Acórdão nº 02482/16.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução07 de Abril de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: EGF veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 17.01.2017, pela qual foi julgada improcedente a providência cautelar interposta contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.

para a suspensão da eficácia do despacho de 07.07.2016 da Directora de Serviços de Formação e Certificação do Requerido, que, na sequência de indícios comunicados pelo Ministério Público, no âmbito de um processo-crime, decidiu submeter o requerente, entre outros, a exame de condução, nas vertentes de prova teórica e prova prática, e designou a prova teórica para o dia 24.10.2016, às 11h:00, advertindo-o de que a não comparência ou a reprovação em qualquer das provas implicaria a não realização da prova seguinte, bem como, a caducidade do título de condução.

Invocou para tanto que ao contrário do decidido, estão verificados todos os requisitos para o decretamento da providência requerida.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. O presente recurso é interposto da decisão que julgou totalmente improcedente a providência cautelar (…) interposta pelo ora Recorrente, tendo a referida decisão efectuado uma errónea aplicação do direito perante a factualidade presente nos autos.

II. No entender daquele Tribunal, não se verificaram os requisitos cumulativos patentes no artigo 120º nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

III. Decisão com a qual o ora Recorrente não pode deixar de discordar.

IV. Com o intuito de fazer a prova perfunctória da aparência do bom direito, diversos foram os vícios apontados ao ato administrativo posto em crise através da posterior acção de impugnação, os quais se consideram, salvo melhor opinião, flagrantes.

V. O ora Recorrente começou por alegar o vício de falta de fundamentação do ato administrativo posto em crise.

VI. Porém, além do Tribunal a quo considerar que tal vício improcederá em sede de acção principal, ele próprio, ao fundamentar como fundamentou a improcedência do referido vício imputou ao ora Recorrente factos que consubstanciam a prática de um crime, os quais nunca foram provados inexistindo sentença nesse sentido.

VII. Ao dar a acusação deduzida pelo Ministério Público como certa, para além da própria Administração (IMT, I.P.) ter violado, com todo o respeito por opinião diversa, ferozmente o princípio da presunção da inocência, também a referida sentença o fez.

VIII. O vício de falta de fundamentação invocado pelo ali Requerente, ora Recorrente, funda-se no facto da decisão da Directora dos Serviços de Certificação do IMT, I.P. basear a sua decisão numa mera acusação do Ministério Público que, por sua vez, carece de factualidade concreta que possa ser imputável ao ali requerente.

IX. Referindo-se, genericamente, aos “indícios comunicados a este IMT, I.P., pelo Procurador do Ministério Público (…) de que resultam fundadas dúvidas sobre a aptidão dos condutores, arguidos no processo, para exercerem uma condução segura”.

X. Sucede que, as supostas “fundadas dúvidas” não têm sustentação concreta aplicável ao ora Recorrente.

XI. Para além da violação do disposto no artigo 152º nº1 al. a) do Código do Procedimento Administrativo, foi invocada a violação do disposto no artigo 263º nº3 da Constituição da República Portuguesa.

XII. Em Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 16.06.2016, no âmbito do proc. n.º 12565/15, a jurisprudência veio, mui consabidamente, referir que “é precisamente no exercício da margem de livre decisão administrativa, incluindo nesta os chamados «poderes discricionários da função administrativa» e a chamada «liberdade avaliativa de administração pública», que o dever de fundamentação implica (devido à natureza dos poderes exercidos e ao maior perigo objetivo de arbítrio) uma exigência acrescida quanto à exteriorização dos raciocínios fundamentadores das conclusões apresentadas em sede de motivação; está em causa impedir o esvaziamento dos princípios jurídico-administrativos fundamentais (i) da “juridicidade e legalidade”, (ii) do “procedimento transparente e equitativo” e (iii) da “tutela jurisdicional efetiva”.

XIII. Concluindo que “violam o «dever constitucional e legal de fundamentar os atos administrativos de um modo expresso, racional, coerente, suficiente e claro» todas as decisões administrativas que se limitem a exteriorizar como seus fundamentos (…) opiniões, já que se tratam de meras conclusões e não de discursos justificativos, isto é, de raciocínios fundamentadores de conclusões.

” XIV. Por outro lado, com o intuito de provar perfunctoriamente a aparência do bom direito, o ora Recorrente, invocou ainda a inaplicabilidade do artigo 129º do Código da Estrada., porquanto considera, em suma, não estar preenchido o requisito da existência de fundadas dúvidas. XV. Além do mais que, os crimes pelos quais vem o ora Recorrente acusado (crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito e crime de falsificação de documento) nada têm que ver com as situações descritas no referido artigo 129º.

XVI. No que a esta questão respeita, o Tribunal a quo pronunciou-se juntamente com a invocada violação do princípio da presunção de inocência.

XVII. Entendeu aquele Tribunal que “a norma legal em causa é certeiramente aplicável ao caso do Requerente, porquanto, a não frequência de aulas teóricas (…) e a ausência de aulas práticas de condução, com posteriores ajudas de terceiro (…), consubstancia claramente uma situação propícia a criar fundadas dúvidas sobre a “capacidade de um condutor…para conduzir com segurança”, (…) É, sem sobra de dúvida, um caso de falta de aptidão para conduzir com segurança aquela que o Impetrante neste momento padece.” XVIII. Ao afirmar semelhante conclusão, pelo Tribunal a quo foi impreterivelmente olvidado um princípio magno da nossa ordem jurídica, não só aplicável ao processo penal mas a todos os ramos do direito, conforme preconizado pela União Europeia da qual Portugal faz parte integrante.

XIV. É que, a decisão administrativa do IMT. I.P. é proveniente de um processo-crime que ainda corre os seus termos, inexistindo, portanto, uma decisão condenatória em 1ª instância pela prática dos factos pelos quais o ora Recorrente aí vem acusado.

XV. Destarte, ao ordenar a referida decisão do IMT, I.P. a submissão a novo exame quer teórico quer prático de condução, a autoridade administrativa emitiu um juízo de culpabilidade que não se insere nas suas competências.

XVI. A acrescer, decidindo como decidiram, a referida autoridade, bem como o Tribunal a quo, violaram o artigo 32º nº2 da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.” XVII. Tal como consagram os artigos 48º da Carta dos Direitos Fundamentais da União, e 6º nº2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “qualquer pessoa acusada de uma infração se presume inocente até a sua culpabilidade ter sido legalmente provada.” XVIII. Ademais, é a própria Directiva 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho que, no seu considerando 16º vem consagrar que “a presunção de inocência seria violada se as declarações públicas emitidas pelas autoridades públicas, ou as decisões judiciais que não sejam as que estabelecem a culpa, apresentarem um suspeito ou um arguido como culpado, enquanto não ter sido provada a respectiva culpa nos termos da lei. Tais declarações ou decisões judiciais não devem reflectir a opinião de que o suspeito ou o arguido é culpado”.

XIX. Em face do exposto, ao decidir como decidiu, o IMT. I.P., tudo fruto de acusações formuladas no âmbito de um processo-crime que ainda corre os seus termos, esvaziou de conteúdo as normas nacionais, bem como de direito europeu transposto para a nossa ordem jurídica, que protegem incessantemente o princípio da presunção de inocência enquanto garantia fundamental.

XX. Por tal razão, não pode concordar-se com o entendimento preconizado pelo Tribunal a quo quando refere que “para o acionamento da consequência legal é suficiente o surgimento dessas meras dúvidas, ainda que não...

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