Acórdão nº 03130/11.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Setembro de 2015
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 11 de Setembro de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
QS – Sociedade Agrícola, SA (…) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Viseu, que julgou procedente acção administrativa especial por si intentada contra Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.
(R. …).
A recorrente, apesar da procedência da acção, vencida ficou em fundamento(s), pelo que agora recorre (art.º 141º, nº 2, do CPTA), tirando as seguintes conclusões : 1.ª O Meritíssimo Tribunal a quo procedeu à anulação do despacho impugnado. Porém, a decisão do mesmo Tribunal apenas atendeu a um dos vícios invocados pela A., aqui Recorrente.
-
Tendo a A. invocado várias causas de invalidade do acto administrativo e tendo decaído relativamente à verificação de algumas delas, o reconhecimento, pelo Tribunal de recurso, dessas outras causas de invalidade, impede a possibilidade de renovação do acto anulado, pelo que a A. tem legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos do artigo 141º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
-
Discute-se na presente lide a legalidade do acto proferido pelo IFAP, no qual foi ordenado cancelamento do projecto e a reposição pela Recorrente da quantia de € 46.455,67.
-
Assim, a Recorrente decaiu relativamente à verificação das seguintes causas de invalidade invocadas pela mesma: Vício de violação de lei; Incompetência absoluta do IFAP.
-
Além disso, o Tribunal a quo não se pronunciou no que concerne a algumas das causas de invalidade também invocadas pela Recorrente, a saber: Prescrição do procedimento para a recuperação do subsídio; Não violação de qualquer norma do Regulamento (CEE) nº 2080/92; Abuso de direito.
-
A ajuda em causa foi concedida por meio de um acto administrativo, o qual se concretizou com a aprovação do projecto, em 1995, tendo os respectivos pagamentos acontecido entre 1995 e 11/05/2006, datas estas entre as quais foram efectuadas as transferências dos montantes em causa para a conta bancária da Recorrente.
-
A recuperação é pretendida, uma vez que, alegadamente: a) Estaria em falta, no projecto, alguma área; b) Alguma área não possuiria a densidade mínima de plantas.
-
Ora, a eventual recuperação deste montante atribuído só poderá ser efectuada através de um acto administrativo que proceda à revogação do acto que o concedeu.
-
Caso se entenda que o acto é válido, não pode o mesmo ser revogado, uma vez que os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, excepto (entre outras situações) quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, o que acontece no presente caso (cfr. artigo 140º do C. P. A. – Código do Procedimento Administrativo).
-
Caso assim não se entenda, poderá considerar-se que o acto que concedeu a ajuda aqui em causa possa ser eventualmente considerado anulável, nos termos do artigo 135º do C. P. A., uma vez que não se encontra previsto o regime da nulidade para a situação sub judice (artigo 133º do C. P. A., a contrario).
-
Nos termos do artigo 136º, nº 1, do mesmo diploma, “O acto administrativo anulável pode ser revogado nos termos previstos no artigo 141.º.” (também do C. P. A.).
-
Porém, o artigo 141.º do C. P. A. estatui que os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso.
-
Este prazo entende-se que é de um ano, pois é prazo mais longo para a interposição de recurso, atribuído ao Ministério Público. Acontece que mesmo este prazo de um ano já terminou há muito.
-
Assim, o IFAP já não está legalmente habilitado a revogar o acto administrativo que concedeu a ajuda aqui em causa, pelo que já não está em tempo de proceder à respectiva recuperação.
-
Assim, poderia eventualmente considerar-se que o acto que concedeu o subsídio aqui em causa possa ser eventualmente anulável (uma vez que não se encontra previsto o regime da nulidade para esta situação).
-
Porém, um acto administrativo anulável apenas pode ser revogado com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso, sendo que este prazo é de um ano, pois é o prazo mais longo para a interposição desse recurso, atribuído ao Ministério Público. Como se disse, acontece que mesmo este prazo de um ano já terminou há muito.
-
O R. já não está legalmente habilitado a revogar o acto administrativo que concedeu este subsídio no âmbito do referido projecto, pelo que já não está em tempo de proceder à recuperação do subsídio aqui em causa.
-
Sem prescindir e a acrescer ao exposto, ainda que se entenda que não é o direito português interno que aqui se aplica, dir-se-á o seguinte: caso se entenda esse sentido, isto é, que o direito comunitário prevalece, neste caso, sobre o direito nacional, o prazo para recuperação de ajudas deferido pelo direito comunitário tem prazo de quatro anos a contar da data em que a alegada irregularidade tenha sido praticada.
-
Segundo o ordenamento jurídico comunitário, em relação aos procedimentos de controlo e recuperação, o prazo para o efeito é de quatro anos, admitindo-se apenas regulamentações sectoriais que o encurtem para três anos, e nunca para menos, e que as legislações nacionais o alonguem sem estabelecimento de qualquer limite.
-
No caso em apreço, o processo instrutor permite constatar que o conhecimento da situação (que apenas agora, e no entender do IFAP, seria irregular) data do ano de 1998 (data em que o IFAP reconheceu que o projecto cumpre a regulamentação aplicável), sendo que passaram sobre esse facto mais de 13 (treze) anos, pelo que, também do ponto de vista do direito comunitário já prescreveu a possibilidade do IFAP solicitar a devolução do subsídio em causa.
-
Pelo Regulamento nº 2988/95, do Conselho, de 18/12, foi adoptada a regulamentação geral em matéria de controlo de irregularidades, prevendo-se no seu artigo 3º, nº 1, que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que tenha sido praticada a hipotética irregularidade (sendo que as regulamentações sectoriais podem prescrever um prazo mais reduzido, mas não inferior a três anos).
-
Não existindo, neste caso, qualquer norma especial, ter-se-á que recorrer a este prazo geral de quatro anos, previsto no Regulamento nº 2988/95, e, também ao abrigo desta regulamentação, é extemporânea a revogação do acto constitutivo de direitos.
-
Acresce ainda que, mesmo que se considerasse que a situação de reposição em apreço teria o enquadramento jurídico abrangido pelo prazo de prescrição de cinco anos a que alude o artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, também por aqui, já a possibilidade de recuperação deste subsídio já estaria prescrita.
-
Sendo o prazo, para o efeito, contado a partir do acto administrativo que atribuiu a ajuda, mesmo quanto a este último pagamento efectuado, já a possibilidade de recuperação está prescrita, tendo o prazo para a respectiva recuperação terminado.
-
Assim, não está o IFAP habilitado a praticar o acto em causa, padecendo o mesmo do vício de violação de lei.
-
Além disso, o IFAP não tem competência para modificar ou rescindir unilateralmente o contrato, pelo menos sem prévia decisão da Comissão Europeia nesse sentido.
-
A entidade competente para proferir decisão sobre os saldos das acções comparticipadas pela União Europeia é a Comissão Europeia, e não o IFAP e o IFAP não tinha competência para reduzir ou suprimir as ajudas comunitárias em causa, sem prévia decisão da Comissão Europeia.
-
Seria necessária uma prévia decisão da Comissão Europeia nesse sentido para que o IFAP pudesse modificar ou rescindir unilateralmente os contratos relativos a compartições financeiras comunitárias.
-
Assim, o despacho aqui em crise, ao decidir rescindir unilateralmente o contrato celebrado com a Recorrente, ordenando a devolução da totalidade da comparticipação financeira a esta concedida, sem prévia decisão nesse sentido da Comissão Europeia, invadiu as atribuições desta entidade.
-
Assim, o acto ora impugnado, praticado pelo IFAP, incorre, por isso, no vício de incompetência absoluta, determinante da respectiva nulidade (artigo 133º, nº 2, alínea b), do C. P. A.).
-
A entidade competente para proferir decisão sobre os saldos das acções comparticipadas pela União Europeia é a Comissão Europeia, e não o IFAP (cfr. artigo 88º, nº 2, do Tratado das Comunidades Europeias).
-
O IFAP não tinha competência para reduzir ou suprimir as ajudas comunitárias em causa, sem prévia decisão da Comissão Europeia (cfr. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 24/04/2007).
-
Ainda sem prescindir, no Regulamento (CEE) nº 2080/92, não há qualquer norma que se vislumbre possa ter sido violada.
-
A Recorrente não foi beneficiária de qualquer pagamento indevido.
-
Sem prescindir, dir-se-á ainda o seguinte: o Tribunal a quo entendeu que o vício de incompetência absoluta deveria improceder, visto que “Nos termos dos artigos 1º, nº 1, 2º, nº 4, e 4º, nº 1, primeiro parágrafo do Regulamento (CEE) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, o reembolso das quantias indevidamente recebidas pelos beneficiários das ajudas comunitárias é regulado pela lei nacional.”.
-
Porém, o Tribunal ao decidir pela aplicação do disposto no Regulamento (CEE) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, para se pronunciar acerca da (in)competência do IFAP para modificar ou rescindir unilateralmente o contrato, por maioria de razão deveria ter tido em conta o disposto no referido Regulamento nº 2988/95, do Conselho, no tocante à matéria de controlo de irregularidades, em que se prevê no seu artigo 3º, nº 1, que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que tenha sido praticada a hipotética irregularidade (sendo que as regulamentações sectoriais podem prescrever um prazo mais reduzido, mas não inferior a três anos).
-
Tanto é que, conforme consta na sentença recorrida “(…) tem de prevalecer a norma comunitária como consequência do primado do direito comunitário, tal...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO