Acórdão nº 01306/15.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução23 de Setembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP/CENTRO DISTRITAL DE B...

interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida no TAF de Braga, no âmbito do presente processo de intimação para a prestação de informações contra si intentado por JAMS, residente na PL, nos termos da qual foi deferido o pedido de intimação de passagem de certidão ou emissão de cópia dos seguintes documentos: – acordo de cooperação celebrado e assinado em Dezembro de 1996, entre o Centro Distrital de B... do Instituto da Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia da PL e respectivos anexos; – listagem da qual conste o nome e morada dos beneficiários, residentes no concelho da PL, a quem tenha sido atribuído o rendimento Social de Inserção (RSI).

* O Recorrente nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: “1.

A douta sentença proferida nos autos julgou procedente a ação e, consequentemente, condenou o Réu nos pedidos, isto é, condenou o Réu a fornecer ao Autor: - quer o acordo de cooperação celebrado e assinado em dezembro de 1996 entre o Centro Distrital de B... – Instituto da Segurança Social, IP e a Santa Casa da Misericórdia da PL e respectivos anexos, - quer a listagem da qual conste o nome e morada dos beneficiários, residentes no concelho da PL, a quem tenha sido atribuído o rendimento social de inserção (RSI).

  1. Porém, e salvo o devido respeito, esta decisão padece de vários erros de julgamento. Senão vejamos: 3.

    O pedido de listagem da qual conste o nome e morada dos beneficiários, residentes no concelho da PL, a quem tenha sido atribuído o RSI já tinha sido efetuado pelo Autor em 21/abril/2014, sendo que o mesmo foi indeferido, com base nos fundamentos constantes na resposta do Centro Distrital que lhe foi enviada a 14/05/2014, tudo como melhor consta dos docs 4 e 5 que foram juntos com a contestação.

  2. Se dúvidas existissem quanto àquele pedido e respetiva resposta, o que só por mera hipótese de patrocínio se admite, exigia-se, e exige-se, a inquirição da testemunha arrolada pelo Réu, ora Recorrente, até porque a prova testemunhal também é idónea a fazer prova dos factos não provados por via da prova documental.

  3. Sob pena de violação do princípio constitucional de acesso ao Direito, previsto no artº 20º da CRP, não pode o Tribunal recusar a possibilidade de demonstração da factualidade alegada através da prova testemunhal oferecida, até porque a prova deste facto pode ser feita por todos os meios de prova admissíveis.

  4. Porém, a douta sentença não deu estes factos como provados, o que constitui um verdadeiro erro de julgamento. Na verdade, 7.

    além da exceção ao princípio da decisão prevista no artº 9º, 2 do CPA então em vigor, a não resposta a este novo pedido por parte do Réu constitui, até, uma decisão irrecorrível – cfr neste sentido CPA anotado de Mário Esteves de Oliveira, 2ª ed, pág 129.

    SEM PRESCINDIR, 8.

    É certo que, em ambas as situações (acordos de cooperação e listagem de RSI), estão em causa dinheiros públicos e que o artº 65º do CPA então em vigor consagrava o princípio da administração aberta.

  5. Todavia, o princípio da transparência administrativa não impõe nem fundamenta, por si só, a abertura de todos os documentos administrativos à consulta ou mera curiosidade de terceiros.

  6. Aliás, o mesmo artº 65º do CPA já previa exceções ao referido princípio, nomeadamente quando estão em causa matérias relativas à intimidade das pessoas.

  7. Ora, a decisão do Tribunal a quo baseou-se apenas no referido artº 65º do CPA, conjugado com a Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA), prevista na Lei 46/2007, de 24/08, considerando que só constituem documentos nominativos – e por isso, cobertos pela reserva da intimidade da vida privada - os que revelem dados do foro íntimo ou interior de um indivíduo, como por exemplo os dados genéticos, de saúde ou que se prendam com a sua vida sexual, bem como os relativos às suas convicções políticas, filosóficas ou religiosas, ou que possam traduzir-se numa invasão da reserva da vida privada.

  8. Já não incluiu, como devia, na alçada dos documentos nominativos a listagem, que é informática, da qual conste o nome e morada dos beneficiários, residentes no concelho da PL, a quem tenha sido atribuído RSI.

  9. Não pode o ora Recorrente conformar-se com o entendimento da douta sentença atentos outros inúmeros preceitos legais que, conjugados, abonam a seu favor, ao que acresce, também, a aplicação de normas inconstitucionais e relevante jurisprudência e posições doutrinais. Com efeito, 14.

    conjugando o disposto no artº 35º, 1, 2, 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, 15.

    com o artº 75º da Lei 4/2007 de 16 de janeiro, que aprova as bases gerais do sistema de segurança social, 16.

    com o artº 8º da Lei 13/2003, de 21 de maio, que cria o Rendimento Social de Inserção e 17.

    com a Lei da Proteção de Dados Pessoais, consagrada na Lei nº 67/98 de 26 de outubro, 18.

    conclui-se, não só pela bondade da decisão do Recorrente (no sentido do indeferimento da pretensão do Autor/Recorrido), como 19.

    pela violação do princípio da finalidade consagrado no nº 1 do artº 35º da CRP, conjugado com a al. c) do artº 23º da LPD que atribui em especial à CNPD o poder de autorizar excecionalmente a utilização de dados pessoais para finalidades não determinantes da recolha, 20.

    assim como pela inconstitucionalidade do artº 5º da Lei 46/2007 no qual a douta sentença se baseia, por violação dos arts 35º, 2, 3 e 4 e 8ª, 4 da CRP, conforme se explanou supra.

  10. Também a doutrina só admite que o interesse público que reconheceu a confidencialidade deve ceder perante outro interesse público mais forte e, por isso, a obrigação de segredo não deve ser mantida quando razões superiores àquelas que determinaram a sua criação tal imponham – cfr, nomeadamente, Pareceres da PGR nº 11/83 e 49/91, este último de 12/03/92 in DR II série de 16/03/95.

  11. Aliás, J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª Ed, Coimbra, 1993, pág 181, salientam que o direito à intimidade da vida privada se analisa em dois direitos menores, a saber, o direito a impedir o acesso de estranhos a informação sobre a vida privada e familiar e o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (artº 80º do CC).

  12. Já no Parecer 121/80 de 23/07/81, in BMJ 309, pag 142 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República se refere que a privacidade compreende aqueles atos que, não sendo secretos em si mesmos, devem subtrair-se à curiosidade pública por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos e afetos familiares, os costumes de vida e as vulgares práticas quotidianas, a vergonha da pobreza e as renúncias que ela impõe.

  13. Note-se que o Tribunal Constitucional tem entendido de forma pacífica que nas relações entre os particulares e o Estado se introduza a noção de respeito da vida privada, de modo a que o Estado não afete o direito ao segredo e a liberdade da vida privada senão por via excepcional, para assegurar a protecção de outros valores que sejam superiores àqueles – cfr, nomeadamente, Ac de 7 de maio de 1997.

  14. Já no Ac de 20/06/95, in II série do DR de 2/11/95, o Tribunal Constitucional caracterizou o conceito de “vida privada” como o direito de cada um ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias.

  15. Assim, só em casos muito excepcionais o direito à reserva deverá ser sacrificado.

  16. Na situação em apreço, o Tribunal considerou que a listagem da qual conste o nome e morada dos beneficiários, residentes no concelho da PL, a quem tenha sido atribuído o RSI é livre, e, por isso, se sobrepõe ao dever do Réu de assegurar a confidencialidade da informação relativa aos dados de natureza pessoal dos beneficiários e contribuintes, tais como os relativos à sua situação pessoal, económica ou financeira.

  17. Ora, além de a informação solicitada constituir um dado pessoal dos beneficiários com informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada, coberta pelo já citado artº 35º, 4 da CRP, sendo inclusivé um documento nominativo como refere o artº 3º, 1, b) da lei 46/2007, o ora Recorrente entende que não poderá a mesma ser facultada ao Autor/Recorrido, seja porque o mesmo não está munido de autorização escrita das pessoas a quem os dados digam respeito, seja porque não demonstrou qualquer interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, nos termos do disposto no artº 6º, 5 da referida Lei.

  18. Além disso, face à prestação que está em causa e à titularidade dos seus beneficiários – cfr novamente Lei 13/2003, de 21/05 -, é até natural que a lei proteja a tomada de conhecimento de quem a receba, que queira excluir a sua circulação destes dados.

  19. Certamente que um homem médio que viva, ainda que transitoriamente, no limiar da pobreza, que é o caso de quem recebe RSI, não gostaria de ver livremente exposta esta sua situação. Coloquemo-nos no seu lugar. Gostaríamos/aceitaríamos que o Autor conhecesse o nosso nome e morada por nos ter sido atribuído o RSI? Naturalmente que não… 31.

    Importa ter presente que, em matéria de privacidade e proteção de dados pessoais, a lesão destes valores, por via de um acesso de terceiro (sem autorização escrita das pessoas a quem os dados digam respeito e sem ter demonstrado qualquer interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade), não tem remédio. Daí que sobre o legislador recaia o especial dever de adotar mecanismos que previnam aquela lesão, como dispõe o texto constitucional, e que a douta sentença não acautela.

  20. Por último, a douta sentença também não demonstra ter ponderado, por um lado, a vantagem meramente económica que permite o acesso à referida listagem e, por outro lado, os direitos, liberdades e...

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