Acórdão nº 02837/11.8BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução28 de Abril de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO Nos presentes autos de acção administrativa especial em que é Autor JFHSV e Réu o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., ambos neles melhor identificados, vem aquele recorrer do despacho que indeferiu o desentranhamento da contestação do IFAP I.P. e da sentença proferidos pelo TAF de Braga.

Alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. No caso dos autos - acção administrativa especial com pretensão conexa, com valor superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo (TC) e que deu entrada em Tribunal no ano 2011 - à luz do artigo 40º, nº 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) (segundo a redacção à data aplicável e que lhe era dada pelos Decretos-Lei n.

os 59/2008, de 11-09 e 63/2011, de 14-12) o processo e o seu julgamento (tanto em matéria de facto como matéria de direito) compete a um colectivo de juízes, portanto, quando em 2011 o processo deu entrada no Tribunal o mesmo foi distribuído a um colectivo de juízes ora, verifica-se que, tanto o despacho de fls. como a sentença de fls. foram proferidos apenas por uma Juiz singular e que não é a Juiz singular a quem foi distribuído o processo enquanto Relatora.

  1. O artigo 40º, n.º 3 do ETAF, embora tenha sido recentemente revogado pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, a verdade é que, atendendo às normas de direito transitório estabelecidas neste diploma, nomeadamente ao n.º 4 do artigo 15º (cuja epígrafe é “Entrada em vigor”) este ilustre Tribunal reconhecerá que tendo a distribuição do processo ocorrido em 2011 e tendo o processo observado todas as regras do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e que estiveram em vigor no decurso de todo este iter, não fará qualquer sentido perigar as garantias de recorribilidade e os meios de reacção das partes, com a aplicação de um novo diploma, quando todo o processo tenha sido dirigido ao abrigo de um diploma anterior que melhor acautelava os interesses dos intervenientes no contencioso administrativo. No fundo, entende o aqui Recorrente, o regime anterior se aplica, desde logo, por constituir um regime mais favorável e garantístico das partes e das expectativas que estas foram nutrindo ao longo do processo, pois este ia reger-se pelas regras e pelas normas que o disciplinaram desde o início e até quase ao seu termo. Deste modo, as normas que sempre o disciplinaram deveriam ser as mesmas normas ao abrigo das quais o processo deveria ser concluído, havendo que reconhecer efeitos ultra-activos ao diploma anterior, porque foi nele e no regime por ele preconizado que as partes depositaram a sua confiança de que o processo haveria de ser concluído ao abrigo dessas mesmas normas.

  2. A aplicação imediata do novo diploma, id est, o Decreto-Lei n.º 214-G/2015 de 02-10, em particular do n.º 4 do artigo 15º, o qual estatui que “em matéria de organização e funcionamento dos tribunais administrativos, incluindo dos tribunais administrativos de círculo” as suas disposições entram em vigor no dia seguinte ao da publicação deste Decreto-Lei, ao revogar os n.

    os 2 e 3 do artigo 40º do ETAF, mantendo apenas o preceituado pelo seu n.º 1, minou consideravelmente a confiança que as partes foram criando de que o processo, uma vez iniciado, seria regulado pelas normas do então vigente ETAF e assim até à data da prolação da sentença e ao admitir-se a aplicação imediata e inconsequente deste novo diploma, consente-se numa alteração repentina, inesperada e completamente subversiva do sistema até então vigente e, em particular, da organização e funcionamento dos tribunais administrativos, o que, salvo melhor opinião, não poderá nem deverá ser tolerado.

  3. A reorganização do sistema de funcionamento dos tribunais administrativos, a ser aplicada no decurso de um processo ainda pendente, como era o caso nos presentes autos, tem um efeito gerador de incerteza jurídica sobre as partes, porquanto estas mantinham a convicção de que a organização, composição e funcionamento dos órgãos jurisdicionais não viria a ser afectada no decurso do processo. Efectivamente, ao “revolucionar” e sublevar o funcionamento dos tribunais administrativos de círculo, com a supressão dos n.

    os 2 e 3 do artigo 40º ETAF, e transformando-se (sem lugar a qualquer despacho, nem a nova distribuição) um tribunal que funcionou em colectivo de Juízes num tribunal que passou a funcionar com Juiz singular, frustram-se expectativas criadas pelas partes de que a organização e o funcionamento do tribunal, uma vez definida pela lei, em vigor no momento da propositura da acção e ao longo de quase todo o processo, se haveriam de manter inalteradas e imutadas, o que, contra o que seria expectável, não acabou por se suceder. Pelo que haveremos que concluir duma análise mais minuciosa que, afinal, também aqui se poderá revelar um princípio de irretroactividade da nova lei, uma vez que se assim não for, poder-se-ão condicionar os direitos, liberdades e garantias e o princípio da proibição da retroactividade da lei restritiva, tal como consignado no artigo 18º, n.º 3 CRP.

  4. Assim, as alterações à estrutura, organização e funcionamento dos tribunais administrativos diminuem as garantias de recurso das partes quando hajam sido preteridas formalidades essenciais do processo. Por outras palavras, se entendermos que é aplicável o regime anterior, em vigor aquando da proposição da acção e ao longo de todo o processo, e tendo o processo sido distribuído a um colectivo de Juízes, mas decidido por uma Juiz singular, as partes sempre poderiam (reclamar para a conferência) e sindicar tal situação na violação dos princípios da Identidade Permanente do Juiz e do Juiz Natural.

  5. Por outro lado, o Juiz da causa deve ser aquele a quem, em conformidade com as regras de distribuição judicial dos processos pré-estabelecida por lei, foi atribuído o processo para por ele ser instruído e julgado(1), sucede, contudo, que o Tribunal/Juiz da causa seria, segundo as regras pré-estabelecidas por lei (art. 40º, n.º 3 ETAF), e não segundo aquelas que vieram a ser aplicadas com a entrada em vigor de um novo diploma legal, formado por um colectivo de Juízes. Desta forma, ao alterar as regras de funcionamento dos tribunais administrativos e ao aplicá-las a um processo ainda em curso, o Tribunal “a quo” violou flagrantemente aquilo que estes princípios têm consignado como regras procedimentais que não podem ser subtraídas ao processo, porque dele fazem parte do início ao fim.

  6. Importa, atender, às normas e disposições transitórias, desde logo, do artigo 15º, n.º 4 do diploma que aprovou as mais recentes alterações ao ETAF e ao CPTA, ou seja, o Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro e aquele preceito só se poderá coadunar com os princípios da Imediação, do Juiz Natural e da Identidade Permanente do Juiz, se o mesmo for compreendido como sendo apenas aplicável aos novos processos que tenham entrada no dia após ao da publicação do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10, e não aos processos que estejam prestes a serem finalizados e aos quais foram aplicáveis todas as regras de competência, organização e funcionamento dos tribunais que eram vigentes à data da propositura da acção e que o continuaram a ser o longo de toda a discussão da causa. A hipótese de imposição de retroactividade que a lei mais recente possa empreender sempre terá que respeitar o princípio da proporcionalidade, observando, deste modo, as exigências e prerrogativas constitucionais plasmadas no artigo 18º, n.º 3. Desta forma, as alterações propugnadas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10 ao ETAF e ao CPTA não poderão ser pronta e imediatamente introduzidas se tal situação importar uma modificação substancial e financeiramente intolerável dos termos da actividade do particular, aqui Recorrente.

  7. O Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10 não encerra qualquer imperativo de retroactividade até porque não pode, sob pena de se violarem os princípios da Imediação, do Juiz Natural e da Identidade Permanente do Juiz, e sob pena de constranger a recorribilidade das decisões tomadas em incompreensível desfavor do Recorrente.

  8. Ainda que o Tribunal recorrido tenha seguido o entendimento de que aquele diploma encerra uma componente retroactiva, entendimento e juízo que o Recorrente, não aceita, nem tão-pouco poderá compreender, ainda assim, o certo é que este Venerando Tribunal não pode ignorar que tal imposição de retroactividade seja ilídima, porquanto, admitindo-se que o Colectivo passe, ope legis, a Juiz Singular fruto daquela norma que se aplica à nova organização e novo funcionamento dos tribunais administrativos para os processos que já correm os seus termos e não apenas para aqueles que ainda se venham a iniciar no dia seguinte ao da publicação do diploma, como manda o artigo 15º, n.º 4 reportando-se à “entrada em vigor” das alterações efectuadas ao ETAF. Tal entendimento, de que discordamos, consubstancia uma imprevisível subversão e transfiguração das normas que disciplinam a composição e o funcionamento dos tribunais administrativos.

  9. As alterações ao modo de funcionamento e à organização dos tribunais administrativos de círculo (pelo menos na parte referente ao artigo 40º, nº 3 do ETAF) só se aplicam aos processos administrativos que se iniciam no dia seguinte ao da sua publicação e não aos processos que já existiam àquela data.

  10. O Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro (na parte da composição do Tribunal nas acções administrativas de circulo e a revogação do artigo 40º nº 3 do ETAF) aplica-se somente para o futuro e, ainda que, por mera hipótese académica se entenda que aplica para o pretérito e para as acções já iniciadas e que subsistam à data da sua publicação, entendemos que essa não é a interpretação correcta do artigo 15º, n.º 4 daquele diploma, pois, a verdade é que o intuito do legislador foi o de...

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