Acórdão nº 00455/17.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Agosto de 2017

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução30 de Agosto de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório VLSS, com os sinais nos autos, no âmbito da Providência Cautelar que apresentou contra o Município do Porto, tendente, em síntese, à suspensão de eficácia do despacho proferido, em 12/12/2016, pelo Vereador do Pelouro do Comércio, Turismo e Fiscalização, pelo qual foi ordenada a correção/alteração das obras realizadas pela Requerente na sua fração autónoma, inconformada com a decisão proferida no TAF do Porto, em 9 de maio de 2017, julgou improcedente o presente pedido cautelar e, em consequência, absolveu o Requerido do pedido, veio recorrer da decisão proferida, concluindo: “PRIMEIRA 1. Da sentença proferida pelo Tribunal a quo, resultou evidente que este considerou que as obras realizadas pela requerente/recorrente VLSS na sua habitação desdobraram-se em duas vertentes essenciais: (1) o encerramento da varanda da fração, com caixilharia em vidro e alumínio; (2) a demolição parcial da parede que constituía a fachada posterior da mesma fração; referente ao compartimento da sala (Vide, página 17 da sentença de que se recorre).

  1. Nessa mesma sentença, e quanto ao argumento da requerente/recorrente de que ambas as obras estavam abrangidas pelo conceito legal de obras de escassa relevância urbanística, o Tribunal a que foi claro e assertivo ao fundamentar a sentença no pressuposto de que o fumas bani iuris não estava demonstrado no que toca à demolição parcial da parede que constituía a fachada posterior, porquanto apenas esta operação não era cabível no conceito de obra de escassa relevância urbanística, o mesmo já não se passando com a construção da marquise, como se pode ver: 3. "Este último elemento (demolição da parede da fachada) é, pois, determinante para se concluir não estarmos exclusivamente perante a mera construção de uma marquise, como tal enquadrável no conceito de obra de escassa relevância urbanística nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º B¬1/31.º do CRMP.".

  2. Consequentemente, o Tribunal a quo admitiu que uma das vertentes essenciais das obras realizadas pela recorrente VLSS, isto é, o encerramento da varanda da fração, com caixilharia em vidro e alumínio, é enquadrável no conceito de obras de escassa relevância urbanística e portanto excluído da tutela fiscalizadora da requerida CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO.

  3. Tal conclusão, que resulta evidente da sentença proferida pelo Tribunal a quo: e deveria ter sido considerada na decisão final, com o deferimento parcial da providência cautelar requerida sobre essa vertente essencial das obras realizadas pela recorrente/requerente, excluindo-a e protegendo-a assim do âmbito de incidência do despacho impugnado.

  4. Se o Tribunal a quo, face aos factos dados como provados, entendeu que, dos dois vícios/ilegalidades imputados às obras realizadas pela requerente/recorrente na sua habitação apenas um desses não é suscetível de configurar o fumos boni iuris por não se enquadrar no conceito de obras de escassa relevância urbanística - o que não se concebe e só por mero dever de patrocínio se equaciona, sem nunca se conceder - deveria ter proferido sentença que decidisse no sentido de conceder parcialmente a providência requerida, isto é, e perante o caso concreto, reconhecendo como sumariamente demonstrado o direito a manter a marquise erigida pela requerente/recorrente pela verificação do fumos boni iuris e demais requisitos quanto a essa parte das obras.

  5. Ao não tê-lo feito, o Tribunal a quo toma a parte pelo todo, desconsidera a fundamentação da sua própria sentença e o iter cognoscitivo que a enformou, estendendo ilegitimamente o juízo de improcedência da providência cautelar que recaiu apenas sobre uma das vertentes essenciais das obras realizadas pela requerente/recorrente, ou seta, a demolição parcial da parede que constituía a fachada posterior da mesma fração, referente ao compartimento da sala, a outra das vertentes essenciais das obras realizadas, que não mereceu o mesmo juízo, tendo inclusive sido admitida a sua inclusão no conceito de obra de escassa relevância urbanística (Vide, pág. 17 da sentença).

  6. Ao reconhecer sumariamente que o encerramento da varanda da fração, com caixilharia em vidro e alumínio, é enquadrável no conceito de obras de escassa relevância urbanística e portanto excluído da tutela fiscalizadora da requerida CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, o Tribunal a quo estava obrigado a conceder provimento parcial à pretensão da requerente/recorrente expressa na providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo.

  7. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 e no n.º 2 do art. 120.º do CPTA, uma vez que quando se admite na lei que as providências cautelares serão concedidas desde que "seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente", tal comando normativo abrange a providencia cautelar em todos os seus elementos e não apenas uma parte, podendo inclusive ser deferida parcialmente quando os atos materiais em discussão, e referentes ao objeto da causa de pedir suscetíveis de análise autónoma e independente, como o caso dos autos.

  8. O n.º 1 e o n.º 2 do art. 120 de CPTA, quando alude ao requisito do fumus boni iuris, deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido de que as providências cautelares podem e devem ser parcialmente concedidas quando a pretensão dos requerentes se desdobra em vários segmentos autónomos, como o caso dos autos, em que existem duas vertentes essenciais das obras objeto cujo despacho suspendendo "pretende" corrigir/alterar, mas em que só uma dessas vertentes não preenche o requisito da aparência do bom direito.

  9. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu também na nulidade de contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que admitiu no corpo da sua sentença que a construção de uma marquise é, sumariamente e no caso dos autos, uma obra integrável no conceito legal de obras de escassa relevância urbanística e, portanto, excluída da tutela fiscalizadora da requerida, mas, na decisão final, não deferiu parcialmente a providência requerida no sentido de não ser ordenada a alteração/correção dessa obra excluída da tutela fiscalizadora da recorrida.

  10. Em consequência, deverá a sentença ser parcialmente revogada e substituída por outra em que se reconheça sumariamente o fumus boni iuris e demais requisitos da providência cautelar requerida quanto à alegação da requerente/recorrente VLSS de que o encerramento da varanda da fração, com caixilharia em vidro e alumínio, é enquadrável no conceito de obras de escassa relevância urbanística estando portanto excluído da tutela fiscalizadora da requerida CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, não podendo essa operação material ser afetada pelo despacho suspendendo que visa a correção/alteração dessas obras em concreto.

    SEGUNDA 13. O Tribunal a quo precipitou-se ao considerar que a demolição parcial da parede que constituía a fachada posterior da fração propriedade da requerente/recorrente, referente ao compartimento da sala, constituiu uma operação material não enquadrável no conceito de obras de escassa relevância urbanística.

  11. Apesar de explicitamente deixar consignado na sentença que: "(...) para se aferir se as obras em causa devem se reconduzidas ao conceito de obras de escassa relevância urbanística, o tribunal tem, muitas vezes, de encetar um esforço no sentido de indagar se as obras em causa revestem essas características, bem como determinar quais as consequências, em sede de licenciamento, decorrentes de tal classificação. Ora, essas tarefas de interpretação e aplicação da lei revelam-se normalmente complexas, reclamando uma exaustiva tarefa de apuramento da matéria de facto e de subsunção jurídica que é mais compatível com o processo principal e não com o processo cautelar." (página 15 da sentença).

  12. Com efeito, o Tribunal a quo não demonstrou, através da fundamentação constante da sentença, mesmo por apelo aos factos considerados como provados, em que termos é que a demolição meramente parcial da parede que constituía a fachada posterior da fração propriedade da requerente/recorrente representou uma demolição de tal ordem significativa que representasse uma afetação da estrutura da parede ou sequer da contribuição desta para a manutenção da estrutura da fração autónoma ou do edifício onde está inserida, a qual, em sentido afirmativo, a sujeitaria a uma averiguação e licenciamento prévios.

  13. Nos autos nada resulta que identifique em concreto e com segurança que a demolição parcial da parede em questão pela requerente/recorrente foi de tal ordem que a parede deixou de ter as características essenciais (em termos de espessura, área, etc) para cumprir a sua função principal de divisão da fração ou mesmo do seu contributo para a manutenção da sua integridade estrutural.

  14. O apuramento concreto da modificação material operada na parede em questão tornava-se assim essencial para uma boa decisão da causa, ainda que a nível sumário.

  15. Esse apuramento seria efetuado com o recurso à prova testemunhal que o Tribunal a que rapidamente dispensou por erroneamente ter entendido que os elementos dos autos eram suficientes para criar uma convicção segura sobre a integração, ou não, da demolição parcial da parede no conceito de obra de escassa relevância urbanística, quando na verdade nada nos autos permitiam chegar a essa conclusão com o mínimo de segurança já que não existem elementos que especifiquem ou esclareçam em quantos centímetros, decímetros, metros importou a referida demolição parcial da parede ou sequer se essa demolição é de tal modo insignificante que a tutela urbanística eventualmente em questão se revela desajustada a uma Intervenção camarária no caso concreto, porque desproporcional.

  16. Em consequência disso, o Tribunal a quo estava obrigado a admitir a produção de prova testemunhal no sentido de aquilatar a dimensão concreta da demolição...

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