Acórdão nº 00145/10.9BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução20 de Abril de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório J…, contribuinte fiscal n.º 1…, divorciado, residente na Rua…, Trofa, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 28/05/2013, que julgou apenas parcialmente procedente a Oposição ao PEF n.º 4219200601003704 e apensos, do Serviço de Finanças da Trofa, originariamente instaurada contra a executada J…, Unipessoal, Ld.ª, pessoa colectiva n.º 5…, com sede na Rua…, Trofa.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “

  1. O Tribunal Ad Quo deveria pronunciar-se no sentido de haver violação do caso julgado.

  2. Visto que em sede tributária releva a matéria de facto dada como assente e provada em sede de processo crime.

  3. Por sentença transitada em julgado proferida no processo comum nº 40/07.9IDPRT, que correu os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Santo Tirso, d) Decisão essa que, diga-se de passagem, refere “(...) não foi possível apurar qualquer factualidade subsumível ao tipo legal de crime por que os arguidos vinham acusados, desde logo ao nível da imputação objectiva da conduta. Com efeito, não resultou sequer provado que os serviços referidos nas facturas em crise não correspondiam a serviços reais.” e) Tal inobservância constitui uma clara violação do princípio da legalidade em direito, da veracidade constituída em sentença transitada em julgado.

  4. Não se pode relegar para segundo plano matéria assente como: “Com efeito não resultou sequer provado que os serviços referidos nas facturas em crise não correspondiam a serviços reais”.

  5. Violou assim o Tribunal Ad Quo o art. 84.º do C.P.P. que “A decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.”.

  6. Tal aplicação se impõe também no âmbito tributário.

  7. Posto também em total sonância ao que refere o art. 467.º do C.P.P. e o art. 673.º do C.P.C. (anterior).

  8. Ora, salvo o devido respeito o Tribunal ad quo mal andou quando diz e faz tábua rasa da matéria provada e não provada em sede de processo crime, indicadora e sem margem para dúvidas que o ora recorrente não violou qualquer normativo do direito, mormente daquele que origina o facto tributário para se caucionar na legalidade processual da reversão.

  9. Estamos perante a dicotomia de em processo crime a obrigação, que é a mesma, não existe e já em sede tributaria vir dizer que existe e é exequível.

  10. A matéria julgada em penal não pode ser relegada a inexistência.

  11. Dúvidas assim não restam de que a matéria julgada em direito penal é relevante em sede tributária e, como tal, a violação do caso julgado é motivo de nulidade, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 22/07/1982, relator Abel Delgado, no Processo 016252.

  12. Outro Acórdão elucidativo e o proferido no Tribunal Central Administrativo Norte, em 20/10/2011, no âmbito do processo n.º 335/10.4BEPNF, que a violação do caso julgado penal tem como sanção jurídica a nulidade.

  13. Isto posto que a alínea h) do n.º 2 do art. 133.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável in casu ex vi alínea d) do artigo 2.º do CPPT, refere que são nulos os actos que ofendam os casos julgados.

  14. Está em causa o valor da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, em nome das exigências do verdadeiro fim do processo que é a descoberta da verdade e a realização da justiça.

  15. A administração fiscal deveria ter em conta aquela decisão, ainda que sob a forma de presunção ilidível.

  16. A Tribunal ad quo de igual forma não lhe deu acolhimento, ou seja, comungou da mesma forma e na mesma maneira que a administração fiscal, desvalorizando por completo uma decisão penal transitada em julgado que versa sobre a mesma matéria factual.

  17. Está em causa um facto jurídico tributário nulo na sua origem.

  18. Logo, tudo o que vai no seu seguimento também esta inquinado por nulidade.

  19. Não existe acto tributário sem facto tributário.

  20. Mas o facto não existindo também não pode existir acto.

  21. Não existindo obrigação tributária, não pode subsistir responsabilidade subsidiária, uma vez que não existe qualquer facto que lhe dê origem.

  22. Reafirma-se que estamos perante uma nulidade.

  23. A Constituição da República Portuguesa estabelece no artigo 205.º, n.º 2 que as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.

  24. Atente-se que o Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso no Processo n.º 40/07.9IDPRT, do 2.º Juízo Criminal, deu como não provado no ponto JJ que “O Estado Português foi defraudado nos montantes referidos na factualidade apurada.” aa) A AT (Administração Tributária) não pode prevalecer sobre as decisões proferidas pelos Tribunais Portugueses, isso viola directamente a independência dos Tribunais prevista no art.º 202.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

    bb) Assim, o Tribunal Ad Quo ao não acolher a pretensão do Apelante violou os preceitos legais supra referidos.

    cc) Não merece por isso melhor acolhimento aquela aliás douta sentença pois seria dar ao contribuinte a ideia de: “O Senhor cumpriu as suas obrigações de facto mas mesmo assim terá de pagar porque de nada lhe vale uma decisão em direito penal.”.

    dd) Resume-se e reitera-se, sendo a liquidação nula, nulos são todos os factos posteriores.

    Sem prejuízo, ee) aliás, sabiamente disse o representante do Ministério Público ao fazer constar dos autos: “b) Não se vislumbra em nenhuma das páginas da reversão fiscal prova da fundada insuficiência do devedor principal e dos responsáveis subsidiários para a sua excussão e a responsabilidade é indissociável da existência de culpa.” (Sublinhado nosso) ff) Não se pode assacar culpa na falta de bens por parte do que a AT diz ser o responsável subsidiário quando este sempre esteve convicto de que não tinha nada a liquidar, convicção esta formada por uma decisão judicial.

    gg) O recorrente não praticou quer por culpa, quer por omissão nenhum acto ilícito que tenham causado a insuficiência do património da suposta devedora originária.

    Mesmo porque, hh) tal prova competia à Fazenda Pública que nada provou mormente no cômputo da ilicitude dos actos ou omissões por parte daquele que foi o gerente da suposta devedora originária.

    ii) Em suma, faltou a prova dos pressupostos da responsabilidade (do) subsidiária do gerente na falta do património.

    jj) Pelo que nesse computo também a sentença proferida pelo Tribunal Ad Quo pecou por não acolher e consequentemente não dar provimento à oposição.

    kk) Por todos a douta sentença proferida violou os dispositivos acima referidos, violou matéria dada como provada e não provada em caso julgado por sentença transitada em julgado.

    II) Pelo que a sentença recorrida deverá ser revogada e, consequentemente, ser deferida a oposição deduzida pelo ora recorrente.

    Pelo exposto, revogando a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a oposição interposta, por via da declaração da nulidade da reversão operada pelo órgão da Administração fiscal, V. Ex.s farão JUSTIÇA.” Não houve contra-alegações.

    ****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de não dever conhecer-se o recurso, por não ter sido cumprido o ónus de apresentação de conclusões das alegações de recurso.

    Contudo, esta questão já não se coloca actualmente, uma vez que o Recorrente foi judicialmente convidado a fazê-lo e apresentou, entretanto, as conclusões em falta.

    ****Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    ****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao desconsiderar na decisão da causa o caso julgado formado por sentença proferida em processo penal e na definição do ónus da prova no que tange à responsabilidade subsidiária.

    1. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto: “3.1 – De facto.

    Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:

    A) O Serviço de Finanças da Trofa reverteu contra os oponentes os PEF identificados a fls. 113 e 114, cujo teor aqui se dá por reproduzido, instaurados contra a executada originária, pelas dívidas, montantes e datas limite de pagamento voluntário aí discriminadas, que perfazem o valor global de €219.224,38 (fls. 28 a 47).

    B) As certidões das dívidas revertidas contra o oponente estão juntas de fls. 39 a 55, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    C) As liquidações das dívidas exequendas constam de fls. 117 verso a 131, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    D) O órgão de execução fiscal proferiu o projecto de despacho de reversão de fls. 112 a 114, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que foi notificado ao oponente (fls.38).

    E) O despacho de reversão consta de fls. 115 a 117 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    F) A inexistência de bens do despacho de reversão fundamentou-se na informação que consta de fls. 138 destes autos e na escritura de dissolução da executada originária de fls. 136 e 137, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 37 e 38).

    G) O oponente foi sócio gerente da executada originária e exerceu a sua gerência desde a sua constituição em 5/7/2001 até à sua dissolução em 28/3/2006 (fls. 37 a 138).

    H) O oponente foi absolvido do crime de fraude fiscal pela sentença junta aos autos de fls. 195 a 205, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

    I) O oponente não impugnou as liquidações das dívidas exequendas revertidas contra si (fls. 115 a 117).

    Com relevância para a decisão da causa, não existe matéria de facto julgada não provada.

    3.1.1 – Motivação.

    O...

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