Acórdão nº 02382/15.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 09 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução09 de Junho de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: CSM & Filhos, Ldª Recorrido: Vimágua – Empresa de Água e Saneamento de Guimarães e Vizela, EM Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que indeferiu requerida declaração de ineficácia de actos de execução indevida e indeferiu ainda a peticionada adopção das seguintes providências cautelares: a) Suspensão de eficácia dos actos suspendendos - acto de indeferimento proferido pelo Presidente do Conselho de Administração da Vimágua, datado de 27.05.15, relativamente à reclamação apresentada pela Requerente, quanto ao acto de recusa de recepção parcial definitiva da empreitada; e acto pelo qual a Requerida ordena à Requerente a correcção dos defeitos, a iniciar no prazo máximo de 30 dias, proferido pelo Presidente do Conselho de Administração da Vimágua, datado de 27.4.15, com a consequente proibição de a Entidade Requerida accionar e obter o pagamento das garantias prestadas no âmbito do contrato de empreitada supra identificado, relativamente aos trabalhos formalmente não aceites; b) Ser decretada a providência cautelar inominada consubstanciada na imediata libertação das garantias bancárias prestadas, na parte proporcionalmente correspondente aos trabalhos aceites/recebidos para efeitos de recepção definitiva da empreitada de” Redes de Água e Saneamento – Guimarães - Frente Sudeste – 2ª Fase”, cujo valor se relega para execução de sentença.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “A. A Requerente não se conforma com qualquer dos segmentos decisórios da sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que este incorreu, salvo o devido respeito, em MANIFESTOS ERROS DE JULGAMENTO, quer de facto, quer de direito, incorrendo ainda em NULIDADE A SENTENÇA, porquanto existem fundamentos que estão em contradição com a decisão, nos termos do artigo 615.º, alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

DO ERRO DE JULGAMENTO NA APRECIAÇÃO DO REQUISITO DO FUMUS BONI IURIS B. É Nula a sentença porque o Tribunal desde logo ao proferir uma decisão sob um pressuposto absolutamente FALSO e, de resto, contrariado pela própria matéria de facto julgada provada – decidiu sob o pressuposto de facto de estarem em causa garantias bancárias prestadas quando o que efetivamente estão em causa são DOIS SEGUROS-CAUÇÃO, dotados de um regime legal distinto, o que, desde logo, faz inquinar todo o julgamento feito, influenciando definitivamente na decisão proferida – sendo que, caso não se entenda consubstanciar uma Nulidade, então sempre integra fundamento de ERRO DE JULGAMENTO; sem prescindir, C. O Tribunal a quo errou ainda no julgamento ao considerar não existir abuso por parte da entidade contrainteressada no acionamento das cauções prestadas pela Recorrente, considerando a matéria de facto carreada para os autos e os fundamentos de direito invocados; D. O Tribunal a quo errou na qualificação da presente providência cautelar, ao considerá-la e julgá-la como antecipatória, quando a mesma assume natureza conservatória.

Da Nulidade e do Erro de Julgamento ao considerar estarem em causa no thema decidendum o acionamento/pagamento de garantias bancárias: E. Em sede se julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo julgou corretamente provado que a Recorrente, na qualidade de empreiteira, prestou caução no âmbito do contrato de empreitada designado “Redes de Água e Saneamento – Guimarães – Frente Sudeste – 2.ª Fase” através de: iii) Uma garantia bancária com o n.º 125-02-1617671, prestada pelo Banco Comercial Português, SA; iv) Duas apólices, com os números 100.009.642 e 100.007.232 relativas a dois seguros-caução, emitidas pela C... – Companhia de Seguro de Créditos, SA. – facto provado sob o ponto 4 da sentença.

F. Mais considerou provado que a garantia bancária prestada pelo Banco BCP foi paga à Contrainteressada Vimágua, na sequência do acionamento da mesma em 21.09.2016 – facto provado sob o ponto 34 e 35 da sentença.

G. Deveria o Tribunal a quo ter-se centrado na apreciação do acionamento/pagamento das apólices de seguro-caução supra identificadas, e não da garantia bancária.

H. O regime jurídico de ambos os instrumentos de prestação de caução regem-se por regras distintas, o que, por si só, é suscetível de alterar o sentido decisório, conforme se passará a demonstrar.

I.

Do Instrumento “Seguro-Caução” – e respetivo regime jurídico: J. Nos termos do disposto no art. 162.º da Lei do Contrato de Seguro, ao contrário do que sucede com outro tipo de garantias (ex: fiança, garantia bancária), o garante não assume através do seguro-caução o dever de prestar, mas apenas o dever de indemnizar.

K. Do princípio indemnizatório, próprio dos seguros de danos – e estes são seguros de danos – resulta que a prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.

L. A aplicar-se este princípio aos seguros em apreço, necessário seria verificar se o incumprimento teria realmente ocorrido, pois sem este não haveria dano a indemnizar, e a indemnização do segurador teria como limite o do dano sofrido pelo credor com o incumprimento do devedor.

Da garantia bancária vs seguro-caução: M. No que respeita ao seguro-caução, o garante não só exige a verificação do concreto incumprimento, pois sem este não haveria dano a indemnizar, como, a indemnização tem como limite o do dano sofrido pelo credor com o incumprimento do devedor - e são estes os grandes elementos distintivos entre estes dois instrumentos, e para o que agora importa aferir: i) no seguro-caução o garante exige a verificação do incumprimento, enquanto que na garantia bancária bastará a mera comunicação por parte do beneficiário; ii) no seguro-caução o garante indemniza o beneficiário pelo concreto dado causado pelo incumprimento do tomador, até ao limite do valor segurado, enquanto que na garantia bancária o garante presta o valor exigido pelo beneficiário.

N. Nos presentes autos não resulta demonstrado: i) que o incumprimento tenha efetivamente ocorrido por parte da aqui Recorrente, Empreiteira; ii) que a Dona de Obra, aqui Recorrida, tenha quantificado em qualquer momento a dimensão/valor necessário para proceder à correção dos defeitos que imputa ao empreiteiro pela deficiente execução da obra.

Do Abuso no Acionamento das Cauções: O. A garantia bancária à primeira solicitação não é absolutamente autónoma, podendo e devendo o garante (sob pena de perder o direito de regresso contra o mandante) recusar o cumprimento da prestação, isto é, a entrega do montante pecuniário ao beneficiário (isto é, a posição deste pode e deve ser fragilizada, através da invocação da relação base), nomeadamente em caso de fraude manifesta ou abuso evidente, porquanto, acima da regra acordada pelas partes, estão os princípios da boa fé (artigo 762.º n.º 2 do Cód. Civil) e da proibição do abuso de direito (cfr. art. 334.º, do Código Civil).

P. Sem prejuízo de a Recorrente não se conformar com a restrição operada pela decisão recorrida, na parte em que limita a produção de prova líquida à apresentação de prova documental – porque então apenas se permitiria o decretamento de providências com este objeto ao abrigo da alínea a) do artigo 120.º do CPTA (o que manifestamente não sucede, conforme se poderá extrair da diversa jurisprudência existente, relativamente a processos anteriores à revisão do CPTA).

Q. Assim, e sem prejuízo de a Recorrente entender que o Tribunal a quo errou no julgamento ao exigir prova documental para demonstração do abuso no acionamento de garantias – limitando de forma inadmissível o cumprimento do ónus da prova da Recorrente (ónus que é também um direito que lhe assiste, nos termos da lei geral) – erro que expressamente se invoca para os devidos efeitos, R. A verdade é que, entende a Recorrente que os autos contêm MATÉRIA DE FACTO, PROVA POR CONFISSÃO DA RECORRIDA E PROVA DOCUMENTAL INEQUÍVOCA de que o acionamento das cauções prestadas por parte da Vimágua serão sempre em manifesta violação dos princípios da boa fé, e em manifesto abuso de direito.

S. Conforme resulta da matéria de facto, uma dada como provada pelo Tribunal a quo, e outra alegada pela Recorrente, mas que o Tribunal não relevou para a decisão da causa (mas que sempre resultaria provada por documentos ou confissão da Requerida): i) Em 04.07.2008, após a realização da vistoria, foi elaborado e emitido o auto de receção provisória da obra executada pela aqui Recorrente no âmbito do contrato denominado “Concepção e Construção de Redes de Abastecimento de Água e Saneamento na Frente Sudeste de Guimarães – 2.ª fase” – ponto 5 da matéria de facto julgada como provada; ii) A Requerente aceitou provisoriamente a obra sem reservas, tendo sido exarado no auto de receção provisória, “nada a registar” quanto à deteção de realidades que não satisfizessem as disposições do Caderno de Encargos e quanto aos materiais e equipamentos entregues pelo empreiteiro ao dono de obra – cfr. Documento n.º 6 junto ao RI, conforme alegado no artigo 7.º do RI..

iii) Na ausência de estipulação contratual das partes, o prazo de garantia é de cinco anos, nos termos do artigo 226.º do Decreto-Lei nº 59/99 – legislação aplicável a este contrato (doravante RJOP).

iv) Recebida provisoriamente a obra, nos termos do n.º 1 do artigo 219.º do RJOP iniciou-se a contagem do prazo de garantia previsto na lei ou no contrato.

  1. O prazo de garantia terminou em 04.07.2013, ao abrigo do disposto no artigo 226.º do RJEOP – artigo 11.º do RI.

    vi) Em 22.5.2012, a Requerida remeteu à Requerente missiva através da qual reportou a existência de “defeitos da obra, designadamente anomalias no pavimento em betuminoso na Rua de Comandante João Paiva Faria Leite de Brandão da Freguesia de Polvoreira (...) mais concretamente entre os nós 2.18-2.37 e 2.11-2.14”, anexando-se fotografias alegadamente...

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