, perante a actuação daqueles profissionais na avaliação da situação clínica do Autor e consequente tratamento e terapêutica prescrita, houve ou não inobservância de quaisquer deveres de cuidados, que tornasse culposa a sua actuação.
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Porém, e não obstante a prova produzida em sede de audiência de julgamento, o Tribunal Recorrido entendeu considerar como não provados, os factos descritos nos art.º 40, 54, 60 e 61 da Base Instrutória, que se revelavam importantes e decisivos para a boa decisão da causa: 5. Para além disso, e atenta a prova produzida, o Tribunal Recorrido deveria ter considerado como integralmente provados os factos descritos nos quesitos 47º, 48º, 55º e 57º da Base Instrutória.
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Por fim, e face à prova produzida nos autos, nunca o Tribunal Recorrido poderia ter considerado provado (ainda que parcialmente) os factos descritos nos quesitos 4º, 5º, 14º e 18º da Base Instrutória.
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Tivesse decidido em conformidade com a prova realmente produzida nos autos – e, em especial, na audiência de discussão e julgamento – o Tribunal teria, forçosamente, de absolver a Ré.
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A prova produzida nos autos confirmou, em absoluto, a posição defendida pela Ré nos presentes autos.
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Uma torção testicular tem sintomas característicos: a dor inicia-se no testículo e, na maioria das vezes, irradia mais tarde para a zona abdominal e para a zona lombar.
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Para além disso, é característica desta patologia o surgimento imediato de um edema e inchaço no testículo.
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No caso em apreço, quando se deslocou ao serviço de urgência do Hospital da Ré no dia 28 de novembro de 2007, o Autor não se queixou de dor no testículo, nem mencionou – ao contrário do que sucedeu no dia 1 de Dezembro de 2007 – a existência de um edema ou de um inchaço no testículo.
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Assim, no dia 28 e 29 de Novembro, não se verificaram nenhum dos sintomas característicos de uma torção testicular.
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Mais: quando foi dada alta ao Autor no dia 29 de Novembro o mesmo encontrava-se assintomático, facto que seria impossível de se concretizar se o mesmo tivesse sofrido até então uma torção testicular, pois a dor manter-se-ia e era insuportável.
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Para além disso, e como resulta da prova produzida em sede de audiência e da matéria tida como provada pelo Tribunal, é o próprio Autor a referir, no dia 1 de Dezembro de 2007, que as dores no testículo, o edema e o inchaço só apareceram no dia 30 de Novembro de 2007, após a sua saída do Hospital no dia 29 de Novembro.
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Como esta patologia de torção se inicia, precisamente, com uma torção no testículo, a qual origina, de forma imediata, uma dor fortíssima na zona testicular, uma vez que o Autor não se queixou de nenhuma dor no testículo nos dias 28 e 29 de Novembro, nem da existência de um edema ou inchaço, só podemos concluir que o Autor, quando se dirigiu ao serviço de urgência da Ré no dia 28 de Novembro e enquanto aí permaneceu, não havia sofrido qualquer episódio de torção testicular.
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E se não havia sofrido tal episódio, como é evidente, não era exigível aos profissionais de saúde da Ré que diagnosticassem essa patologia, nem que efectuassem outro tipo de exames o observações, para além daqueles que levaram a cabo.
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Acresce ainda que os sintomas evidenciados pelo Autor nos dias 28 e 29 de Novembro de 2007, tal como os resultados dos exames e observações que lhe foram efectuados, apontavam inequivocamente para um episódio de cólica renal à esquerda. Logo, sem haver dor no testículo, nem referência a edema ou inchaço testicular, e com os resultados positivos do Murphy renal e da ecografia que foram efectuadas, os médicos da Ré só poderiam ter concluído pela cólica renal.
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Resulta, assim, do exposto que os médicos da Ré não violaram as leges artis, porque actuaram em conformidade com os dados que disponha, não sendo exigível qualquer outro tipo de actuação.
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Falta, assim, um dos requisitos essenciais para que a ré fosse condenada no âmbito do instituto da responsabilidade civil extracontratual: os médicos não violaram a Lei, não violaram nenhum dever de cuidado a que estavam adstritos.
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Deste modo, e perante a prova efectivamente produzida, o Tribunal Recorrido deveria ter considerado integralmente provados os factos constantes dos quesitos 40º, 47º, 48º, 54º, 55º, 57º, 60º e 61º da Base Instrutória; 21. E perante a prova efectivamente produzida, o Tribunal Recorrido nunca poderia ter considerado como provados os factos constantes dos quesitos 4º, 5º, 14º e 18º da Base Instrutória.
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Neste sentido, devem agora V. Ex.ªs proceder à alteração da decisão proferida, dado que o Tribunal Central Administrativo do Norte - uma vez que a prova testemunhal foi gravada e encontram-se nos autos todos os demais elementos de prova que ao caso dizem respeito – tem poderes para o efeito.
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Por isso e atento o que dispõe o art. 712º, nº 1 -a) do CPC, deve ser revogada a douta sentença recorrida e devem ser alteradas as respostas aos citados quesitos 40º, 47º, 48º, 54º, 55º, 57º, 60º e 61º da Base Instrutória, os quais devem ser dados como integralmente provado, e aos quesitos 4º, 5º, 14º e 18º da Base Instrutória, os quais devem ser dados como não provados - é o que se requer nos termos da citada norma processual.
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E assim sendo – como efectivamente deve ser – a Ré tem de ser absolvida do pedido.
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Mas mesmo que assim não se entendesse, certo é que face à prova produzida no que respeita aos danos sofridos pelo Autor, torna-se por demais evidente que a indemnização que o Tribunal ficou – 25.000 € - é profundamente exagerada e desajustada face à realidade dos factos e considerando até o valor médio que a Jurisprudência tem fixado para indemnizações de danos mais relevantes, como, por exemplo, a morte.
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Assim, e também por este motivo, caso se e entenda que a Ré violou a Lei e, com isso, provocou danos na esfera jurídica do Autor – o que, repete-se, não se concebe – a indemnização em causa deverá ser reduzida.
O recorrente JPSL apresentou as seguintes conclusões do seu recurso: 1- O montante da indemnização por danos morais será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º, cfr. art.º 496º, n.º 3 do C. Civil.
2- O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência e criteriosa ponderação das realidades da vida.
3- Ora, o Recorrente sofreu amputação testicular em resultado de actuação negligente do médico do Recorrido que o atendeu no primeiro episódio de urgência, por via do qual resultaram para ele danos de natureza não patrimonial e que se consubstanciam nas dores, angústias, incómodos, na alteração dos seus hábitos e rotinas, na diminuição da sua própria autoestima, na retracção que passou a sentir no relacionamento com o sexo oposto, a vergonha pela sua condição física no momento de se despir em frente de terceiros, e na irreversibilidade das suas sequelas, tudo em resultado da alteração física por extirpação do testículo.
4– Tratam-se de danos ou sequelas graves, permanentes e irreversíveis.
5– As consequências da conduta negligente do Recorrido são especialmente graves, em termos de dor moral, pelo facto de marcarem negativamente a adolescência do Recorrente, que é a fase crucial na vida de qualquer ser humano, designadamente em tudo o que diga respeito à sexualidade, sendo certo que essas consequências o acompanharão no futuro para o resto da sua vida.
6- Por isso, tendo presentes as circunstâncias do caso, aí se compreendendo as características do acto ilícito, fonte do dano, particularmente censurável, a presumível situação económica do Recorrido sobre o qual recai o dever de indemnizar e do lesado/Recorrente, considera-se que será equitativa a fixação de uma quantia de € 40.000,00, como valor de reparação de todos os danos morais sofridos pelo Recorrente, em consequência da actuação ilícita e culposa do Recorrido.
Termos em que, e nos demais de direito com o douto suprimento de Vas. Exas., deve:
a) Ser o presente recurso julgado procedente; b) Consequentemente ser a sentença recorrida parcialmente...
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