Acórdão nº 01234/10.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução14 de Junho de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: R…, SA inconformada com a sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC 2007 juros compensatórios e acerto de contas no montante de 3.149.804,83 dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões: 1 - Um destaque de participações sociais geridas pela sociedade cindida constitui uma cisão de um ramo de actividade, para efeitos da neutralidade fiscal, sempre que, em cumprimento do n.° 4 do artigo 73° do Código do IRC, os elementos transmitidos constituam, do ponto de vista organizacional, uma unidade económica autónoma, ou seja, um conjunto capaz de funcionar pelos seus próprios meios, podendo este compreender as dívidas contraídas para a sua organização ou funcionamento.

2 - A lei - naquele n.° 4 ou em qualquer outro preceito - não fornece qualquer esclarecimento ou concretização quanto à qualidade ou quantidade dos elementos que devem estar presentes numa cisão a fim de esta aproveitar o regime em causa. Assim é porque a apreciação da aplicação do mesmo depende sempre de um juízo casuístico, que tenha em conta as características próprias, distintivas, de cada situação particular (é a própria Jurisprudência europeia citada na Sentença que o diz).

3 - Se tal não sucedesse, era impossível cumprir o espírito do regime da neutralidade, que impõe que se averigúe se a operação tem uma racionalidade económica susceptível de beneficiar do desagravamento fiscal: sob pena de não se conseguir apreender correctamente a racionalidade específica de cada negócio, não se pode fazer depender a existência dessa racionalidade da transferência, num processo de cisão, de determinados elementos, como se um único raciocínio quanto a esse aspecto pudesse valer para todo e qualquer caso.

4 - Não se pode dizer que uma cisão, seja em que negócio for, só tem uma justificação racional se incluir a transmissão de trabalhadores, de contratos de prestação de serviços, de máquinas, de contratos de financiamento, de programas informáticos ou de quaisquer outros elementos (assim como não faz sentido fazer o mesmo raciocínio presuntivo quanto à quantidade dos elementos): existem casos que requerem a transferência de uns elementos, casos que exigem a de outros, situações em que é necessária a passagem de vários ou todos os elementos e outras em que basta um tipo específico de elementos; do mesmo modo, casos há em que são mais importantes elementos materiais (como trabalhadores) e outros em que são mais relevantes elementos incorpóreos (como participações sociais, posições devedoras ou credoras, contratos de prestação de serviço).

5 - No caso particular da cisão de uma actividade de detenção e gestão de participações sociais, a concretização do conceito de “funcionamento pelos próprios meios” está mais ligado a uma capacidade de, economicamente e sem serem alienados, os activos destacados serem susceptíveis de se proverem por si, e sem contribuições adicionais de activos, do que ao mero facto de disporem no seu seio de um ou outro trabalhador dependente ou de um outro computador exclusivamente afecto a esses activos: fundamental, nestes casos, é a existência, antes e depois da operação, de recursos adequados e proporcionais ao desenvolvimento do negócio, sejam eles próprios ou cedidos por terceiro e a verificação de uma actividade efectiva, naturalmente, desenvolvida por trabalhadores, prestadores de serviços contratados ou pelos próprios administradores.

6 - O sentido deste entendimento prende-se naturalmente com a natureza da actividade holding, que se distingue de forma evidente das actividades “operativas” comerciais ou industriais (isto é, do exercício directo de actividades económicas): a gestão de participações sociais não requer a congregação de meios humanos e corpóreos relevantes, sendo que na maior parte dos casos, basta a existência de um órgão de administração, da sede da sociedade (que pode ser própria, arrendada ou utilizada por via de um contrato de comodato) e da estrutura de registo dos títulos transferidos, tendo ainda uma sociedade que a leve a cabo de dispor de meios próprios ou requisitados a terceiros para a prossecução da contabilidade da sociedade, das obrigações tributárias e do secretariado geral (actividades a que soe apelidar-se de “back-office”).

7 - Numa cisão, é irrelevante que os mesmos computadores que antes do destaque eram utilizados no âmbito de duas ou mais actividades continuem a servir para a gestão de todas depois da operação - incluindo a actividade cindida -, quando são tão frequentes os casos de grupos económicos em que, por desnecessidade de duplicação de meios, as empresas os partilham. 8 - Por outro lado, as mais das vezes, a gestão em causa não requer uma infra-estrutura de apoio de uma importância tal que exija a constituição de um quadro de pessoal próprio e a aquisição, a título de propriedade, de meios materiais, recorrendo as SGPS aos meios que lhes podem ser disponibilizados pelas suas participadas ou por empresas terceiras subcontratadas.

9 - Ora, na situação em apreço, estão verificados todos os requisitos exigidos pela lei: em primeiro lugar, os bens transmitidos já estavam agrupados no património da sociedade cindida de modo a formarem uma unidade organizacional (já desempenhavam uma função autónoma): antes da operação, era já possível identificar e distinguir na R..., de forma clara, dois ramos de actividade - de uma banda, a gestão de participações; da outra, a construção civil e obras públicas -, tendo a Recorrente, em virtude da cisão, passado a concentrar apenas aquele segundo ramo, dirigindo para a esfera da R... SGPS as partes de capital de outras sociedades que ela detinha (com a excepção imaterial, forçada e não intencional, das participações nas sociedades concessionárias de cujos contratos de adjudicação resultava que as empresas que participavam na construção das estradas para as quais aquelas sociedades foram constituídas não poderiam alienar as suas participações antes da conclusão das obras).

10 - Repare-se, aliás, que as participações que foram sendo adquiridas pela R... foram-no - reiterada, paulatina e coerentemente - em poucos e determinados sectores económicos (a concessão de auto-estradas, a hotelaria e as energias renováveis), pelo que se conclui que a sua actividade de aquisição, detenção e gestão de participações sociais não constitui um mero acumular de investimentos especulativos, mas o fruto de uma aposta sustentada, a longo prazo, em estrita colaboração com as sociedades detidas e com um plano de negócio bem definido, como é típico do exercício de uma actividade económica, lucrativa, no sentido mais próprio da definição.

11 - Em segundo lugar, não foram destacadas da R... apenas as participações por ela detidas, mas também todos os elementos patrimoniais a elas funcionalmente ligados, nomeadamente os empréstimos, as prestações suplementares e as garantias.

12 - Estes outros elementos não são despiciendos: pelo contrário, eles são fundamentais no exercício da gestão de participações, na medida em que são uma função ou obrigação essencial dos sócios ou accionistas das sociedades comerciais e, consequentemente, uma condição do potencial produtivo - ou lucrativo - daquela actividade de gestão de participações.

13 - Portanto, uma vez que teve lugar a transferência dos activos e dos passivos associados às partes sociais destacadas, daí resultou uma cisão-fusão de elementos com assinalável autonomia financeira, isto é, de um conjunto de activos capaz de funcionar economicamente pelos seus próprios meios (termos em que a doutrina e a jurisprudência europeias têm vindo a densificar a necessidade de autonomia e unidade funcional dos activos transmitidos em operações susceptíveis de aproveitarem o benefício da neutralidade fiscal).

14 - Para além disso, relativamente ao substrato pessoal, a R... SGPS dispõe de um conselho de administração composto por cinco administradores, os quais transitaram precisamente da R..., onde exerciam a gestão das participações em causa. A eles cabe exclusivamente a direcção dos negócios da SGPS.

15 - O que respeita aos serviços de apoio - contabilidade, fiscalidade, operações com títulos e respectiva custódia -, a SGPS conta com a dedicação do departamento administrativo e de contabilidade da sua participada R... , o qual, nas quatro ou cinco ocasiões em que, durante o ano, tem a seu cargo os assuntos da R... SGPS (essencialmente nos períodos de fecho e aprovação de contas e de reuniões do Conselho de Administração), o faz por iniciativa e a pedido da Administração desta última, utilizando, para o efeito, meios materiais pertença da primeira, nomeadamente computadores, salas ou mobiliário.

16 - À luz do que vem dito, conclui-se que a operação em apreço nos autos se concretizou num destaque e incorporação de um verdadeiro ramo de actividade - que era autónomo na esfera da sociedade cindida e o continuou a ser na da sociedade beneficiária. Não se poderia pois ter dado como provada a tese de que não existia nenhuma organização autónoma respeitante à gestão das partes de capital, que tenha sido transferida para a R... SGPS, porque esta não possuía qualquer tipo de recursos materiais e humanos afectos à sua actividade, antes da cisão-fusão, e continuou a deles não dispor depois da operação.

17 - Em conclusão, o Tribunal recorrido recusou a aplicação do regime da neutralidade à cisão-fusão em apreço sem ter refutado minimamente a factualidade aduzida pela Recorrente, que demonstra que a operação teve uma racionalidade empresarial estrita e perfeitamente compreensível, pelo que a decisão sofre de uma contradição insanável: por um lado, aceita os factos nos exactos termos em que a Recorrente os expôs, quer quanto às motivações económico-empresariais que conduziram à operação, quer quanto à demonstração de que os elementos transmitidos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT