Acórdão nº 01680/06.9BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: O EXMO. REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Viseu que julgou procedente a oposição deduzida por J...

contra a reversão da execução instaurada contra a sociedade “Indústria… Lda.” dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões: Em conclusão:

  1. Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a oposição à execução fiscal em referência, com a consequente extinção do processo de execução fiscal n.º 2585200701002520 e apensos relativamente ao oponente.

  2. O aludido processo executivo e seus apensos correm termos no Serviço de Finanças de Nelas para cobrança de dívidas tributárias temporalmente situadas no período de 2000 a 2002, respeitando a IRC e a IVA, cifrando-se em € 164.636,45 o montante da dívida.

  3. Considerou-se na sentença sob recurso que “…a Fazenda Pública não logrou demonstrar que o Opoente, haja exercido, de facto as funções de gerência, da sociedade executada, conforme resulta do probatório. Sendo pressuposto da responsabilidade subsidiária a prática de atos em nome e por conta da sociedade devedora originária por parte do Oponente, que a Fazenda Pública não logrou provar, dúvidas não restam de que o Oponente não é pessoa legítima na reversão que contra ele foi determinada pela AT”.

  4. A este respeito refere a douta sentença que “mesmo quanto ao contrato de arrendamento celebrado, nele encontram-se apostas as assinaturas das pessoas que pelo contrato de sociedade obrigam a sociedade devedora originária, sem que daí se possa concluir que, efetivamente, o Oponente exerceu a gerência, de facto dessa devedora”.

  5. Consta, ainda, da decisão que “resulta mesmo da experiência comum que muitas das vezes um dos intervenientes com a assinatura não é mais do que a conferência de forma legal ao documento, como é, por certo, no presente caso”. A despeito do mesmo contrato, afirma o decisor que “no que tange à assinatura, por parte do Oponente de um contrato de arrendamento, de forma isolada, julgamos que tal facto é manifestamente insuficiente para se concluir que o Oponente exerceu efetivamente a gerência de facto da sociedade”.

  6. Na Fundamentação de Direito refere-se que “por outro lado, a prova produzida nestes autos aponta no sentido que o Oponente, no período de 2000 a 2002, era agricultor dedicando-se à criação e venda de ovinos, vendendo leite e, por vezes, queijo. Note-se que, como resultou do depoimento da testemunha, F…, a ovinicultura exige um horário de trabalho alargado, podendo a jornada iniciar-se às 05h00 e terminar à noite”.

  7. Da Motivação da matéria de facto consta, entre o mais, que “para a formação da convicção do Tribunal, também contribuíram os depoimentos das testemunhas ouvidas na inquirição”. Afirmando-se adiante que “relativamente ao depoimento das testemunhas José… e M…, funcionários do Serviço de Finanças de Nelas, julgamos que a eventual deslocação do Oponente ao Serviço de Finanças para tratar de assuntos da executada bem como a sua presença na sede da sociedade, só por si, são manifestamente insuficientes para provar a existência da gerência de facto, por parte do Oponente”.

  8. Ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que, da factualidade e provas existentes nos autos e bem assim do direito ao caso especificamente aplicável, não se poderá extrair a conclusão que a sentença retira.

  9. Previamente, cumpre referir, com a devida vénia, que o Tribunal a quo explica, aliás com particular justeza e oportunidade, o que são atos típicos de gerência e releva bem a importância da vinculação societária perante terceiros, naquilo que são materiais e representativas demonstrações da atuação de uma pessoa coletiva no comércio jurídico, nas relações que estabelece com as entidades que em torno dela gravitam.

  10. No entanto, e com a ressalva do devido respeito, a sentença em apreço aplica de forma incorreta à concreta situação dos autos os sapientes ensinamentos da jurisprudência e da ciência jurídica que convoca.

  11. Afigura-se-nos absolutamente incompreensível, que, existindo um instrumento jurídico válido, no caso um contrato de arrendamento assinado pelo oponente em representação da devedora originária, ainda por cima, outorgado em momento coincidente com o das dívidas executivas, se possa ajuizar que esse documento não permite concluir o exercício da gerência de facto. Trata-se, há que reconhecê-lo, de um entendimento inédito.

  12. Em face do juízo do julgador, somos ainda levados a concluir que a assinatura de qualquer documento ou instrumento negocial, se subsume na prática de um ato revelador da gerência de direito, o que não se concebe. Nem tão pouco se compreende a que regras da experiência comum se refere o Tribunal quando afirma que muitas das vezes um dos intervenientes com a assinatura não é mais do que a conferência de forma legal ao documento. Com o devido respeito, além de não ter qualquer adesão à realidade negocial da vida societária, esta conclusão afigura-se-nos completamente desacertada.

  13. Ora, tratando-se, como é o caso, de um instrumento jurídico válido do qual emergem obrigações e direitos para os contratantes, este ato configura o exercício de uma operação externa e vinculativa de representação da pessoa coletiva, enquadrável na noção de gerência de facto da sociedade.

  14. A base instrutória encontra-se incorretamente elaborada, na medida em que dela não consta qualquer referência aos documentos oportunamente juntos aos autos pela Fazenda Pública, passíveis de insofismavelmente demonstrar o exercício da gerência de facto pelo oponente, sendo estes documentos de 2003 e, o último, de 2004, e em todos se encontrando aposta a assinatura do oponente, que, na qualidade em que se achava investido, representou para todos os legais efeitos a sociedade que geriu.

  15. Assim sendo, não é legítimo nem razoável considerar que no período de 2000 a 2002 o aqui oponente se dedicou em exclusivo à agricultura, pois que se assim tivesse acontecido, não teria certamente assinado, em representação da sociedade, os documentos que supra referimos e que contam do processado. É possível que o oponente tenha exercido a agricultura/criação de gado enquanto atividade complementar, mas não é sensato, em face dos documentos que vimos de referenciar, dar por assente que o oponente a exercia em regime de exclusividade.

  16. Cabia ao decisor analisar de forma conjugada toda a prova produzida no processo e proceder à sua prudente e conjugada apreciação crítica, o que se nos apraz que não ocorreu.

  17. Importa, com efeito, atentar no disposto no n.º 2 do art. 393º do CC, onde consta que “também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio de prova com força probatória plena”. Ora, já resultava documentalmente assegurado nos autos que o oponente havia desempenhado funções de gerente, pelo que, a bem dizer, nenhuma prova havia que ser produzida a esse propósito.

  18. Não é dito nem se compreende quais as razões, ponderosas e justas, que levaram o julgador a desvalorizar o depoimento das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública, ou de não lhe ter dado valor suficiente, tanto mais que essas testemunhas tiveram conhecimento direto dos factos, são homens sérios e profissionais honrados e briosos, com larga experiência, espírito de missão e sentido de serviço público, contando ambos com um passado irrepreensível e que, além do mais, prestaram juramento legal.

  19. Acresce que os depoimentos das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública caracterizam-se pela seriedade, coerência e credibilidade, sobretudo o de Manuel…, que, por ser bastante mais jovem e gozar de melhor saúde, foi especialmente escorreito, seguro e fluente, além de esclarecedor.

  20. Consta dos autos prova documental de que o oponente exerceu em 2001, 2003 e 2004 a gerência de facto da originária devedora. A prova testemunhal permitiu ainda demonstrar que, entre 2000 e 2002, o oponente se deslocava ao Serviço de Finanças de Nelas para tratar assuntos da sociedade, intervindo, com efeito, em representação desta, apresentando-se munido de notas de cobrança enviadas pela AT à sociedade e procurando, junto dos funcionários, encontrar formas de melhor regularizar a situação, tendo-se ainda provado que, em diligências externas realizadas nas instalações da devedora, o oponente estava presente, inclusive em ato de constituição de penhora, da qual foi até nomeado fiel depositário.

  21. Nesses contactos pessoais, quer no Serviço de Finanças, quer nas instalações da devedora originária, nunca o oponente se recusou a assinar a correspondência, nem invocou falta de legitimidade para representar a sociedade, nem tão pouco se negou ao exercício do cargo de fiel depositário. Também por estas razões se demonstra que a agricultura/ovinicultura a ser exercida, não o era, verdadeiramente, em regime de exclusividade, pelo que, alguma conclusão ou interpretação a sentença deveria ter retirado no tocante à credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente.

  22. A sentença em apreço está, portanto, eivada de erro de julgamento, como também carece de razoabilidade, sendo ofensiva das regras da lógica e da experiência comum, pelo que também foi nitidamente violado o princípio da livre apreciação da prova consignado no n.º 5 do art. 607º do CPC.

  23. Resulta dos documentos que integram o processado que o revertido desempenhou materialmente o cargo de gerente, tendo praticado ao longo do tempo um conjunto de atos em nome e em representação da sociedade, pelo que, ao contrário do que se consignou na sentença em crise, seria de concluir e considerar assente que o oponente exerceu de facto a gerência, porquanto praticou atos próprios e típicos da gerência relativamente ao período a que respeitam as dívidas fiscais...

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