Acórdão nº 00551/16.5BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução13 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: S..., Empresa de Segurança Privada, Lda veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 31.10.2016, pela qual se declarou “caduca a providência cautelar provisoriamente decretada e extinto o presente processo cautelar”, face à intempestividade da acção principal.

Invocou pra tanto, em síntese, que ao contrário do decidido o acto impugnado não padece apenas de vícios susceptíveis de mera anulabilidade mas de vícios geradores de nulidade pelo que a acção principal, de impugnação, não está sujeita a prazo.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida no dia 31 de Outubro de 2016 pela 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito do processo cautelar que corre termos sob o número 551/16.5BEBRG, que declarou “caduca a providência cautelar provisoriamente decretada e extinto o (…) processo cautelar”.

B. A decisão contida na sentença recorrida assenta no pressuposto de que o prazo para a propositura da acção principal seria de apenas 3 meses – na medida em que “o vício do acto de indeferimento em que se funda a respectiva invalidade e, em consequência, a sua pretensão, corresponde ao de erro sobre os pressupostos de facto, gerador da mera anulabilidade daquela decisão administrativa” – razão pela qual o caso dos autos deveria subsumir-se à hipótese legal do artigo 69º/2 do CPTA.

C. Tal entendimento não está, porém, do ponto de vista jurídico, correto, na medida em que são vários os vícios que apontam para a nulidade do referido acto de indeferimento.

D. É assim, desde logo, porque – como reconheceu a Entidade Recorrida no ponto 5 do parecer sobre o qual incidiu a aposição manuscrita da decisão do recurso hierárquico – relativamente a um dos dois Alvarás de que a Recorrente é titular, a decisão de não renovação foi tomada sem que, contanto, o órgão instrutor tivesse tramitado o respectivo processo, aferido dos respectivos pressupostos ou tão pouco emitido qualquer tipo de pronúncia sobre os fundamentos de recusa, estando portanto verificados os requisitos do artigo 161º/2, alínea l), do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual são nulos “os actos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido”.

E. Em segundo lugar, a omissão de qualquer fundamentação no acto em causa relativamente à não renovação do Alvará A de que a Recorrente é titular constitui, pelo alcance da decisão em causa – que, recorda-se, a manter-se, conduzirá necessariamente à imediata insolvência da S..., ao despedimento de mais de 120 pessoas e à imediata colocação em causa da segurança das várias centenas de entidades públicas e privadas (aproximadamente 1000, ao todo) que dela dependem, incluindo Hospitais, Câmaras Municipais, Lares e pessoas e bens em estado de especial vulnerabilidade – um caso de especial gravidade e intensidade que, de tão chocante, terá de necessariamente conduzir à sua nulidade por manifesta violação grave e grosseira do princípio da fundamentação.

F. Em terceiro lugar, deve ter-se presente que o acto de não renovação dos Alvarás – ao determinar a extinção das autorizações de que a S... é titular, que lhe permitem levar a cabo os serviços de segurança privada, que constituem a única actividade permitida pelo seu objecto social – afecta, em toda a sua extensão, afectando por isso necessariamente o seu núcleo central, o direito fundamental da Recorrente, dos seus legais representantes e trabalhadores “à iniciativa económica privada”, estabelecido no artigo 61º da Constituição da República Portuguesa.

G. Se para além dessa afectação total do núcleo central desse direito fundamental – ou melhor da sua total remoção da esfera jurídica da Recorrente –, tivermos em consideração que o acto foi praticado em violação, grave e grosseira, do regime jurídico pelo qual se rege o acesso ao exercício da actividade segurança privada, na medida em que a Entidade Requerida tomou a decisão de não renovar os dois Alvarás de que a Recorrente é titular depois de: - por sua escolha, ter apenas ter apenas tramitado o procedimento (e apreciado os requisitos) relativamente a um deles, em manifesta violação do artigo 161º/2, alínea l), do CPA; - não ter notificado a S... do relatório da inspecção realizada às suas instalações, em manifesta violação do artigo 29º/3 da Portaria n.º 273/2013; - ter omitido até à tomada de uma decisão final as deficiências por ela supostamente detectadas, em manifesta violação do artigo 29º/3 da Portaria n.º 273/2013; - ter negado à Recorrente o direito a reparar as deficiências por ela detectadas, em manifesta violação do artigo 29º/3 da Portaria n.º 273/2013; - não ter procedido à realização de uma “nova inspecção” às instalações da Recorrente, em manifesta violação do artigo 29º/3 da Portaria n.º 273/2013; - ter remetido à Requerente sucessivas missivas em que, sem qualquer fundamento jurídico, a notificou de que a decisão de não renovação dos Alvarás era definitiva, apesar de ser do seu conhecimento que ela se encontrava impugnada; - ter por diversas vezes referido à Recorrente que ela deveria suspender de imediato a sua actividade “sob pena de cometimento de ilícito criminal, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 34/2013”.

- se se tiver tudo isso em consideração, dizia-se, pode apenas concluir-se que o acto em causa está também ferido de nulidade por força do regime do referido artigo 161º, n.º 2, alínea d), do CPA.

H. Em quarto lugar, o acto de não renovação dos Alvarás constitui, também pelo prisma da inequívoca violação do princípio do contraditório de que ele enferma, um acto nulo, nos termos do artigo 161º/2, alínea d) do CPA.

I. É, assim, desde logo, porque, como se expôs, o acto em causa foi praticado sem que a Requerente tenha alguma vez sido notificada do relatório das deficiências que lhe são imputadas ou tenha delas tido conhecimento por qualquer outra forma e sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de, em devido tempo, as reparar ou sido ordenada uma “nova inspecção” – e tudo isto, como se viu também, em flagrante violação do artigo 29º/3 da Portaria n.º 273/2013 de 20 de agosto.

J. E é também assim porque, como se veio a perceber no final do procedimento, o acto tomado pela Entidade Requerida constituiu o pior e mais punitivo acto que uma pessoa colectiva pode ter, consubstanciado na impossibilidade de realizar a única actividade que, por força do princípio da especialidade do objecto a que estão adstritas todas as pessoas colectivas, ela pode realizar – em termos práticos, o acto em causa corresponde à extinção da Recorrente – na medida em que implicará a sua insolvência – ao desemprego de mais de 120 pessoas e a imediata colocação em situação de especial vulnerabilidade e alarme real de centenas de pessoas e bens.

K. Por último, importa salientar que, na pendência do procedimento em causa, o órgão instrutor veio a emitir uma a Circular n.º 07/SP/2015, de 14 de Setembro de 2015, através da qual o DSP – reconhecendo que o REASP impunha às empresas do sector um “conjunto de requisitos de ordem técnica, em relação às suas instalações operacionais, onde o grau de dificuldade de supressão era manifesto” – veio eliminar ou postergar no tempo a exigência do cumprimento de vários dos requisitos técnico-funcionais de que depende a atribuição e/ou renovação dos alvarás.

L. Tal circular é particularmente relevante para o caso sub judice, por um lado, porque a Entidade Requerida vem nela reconhecer expressamente que os requisitos técnico-funcionais – que tantos custos pessoais, técnicos e financeiros trouxeram à Recorrente – eram de um “grau de dificuldade de supressão manifesto”, o que, claro, contradiz flagrantemente um dos fundamentos da decisão de não renovação dos Alvarás da Recorrente, particularmente, a parte da decisão do recurso hierárquico em que se invoca que “toda a tramitação processual decorreu longamente e excedeu, largamente, o habitual” (ideia que repetiu, por exemplo, neste processo ou na acção principal).

M. Tal circular é ainda relevante pelo facto de uma das condições técnico-funcionais que a Entidade Requerida afirmava, na decisão de 7 de Julho de 2015, estar em incumprimento se encontrar directamente relacionada com um dos requisitos que, de acordo com a Circular n.º 07/SP/2015, de 14 de Setembro de 2015, passaram a estar dispensados até 1 de Setembro de 2018.

N. Ao atribuir à S... um tratamento altamente desfavorável face ao que, simultaneamente, ia concedendo aos outros operadores do sector – nomeadamente àqueles que, por se terem atrasado na implementação das adaptações ao REASP, iniciaram o respectivo procedimento mais tarde – a Entidade Requerida violou de forma flagrante o princípio da igualdade, o qual constitui, como se sabe, um dos mais basilares e axiais princípios estruturantes do ordenamento jurídico português, tendo igualmente violado alguns concretos imperativos de tratamento igualitário de índole constitucional que dele decorrem – desde logo, a obrigação que incumbe à Administração de “assegurar a igualdade de oportunidades” [cf. artigo 81º, b)] ou de guiar a sua actividade com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé [cf. artigo 266º/2] – razão pela qual, deve, também por esta via, o acto em causa ser tido como nulo, nos...

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