Acórdão nº 01920/09.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelVital Lopes
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE 1 – RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por C… à execução fiscal n.º1783200701005936 e apensos, contra ele revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “Q…, Lda.”, por dívidas de IVA, IRC, IRS e Coimas fiscais, relativas aos anos de 2005, 2006 e 2007, no montante de 23.617,10€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.289).

Na sequência do despacho de admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões: A.

Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera que a factualidade fixada na douta sentença é manifestamente insuficiente para afastar a culpa do oponente no não pagamento dos impostos em dívida.

Assim, B.

O oponente exerceu as funções de gerente de facto e de direito da devedora originária no período em que ocorreu o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, pelo que o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento das quantias exequendas recai sobre ele.

C.

No caso em apreço e ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, não cremos que tenha sido feita a prova da inexistência de culpa do oponente pelo não pagamento de tais dívidas, contrariamente ao doutamente decidido.

D.

Em sede de petição inicial o oponente afirmou nunca ter alienado ou dissipado qualquer elemento do património social da devedora originária. Porém , inexistindo nos autos qualquer prova documental do facto, mas apenas prova testemunhal.

E.

Na mesma peça, o oponente alegou ainda a existência de créditos sobre clientes da devedora originária, no montante estimado em 190.000,00€, e que estavam judicialmente accionados, conforme cópias [5 documentos] dos documentos juntos aos autos.

Vejamos, F.

Resultou provado nos autos que o valor mais significativo das dívidas em reversão [20.186,56€] é relativo a IVA do ano de 2006. Assim, G.

A acção ordinária que correu termos pela 1.ª secção da 2ª Vara, Varas Cíveis do Porto sob o n.º 3924/07.0TVPRT, intentada pela devedora originária e pelo oponente contra o BANIF respeita a um pedido de indemnização por factos ocorridos em 2004 [facto provado sob o n.º 4], não resultando da decisão qual o valor devido pelo Banif à sociedade devedora originária. Sabe-se apenas que ao ora oponente foi atribuído o valor de 500,00€.

H.

Este facto, porém, não pode assumir a expressão pretendida de prova da falta de culpa do oponente, pois não se trata de uma dívida de um cliente e é anterior às dívidas tributárias em discussão nos autos.

I.

Quanto à dívida a que se refere a acção de condenação instaurada pela sociedade devedora originária contra a firma D…, Lda que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar sob o n.º 2929/10.9TBGDM [facto provado sob o n.º 7] a mesma refere-se a uma dívida com origem em Fevereiro/Março de 2007 [factura n.º 919, 22.02.2007] mas cuja demanda judicial apenas foi promovida em 2010 (ano de instauração do processo).

J.

À semelhança do facto provado no n.º 4, afigura-se-nos que também este [n.º 7] não tem grande relevância nesta sede, porquanto se desconhece qual o montante efectivamente em dívida pelo cliente e qual a representatividade que o crédito/cliente tinha no giro comercial da empresa.

K.

Impunha-se, pelo menos, que o oponente tivesse junto aos autos os extractos de conta corrente do cliente, através dos quais fossem apurados os montantes pagos e os montantes em dívida relativamente ao citado fornecimento de equipamentos.

L.

O mesmo argumento é válido, com as necessárias adaptações, para o requerimento de injunção que a devedora originária intentou contra o cliente “Piscinas…”. O requerimento foi apresentado em 2011 [facto provado sob o n.º 5], bem como para o requerimento executivo intentado contra o cliente M…, Lda, pois a dívida ter-se-á constituído em 2005.

M.

A dívida referente ao processo n.º 2718/04.TAGDM [facto provado sob o n.º 8] foi constituída em 2004, ou seja, em momento anterior às dívidas executivas em discussão nos presentes autos, pelo que não tem a desejada relevância.

N.

O requerimento executivo intentado contra o cliente M…, Lda, sob o n.º 131051/08.0YIPRT, a dívida ter-se-á constituído em 2005, no valor global de 15.330,90€ [facto provado sob o n.º 6], pelo que, respeita a um período anterior à constituição da dívida executiva.

O.

As dívidas de clientes invocadas pelo oponente e documentalmente provadas não se reportam, na sua maioria, aos períodos a que respeitam as dívidas exequendas, pelo que, não lhes pode ser atribuída relevância para afastar a culpa do gestor.

Acresce ainda, P.

Que o oponente não demostrou nem provou qual o modelo de organização e funcionamento da empresa [devedora originária], designadamente, o tipo de negócio, a matéria prima necessária, a existência de stocks, a mão de obra, etc.

Q.

Importava também avaliar, no contexto empresarial, quais os principais fornecedores e clientes e sua representatividade no volume de negócios anual, quais as dívidas de clientes e respectiva expressão quantitativa versus volume de negócios.

R.

Pois só a partir desses elementos é que o Tribunal poderá aferir, em concreto, da existência ou inexistência de culpa no não pagamento dos impostos em dívida.

S.

Não obstante e ainda que se possa aceitar que o oponente não tem culpa pelo não pagamento das dívidas exequendas e que foi um gestor cuidadoso, não nos parece haver nos autos elementos suficientes para o efeito.

T.

De salientar que, no caso em apreço, os montantes advêm de impostos legalmente repercutidos a terceiros e apurados nas declarações/guias enviadas pela sociedade devedora originária aos serviços fiscais desacompanhadas dos respectivos meios de pagamento e que terão entrado na esfera jurídica da devedora originária, mas que não foram entregues ao Estado.

U.

Ressalvado o devido respeito por melhor opinião, tal como foi exposto supra, as diligências efectuadas no sentido de cobrar os créditos existentes, não permitem afastar o comportamento culposo por parte do oponente no não pagamento dos créditos fiscais, V.

pelo que, decidindo em sentido contrário, a douta sentença recorrida violou o disposto na al. b), do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a acção improcedente e ordene a prossecução dos processos de execução fiscal.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as devidas consequências legais».

O Recorrido apresentou contra-alegações do seguinte teor: «Apesar do muito respeito e apreço pelas doutas alegações do Representante da Fazenda Pública, afigura-se que o recurso não merece provimento.

  1. A douta sentença em recurso fundamenta adequadamente quer sob o ponto de vista de facto quer sob o ponto de vista de direito a solução do litígio: a) Sob o ponto de vista de facto, ao contrário do recorrente, teve em conta que não é possível, a prova de facto negativo (inexistência de culpa), b) O dever de cuidado e diligência do recorrido está claramente demonstrado; c) A visão diacrónica dos factos provados é absolutamente correta, por parte da sentença recorrida; d) A visão sincrónica dos factos com o toque de desconstrutivismo ao jeito de J. Derrida, não é adequado ao padrão do “bonus pater famílias” ou “homem médio”, o que faz o recorrente; As metodologias e princípios gnoseológicos da sentença afiguram-se corretíssimos, ao contrário das conclusões do recurso de que são as balizas.

    Obviamente que antes de demandar quem quer que fosse, o recorrido, através do originário devedor, fez diligência no sentido da cobrança... acabando por ter de lançar mão dos meios judiciais.

  2. Não merece, pois, qualquer censura a sentença recorrida.

    Termos em que, na improcedência das conclusões da alegação, deve improceder o recurso».

    O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitiu mui douto parecer em que conclui dever ser negado provimento ao recurso.

    Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

    2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente, a questão que importa resolver reconduz-se a saber se o oponente fez prova da ausência de culpa na insuficiência de bens da devedora originária para pagamento das dívidas exequendas.

    3 – DA MATÉRIA DE FACTO Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida: «Factos Provados Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: 1) O Serviço de Finanças de Gondomar 1º instaurou em 2007 o processo de execução fiscal n.º 1783200701005936 em nome de Q…, Lda., NIPC 5…, por dívidas de IRC do exercício de 2005 no valor de €1.617,73 – cfr. fls. 13 dos autos.

    2) Ao processo de execução fiscal a que se alude em 1) foi...

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