Acórdão nº 02517/15.3BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução18 de Dezembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: BR, Ldª (…), inconformado com despacho do TAF de Braga que em providência cautelar de suspensão de eficácia que move contra Município de VNF (…) rejeitou a realização de perícia, interpõe recurso jurisdicional.

O recorrente conclui do seguinte modo:

  1. A Recorrente não se conforma com o Despacho recorrido, pois com todo o devido e mui e merecido respeito, o Tribunal “a quo" incorreu em erro e efectuou uma incorrecta decisão.

  2. A Recorrente instaurou o presente processo cautelar de suspensão do acto administrativo, consubstanciado na deliberação do Município de VNF, de 28 de Maio de 2015, mediante a qual restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento de bebidas e/ou restauração de que aquela é proprietária, estabelecendo como limite de horário de funcionamento: das 07:00horas às 24:00horas, todos os dias da semana.

  3. Acto administrativo que se pretende suspenso - e posteriormente, em sede de acção principal, anulado por ilegal e inconstitucional, conforme ficou alegado pela Recorrente - por verificados que estão os requisitos legais para decretamento da providencia cautelar requerida.

  4. Para prova dos factos alegados, a Recorrente, no seu petitório inicial, requereu, além do mais, a realização de prova pericial de avaliação acústica ao estabelecimento em causa, a qual veio indeferida por despacho de 19 de Agosto de 2015, com o que a Recorrente não se pode conformar.

  5. Como ficou alegado, a perícia requerida é essencial para a boa decisão da causa e para a verdade material.

  6. O alegado conhecimento perfunctório exigível em processo de natureza urgente não impede a produção de prova, nem com esta se incompatibiliza, sendo certo que nos presentes autos, a produção de prova pericial de avaliação acústica se afigura, como se disse, indispensável à boa e justa decisão da causa.

  7. A Recorrente alegou factos concretos no sentido de que inexiste qualquer violação da Lei Geral do Ruído e, consequentemente, qualquer violação do direito ao descanso e sossego dos moradores das habitações adjacentes, concretamente, que não se verifica qualquer actividade ruidosa (em violação da Lei Geral do Ruído) provinda do seu estabelecimento "M... Café", do mesmo modo que ficou alegado que não se verifica nenhuma das situações apontadas no artigo 13460. do Código Civil, designadamente, inexiste qualquer ruído que importe um prejuízo substancial para o uso dos imóveis dos vizinhos.

  8. Factos cuja prova pressupõe especiais conhecimentos técnicos e, por via disso, importam a realização da prova pericial de avaliação acústica requerida, nos termos dos artigos 388.º, do Código Civil, 410º, 411º, 413º, 475.º e 476.º, ex vi artigo 1º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

  9. Destarte, a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa cautelar, ainda que em moldes indiciários e com nota de prova sumária, não pode deixar de exigir a produção de prova pericial sobre os factos constitutivos do direito e pedido veiculados pela Recorrente no seu requerimento inicial.

  10. Salvo o devido respeito, que é muito, ao inviabilizar a produção de prova pericial, o Tribunal "a quo" fez uma incorrecta interpretação do artigo 118.º, n°3, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos; L) Do mesmo modo que, a conclusão pela desnecessidade da realização de prova pericial, porque impeditiva da Recorrente comprovar o que alega no que respeita à ausência de qualquer violação à Lei Geral do Ruído e dos Direitos ao Descanso e Sossego dos moradores das imediações, consubstancia a preterição dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, do acesso à justiça e da verdade material, preconizados pelos artigos 2º, nº 1 e 7º. do Código do Processo nos Tribunais Administrativos e pelos artigos 2º, 20.º e 268.º, da Constituição da Republica Portuguesa.

  11. E, sob pena de violação dos invocados dispositivos legais e princípios constitucionais, deve o despacho recorrido ser revogado nesta parte em que indeferiu a realização da avaliação acústica requerida, e substituído por outro que determine a sua realização, como se peticiona.

O recorrido contra-alegou, dando em conclusões: 1ª -Atendendo à natureza cautelar e ao regime de processamento das providências dessa natureza, a exigência de prova neste âmbito processual não pode ir além de uma prova sumária ou de um juízo de verosimilhança dos fundamentos do pedido cautelar.

  1. - Atenta a natureza provisória, instrumental e urgente das providências cautelares, impõe-se ao julgador uma apreciação sumária e perfunctória das questões que lhe são colocadas (a abordar com outra profundidade e maturação na ação principal), evitando o risco de demasiada exigência na investigação sob pena de se confundirem as finalidades do processo cautelar e do processo principal.

  2. – É nessa lógica que o art. 114º, nº 3, g), 2ª parte, do CPTA, determina que, no requerimento em que é solicitada a adoção de uma ou mais providências cautelares, o requerente deve oferecer prova sumária da existência dos fundamentos do pedido, tal como o nº 3 do art. 118º do mesmo diploma preceitua que o julgador avaliará da necessidade (ou indispensabilidade) das diligências de prova cuja produção deverá ordenar ou não.

  3. – O despacho recorrido invocou exatamente a perfunctoriedade que caracteriza o juízo probatório subjacente à decisão cautelar como um dos argumentos para indeferir o pedido de realização da perícia solicitada pela recorrente.

  4. -Para motivar o indeferimento o despacho recorrido considerou ainda que a perícia não revelava pertinência para a apreciação dos pressupostos do decretamento da providência cautelar.

  5. - Tendo em conta que se trata de um processo, por natureza, urgente e perfunctório, o Juiz só deve ordenar diligências complementares de prova caso entenda que as mesmas poderão ter alguma utilidade, sem se consubstanciarem em diligências de características meramente dilatórias.

  6. -No caso sub judicio, a perícia não se mostra indispensável para que, no cumprimento do ónus da prova que lhe incumbe, a recorrente possa demonstrar a verificação de qualquer um dos apontados requisitos para a concessão da providência conservatória que requereu, designadamente o periculum in mora.

  7. - Com a produção desse meio de prova, a recorrente pretenderia demonstrar a inexistência de violação da Lei Geral do Ruído com origem no seu estabelecimento e a inverificação de violação do direito ao descanso e sossego dos moradores das habitações adjacentes ou de qualquer das situações enunciadas na parte final do art. 1346º do Código Civil.

  8. - A temática prevista na conclusão anterior não é relevante para a demonstração dos apontados requisitos de deferimento da suspensão da deliberação impugnada, nomeadamente do periculum in mora, constituindo, ao invés, matéria claramente impugnativa (e não constitutiva) da pretensão cautelar.

  9. – O art. 3º do Decreto-Lei nº 48/96, de 15 de Maio (na redação dada pelo Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de Janeiro), não faz depender da realização de estudo ou medições acústicas a decisão das câmaras municipais de restrição dos períodos de funcionamento do estabelecimento, mas apenas de razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos.

  10. – A ilicitude de um comportamento ruidoso, que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros, está no facto de, injustificadamente e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar tais baluartes de integridade pessoal.

  11. - A ilicitude, na perspetiva acabada de enunciar, dispensa a aferição do nível do ruído por padrões legais estabelecidos.

  12. - O Regulamento Geral sobre o Ruído não se destinou, nem se destina a resolver conflitos que possam surgir entre o direito de propriedade do estabelecimento onde se desenvolva atividade comercial ou industrial que produza ruído e os direitos à integridade física e moral das pessoas, à saúde, ao ambiente e à qualidade de vida.

  13. - Esse Regulamento tem efeitos apenas dentro da atividade administrativa e no seu âmbito, não podendo interferir com a salvaguarda do direito de personalidade das pessoas, cuja proteção se não esgota no limite do ruído estabelecido em tal diploma.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal foi notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 146º, nº 1, do CPTA, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*Cumpre decidir, com dispensa de vistos, ponderando do confronto da decisão recorrida para com os preceitos legais e constitucionais cuja violação se aponta, mais directa ou reflexamente envolvidos num questionado direito à produção de prova.

*Dos factos, documentalmente suportados: 1º) – O ora recorrente peticionou, em termos de causa explanados no requerimento inicial que aqui se têm presentes, a “suspensão da deliberação do Município de VNF de restrição do horário de funcionamento do estabelecimento “M... Café”, sito na …, cidade e concelho de VNF, para o horário das 07 horas às 24 horas todos os dias da semana”, deliberação aprovada em reunião de Câmara de 28/05/2015, sob proposta com seguinte teor – cfr. p. i. e deliberação na certidão constante dos autos: Assunto: Restrição do horário de funcionamento dos estabelecimentos de bebidas denominados B... Bar Café, M... Café, sitos na …, e MCafé, sito na …, da cidade de VNF.

Considerando que a Câmara Municipal deliberou, na sua reunião de 02 de abril de 2015, a restrição do horário de funcionamento dos estabelecimentos de bebidas e/ou de restauração, sitos na ..., da cidade de VNF, com a designação B... Café Bar, proprietária/exploradora BA... Unipessoal, Lda., com licença sanitária n.º 8…/91, M... Caffé, proprietária/exploradora BR, Lda., com licença de utilização n.º 31/99 e MCafé, proprietário/explorador TJFSC, com licença de utilização n.º 3/99, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, na redação pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de...

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