Acórdão nº 00879/08.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório AFO e Mulher, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação ordinária, que intentaram contra o Município de M..., C... – Sociedade de Construções SA; A... – Terraplanagens, Unipessoal Lda. e Outros, tendente, em síntese, à atribuição de uma indemnização não inferior a 135.000€ resultante do falecimento do seu filho num acidente de trabalho quando prestava serviço para a A... – Terraplanagens Unipessoal Lda., inconformados com a decisão proferida em 11 de Março de 2014, no TAF de Braga, que declarou o “tribunal administrativo e fiscal incompetente em razão da matéria para conhecimento dos presentes autos”, vieram interpor recurso jurisdicional da referida Sentença em 22 de Abril de 2014 (Cfr. fls. 665 a 678 Procº físico).
Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 675 a 678 Procº físico): “1ª – A competência ou jurisdição de um tribunal afere-se pela forma como o autor configura a ação, definida esta pelo pedido e pela causa de pedir, ou seja, pelos objetivos com ela perseguidos (sem esquecer, naturalmente, a qualidade dos intervenientes) – cfr. ac. STA de 8.10.2009, in dgsi.pt.
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– In casu, os AA. pedem a condenação solidária de todos os RR., entre eles o Município de M..., no ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de trabalho que vitimou o filho dos AA., assentando a causa de pedir (complexa) na culpa grave, até mesmo criminosa (art.º 152-1 e 277, CP), quer por atos, quer por omissões de todos os RR,. que consubstanciam ilícitos culposos de diferentes autores que, conjugados, provocaram a morte do filho dos AA., de 22 anos, consigo residente (art.º 490 e 497, CC – cfr. ac. STJ de 31.1.2007, in dgsi.pt, proc. 06A4620).
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– Ou seja, o pedido abrange todos os danos sofridos; é pedida a responsabilidade subjetiva de todos os intervenientes com base na culpa (art.º 483 e ss, CC), pelo que “prima facie”, o tribunal competente seria o Tribunal Comum (e não o Tribunal de Trabalho), não fora a circunstância de o pedido se fundamentar na “responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa coletiva de direito público” (art.º 4-1, al. g) do ETAF).
Diferentemente seria se estivéssemos em presença da responsabilidade objetiva, dita também infortunística, na qual se não discute a culpa e só podem ser demandados o empregador e o seguro obrigatório, mas cuja responsabilidade como sabemos é limitada, face à LAT aplicável ao caso (Lei 100/97, de 13.9).
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– A construção das obras de infraestruturas de “saneamento da zona industrial e do intercetor secundário de M...” visaram a satisfação de um interesse público e integraram as funções normais de qualquer município no serviço às populações, pelo que não deixaram de integrar um ato de gestão pública.
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– Mesmo que assim não seja, a questão da competência dos tribunais administrativos para o julgamento da responsabilidade civil extracontratual ficou ultrapassada com a nova previsão da al. g) do n.º 1 do art.º 4 do ETAF que, decididamente, trouxe uma nova ampliação à jurisdição ou competência dos tribunais administrativos para dirimir os conflitos da “responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público” – situação versada na ação sub judice. (nb: a demanda conjunta dos restantes Réus (particulares) é permitida nos termos do art.º 10, n.º 7 do CPTA e nos termos do art.º 490 e 497, CC) 6ª – Esta ampliação resulta: - do elemento literal da norma da al. g) do n.º 1 do art.º 4 do atual ETAF; - da circunstância do atual ETAF deixar de excluir expressamente o conhecimento das questões de Direito Privado (ainda que qualquer das partes seja pessoa de Direito Público); - do elemento histórico , uma vez que tal alargamento de competência foi discutido e proposto por boa parte da Doutrina no âmbito da discussão pública da reforma de 2002 e foi assumido na “Exposição de Motivos” que acompanhou a proposta do Governo, sem que tenha havido alterações do preceito no Parlamento.
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– Porém, como ensina Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Almedina, 2011, 11ª ed. …“lembre-se, no entanto, que estas alterações legislativas têm um mero alcance processual: - não significam que as questões passem a ser inteiramente reguladas pelo Direito Administrativo, podendo acontecer é que os tribunais administrativos passem a aplicar, a título principal, normas de Direito Privado”.
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– A n/ Doutrina é unânime no sentido que propugnamos.
Sob o thema, vide: - Diogo Freitas do Amaral/Mário Aroso de Almeida, in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina, 3ª ed.; - Mário Aroso de Almeida, in “Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 3ª ed., pag. 35.
- Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Almedina, 2011, 11ª ed. pag. 102 a 106.
- João Caupers, in “Introdução ao Direito Administrativo”, 7ª ed., Lisboa, 2003, pag. 265.
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– Ao nível da Jurisprudência, vide, por todos: - Ac. do STJ de 10.4.2008, in dgsi.pt, proc. n.º 08B845; - Ac. do Tribunal dos Conflitos, de 23.1.2008, in dgsi.pt, proc. n.º 017/07, com o n.º convencional JSTA0008703, onde foi tratada exaustivamente a questão; - Ac. do STA de 8.10.2009, in dgsi.pt, 10ª – Conclusão final: - nos termos da al. g) do n.º 1 do art.º 4 do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 19.2, na redação da Lei 107-D/2003, de 31.12, compete aos tribunais de jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objeto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de Direito Público, quer por atos de gestão pública (como no ETAF/84), quer por atos de gestão privada, evitando-se a “via-sacra” dos AA. de andarem de “Anás para Caifás”, com enorme dispêndio monetário e desgaste emocional.
Violou o Meritíssimo Juiz a quo, entre outros, a al. g) do n.º 1 do art.º 4 do ETAF.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue materialmente competente o TAF de Braga para decidir a questão sub judice, mandando prosseguir a ação seus ulteriores termos até final, Por ser conforme ao DIREITO e à JUSTIÇA!” O Recurso veio a ser admitido por despacho de 28 de Abril de 2014 (Cfr. Fls. 682 Procº físico).
A Interveniente G... Companhia de Seguros SPA veio a apresentar as suas Contra-alegações em 4 de Junho de 2014, tendo aí referido (Cfr. Fls. 692 a 694 Procº físico): “A ora Recorrida começa por salutar a douta decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, pugnando pela confirmação da mesma nesta instância de recurso. O douto Tribunal a quo decidiu em conformidade com os elementos carreados aos autos, não merecendo assim qualquer censura por parte deste Venerando Tribunal.
Não concordam os Autores com a douta decisão recorrida, que declarou o Tribunal a quo incompetente em razão da matéria para conhecimento da questão controvertida nos autos.
Em boa verdade, os Autores/Recorrentes instauraram a...
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