Acórdão nº 00284/14.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução23 de Junho de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (R. …, Lisboa) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que, em acção administrativa especial intentada contra Vimágua – Empresa de Água de Guimarães e Vizela (R. …, Guimarães), julgou “verificada a excepção de caducidade do direito de acção”, absolvendo a demandada da instância.

Conclui: A)- Vem o presente recurso interposto do despacho saneador/sentença proferido senhor Juiz Relator do Tribunal a quo, que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu a Ré da instância dos presentes autos, na sequência do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte proferido no dia 03/06/2016 (cfr. doc.1), que lhe reconheceu a possibilidade de interpor recurso do referido despacho que havia reclamado para a conferência nos termos do art.º27.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, tendo-se iniciado o respectivo prazo de interposição com a notificação do referido do acórdão (cfr. cit. doc.1) B)- Este recurso vem interposto sem prejuízo do recurso de revista que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, no dia 29/06/2016, do aludido Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, na parte em que o referido Acórdão manteve a decisão do Tribunal a quo quanto à extinção da referida reclamação, e à cautela dado que o referido recurso de revista é excepcional, a sua admissão está sujeita à apreciação preliminar.

C)- Assim no que concerne ao objecto do presente recurso, o aludido despacho saneador/sentença, salvo o devido respeito, o Exmo Senhor Juiz Relator do Tribunal a quo ao ter decidido, como decidiu, não fez uma correcta apreciação da matéria de facto provado e, consequentemente, não interpretou, nem aplicou correctamente o direito atinente.

D)- O ora Recorrente intentou a presente acção judicial visando a invalidade do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré no dia 30/09/2013, que alterou o período normal de trabalho diário e semanal de todos os seus trabalhadores de 7h/dia e 35h/semana para 8h/dia e 40h/semana e os respetivos horários de trabalho em conformidade, ao abrigo da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, junto como doc.1 à petição inicial e ao requerimento inicial da providência cautelar.

E)- Como bem refere o Ilustre Subscritor da peça de que se recorre, a tempestividade da presente acção impõe, antes de mais, a subsunção dos vícios que vêm assacados pelo Autor, ora Recorrente, ao acto administrativo praticado pela Ré e aqui impugnado (cit. doc.1 junto com a petição inicial e requerimento inicial da providência cautelar).

F)- Para lá do vício decorrente da inconstitucionalidade suscitada das normas constantes dos art.ºs 2.º e 10.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto e da interpretação correctiva efectivada pelo Tribunal Constitucional quanto ao sentido e alcance das mesmas - e na qual o referido Tribunal Constitucional viria a alicerçar-se, como se alicerçou, para fundamentar e decidir as não declarar inconstitucionais no seu Acórdão n.º 794/2013, de 21/11/2013-, foi também imputado ao aludido acto administrativo, que constitui objecto da presente acção, o vício de forma decorrente do não cumprimento por parte do Réu das formalidades essenciais imperativas constantes do n.º2 do art.º 135.º do Regime do Contrato em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 59/2008, de 11/09 (adiante abreviadamente designada por RCTFP), conforme resulta do articulado no art.º 6.º da petição inicial.

G)- Reza assim o cit. disposto do n.º2 do art.º 135.º do RCTFP no que ora releva: Artigo 135.º Alteração do horário de trabalho (…) 2 - Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade. - o negrito é de agora.

(…) H)- Como se pode verificar do supra transcrito art.º 135.º, n.º 2 do RCTFP, além do dever de prévia e impreterivelmente ouvir os trabalhadores e os seus representantes (comissão de trabalhadores ou as comissões sindicais ou intersindical ou aos delegados sindicais), o legislador faz ainda impender sobre a entidade empregadora pública que pretenda alterar o horário de trabalho dos seus funcionários o dever de fundamentar essa alteração do horário de trabalho.

I)- Estes deveres imperativos de prévia auscultação e fundamentação têm uma razão de ser fundamental: é que se, por um lado, o poder de organização dos tempos trabalho constitui um instrumento fundamental de gestão da empresa que, regra geral, pertence ao empregador, por outro lado, o horário de trabalho é também, simultaneamente, uma referência fundamental da organização da vida de um trabalhador que goza outrossim de assento constitucional.

J)- O que faz elevar os referidos deveres imperativos de auscultação e fundamentação ao patamar das denominadas formalidades essenciais – cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos in “Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa – Tomo III”, Dom Quixote, 1.º edição (Fevereiro de 2007), pág. 156, parágrafo 197.

K)- O vício de forma por preterição de formalidades essenciais é susceptível de gerar a nulidade do acto administrativo sempre que essa preterição envolva a violação de direitos fundamentais nos termos do art.º 133.º, n.º2 do Código de Procedimento Administrativo – cfr. ibidem, pág. 163, parágrafo 214.

L)- No que o dever de fundamentação da alteração do horário de trabalho, in casu, impõe-se com particular acuidade, atento o cenário de privação que o mesmo comporta no exercício dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

M)- Assim o reconhece, aliás, o cit. Acórdão n.º 794/2013 do Tribunal Constitucional, na sua alínea F) da fundamentação: (…) Na verdade não pode negar-se existir efectivamente, uma óbvia diminuição do salário/hora com implicações (também) no que respeita à remuneração do trabalhão extraordinário, já que sofrerá cerca de uma redução de 14% segundo o cálculo dos requerentes.

(…) Não se ignora que o aumento do período normal de trabalho diário possa originar despesas adicionais para os trabalhadores (relacionados com transportes, com o cuidado de ascendentes e descendentes, etc.), mas em todo o caso há ter presente que o grande prejuízo que as normas impugnadas lhes trazem é de tempo: o tempo disponível para si mesmos, para as suas famílias e para o conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição (direito ao livre desenvolvimento da personalidade, liberdade de criação e fruição cultural, liberdade religiosa, liberdade de aprender e ensinar, liberdade de associação, entre outros), que se reconduzem a dimensões importantes na vida. (…) N)- Os direitos que gozam de garantia constitucional só podem ser restringidos nos casos e termos expressamente previstos na lei, conforme disposições combinadas dos art.ºs 17.º e 18.º ambos da Constituição da República Portuguesa.

O)- Do que se conclui que, independentemente dos art.ºs 2.º e 10.º da lei n.º 68/2013 não terem sido julgadas inconstitucionais, dada a restrição que a aplicação desta nova lei importa para os referidos direitos fundamentais, como o próprio Tribunal Constitucional admitiu, qualquer alteração do horário de trabalho de incremento aos novos limites máximos, como é o caso, há-de inexoravelmente que ser necessária e exigível pelos interesses públicos cuja actividade administrativa visa prosseguir, como os sacrifícios dos trabalhadores vindos de arrazoar hão-de ser adequados e proporcionais a essa alteração/finalidade, o que tudo há-de resultar da fundamentação do acto ou da norma administrativa que altera o horário de trabalho.

P)- Revertendo ao caso dos autos, foi a seguinte a matéria de facto dado como provada com base nos documentos juntos aos autos, conforme sentença de que se recorre: 1) Em 25 de Setembro de 2013, o Presidente do Conselho de Administração da Vimágua, S.A., proferiu o seguinte despacho (doc. 3 junto com o requerimento de Oposição à providência cautelar):DESPACHOAssunto: Lei n.º 68/2013 – Duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.

Tendo em conta a alteração à duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções determinada pela Lei n.º 68/2013, de 29 de Agosto, a qual produz efeitos a partir do dia 28 de setembro de 2013, informo os colaboradores da Vimágua, trabalhadores públicos em regime de mobilidade, que a partir do dia 28 de setembro de 2013 terão como período normal de trabalho oito horas por dia e quarenta horas por semana.

Assim e nos termos da referida Lei, os serviços de regime de funcionamento comum passarão a ter para todos os colaboradores da Vimágua o seguinte horário: - Período da manhã: 9 às 13 horas; - Período da tarde: 14 às 18 horas.

Nos serviços de atendimento ao público, mantém-se a marcação alternada e diferenciada para os respetivos colaboradores do horário de almoço, a fixar pela respetiva Chefia, no período entre as 12 horas e as 14:30 horas.

Os horários dos trabalhadores em regime de turnos serão adaptados para as oito horas semanais e quarenta horas por semana, nos termos que serão indicados pelas respetivas Chefias e posteriormente aprovados nos respetivos mapas de horários.

Atenta a proposta apresentada pelo Delegado Sindical, determino que sejam consultados os colaboradores da D. Exploração sobre as seguintes alternativas ao regime de funcionamento comum: Alternativa 1 - Período da manhã: 8 às 12 horas; - Período da tarde: 13 às 17 horas.

Alternativa 2 - Período da manhã: 8:30 às 12:30 horas; - Período da tarde: 13:30 às 17:30 horas.

O presente despacho deverá ser divulgado a todos os colaboradores a quem se aplicará a mudança de horário pelas respetivas...

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