Acórdão nº 00078/10.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução10 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório LFBR e cônjuge HMAMR, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Município de Góis, “tendente à declaração de nulidade de todas as licenças, e dos despachos que as concederam nos processos … identificados, condenando-se o Município de Góis a demolir todo o edificado … bem como … a indemnizarem os AA em 35.000€ pelos danos que lhes foram causados …”, inconformados com o Saneador/Sentença proferido em 15 de dezembro de 2015, que absolveu o Réu e os Contrainteressados da instância, vieram interpor recurso jurisdicional, em 29 de dezembro de 2015, tendo concluído: “1. O “Saneador-Sentença”, estribou-se e, essencialmente, fundamentou-se na existência e/ou junção do Processo Administrativo.

  1. Os AA, aqui Recorrentes nunca foram notificados da sua junção, Nunca foram notificados para se pronunciar sobre o mesmo. Não acederam ao PA. (Apesar de terem efetuados vários pedidos de certidão do mesmo junto da Edilidade, o facto é que vários documentos sempre lhe foram sonegados).

  2. E só agora, com a prolação do presente “saneador-sentença” é que tiveram conhecimento da existência e junção do PA (Não do seu conteúdo).

  3. Os AA/ Recorrentes encontram-se, impossibilitados de se pronunciarem, quanto á junção do processo administrativo, por desconhecimento da sua junção, bem como do teor dos documentos que o compõem.

    ASSIM, em face do exposto e uma vez que tal processo administrativo foi tido em conta para a decisão final, foi suscetível de influir no exame e na decisão da causa; isto é, interveio nos contornos factuais e jurídicos em que assentou o “saneador-sentença”. Sendo certo que só agora, com a notificação do “saneador-sentença” tiveram os AA/Recorrentes conhecimento da sua junção, conclui-se que:

    a) Foi proferida a chamada decisão – surpresa – uma vez que aquela se baseia em fundamentos que não foram previamente notificados e concedido prazo para pronuncia pelos AA/Recorrentes, e b) Não ter sido assegurado o respeito pelo Princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes, nos termos da exigência dos artigos 3º, n.º 3, e 415.° do CPC, aplicável pelo artº. 1 CPTA. NO ENTANTO, e sem detrimento do exposto: 5. Não se compreende, em concreto, o que “Saneador-Sentença” considera inepto ao nível da indemnização. No entanto, presume-se que se pretende a ineptidão da causa de pedir no âmbito indemnizatório formulado pelos AA/Recorrentes.

  4. Entende-se que o pedido e a causa de pedir não comportam qualquer ineptidão, pois: 7. Os AA/Recorrentes invocam factos que se enquadram no âmbito da ilicitude, através de ações e omissões violadoras dos princípios e regras constitucionais, legais e regulamentares. Ilicitudes essas que resultaram numa ofensa dos direitos ou interesses dos AA/Recorrentes e que se encontram legalmente protegidos. Originando condutas ilícitas geradora de dano e, consequentemente, suscetível de reparação.

  5. Ora, sabendo-se que a causa de pedir é “o próprio facto jurídico genético do direito, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como criadora de direitos, abstração feita da relação jurídica que lhe corresponda”.

  6. Que os AA, invocaram um conjunto de factos concretos, que subsumidos a normas de direito substantivo, são aptos à produção do efeito que pretende fazer valer.

  7. O “saneador-sentença” fundamentou a ineptidão da causa de pedir, dizendo que: “os autores referem-se tanto á responsabilidade por factos ilícitos, como responsabilidade objetivo, bem como pelo sacrifício”.

  8. Os AA/Recorrentes, invocaram e imputaram os factos e os danos a título de/a responsabilidade do Estado, bem como a responsabilização de funcionários, descrevendo com alguma evolução legislativa e reguladora dos atos de licenciamento e de responsabilização, concluindo a querer fazer valer o seu direito ao ressarcimento pelos danos sofridos em consequência de atos e omissões ilícitas, efetuados por órgãos e/ou agentes administrativos, no exercício das suas funções, e por causa desse exercício.

  9. E, não se nega que estamos em face a uma enquadramento jurídico complexo e que a Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, dependendo da perspetiva em que for analisada, ou enquadrados os factos, pode apresentar-se sob várias espécies, MAS esqueceu o M. Juiz à quo, que o atual art. 5.º, n.º 3 CPC, que consagrar a regra iura novit curia, refere que: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”; ou, dito de outro modo, o M. Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

    E, neste âmbito, entende-se que o “Saneador-Sentença”, violou não só o artº. 5, nº3 do CPC, mas também um dos princípios enformadores da reforma do contencioso administrativo, ínsito, v.g., nos arts. 6º/2 CPC e 1.º e 7º CPTA – o princípio pro actione, anti formalista ou do favorecimento do processo; e do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça administrativa (cfr. artigos 20.º, n.º5 e 268.º, n.º 4 da C.R.P.).

  10. Refere o “Saneador-sentença” que os AA/Recorrentes “não dizem em concreto que crime ou crimes terão sido integrados pelos atos impugnandos”, entrando em contradição com o que consta dos artºs. 30, 55, 56 e 57 da P.I. a enunciação do crime de “falsas declarações”, p.p. no artº. 348-A CP, ou ainda apresentação e utilização de documentação falsa, p.p. pelo artº. 256 CP.

  11. Cabendo, salvo melhor entendimento, ao M. Juiz, ao abrigo do Principio da Legalidade, e do seu objetivo, denunciar ao MP todo e qualquer crime que tomasse conhecimento no exercício das suas funções e/ou por causa delas, ordenando a extração de certidão com vista à instauração de procedimento criminal; como, aliás, foi requerido, mas negada tal pretensão! 15. Refere o “saneador-sentença” a fls.13 a referir que: “ os Autores alegam norma, nem tais diplomas ou outros diplomas legais coevos contêm norma que comine expressamente a nulidade ….”, o que não se mostra verdadeiro face aos artº.56, 57, ou 67 da P.I., todos eles em sublinhado! 16. Aliás, os AA/Recorrentes, não só invocaram factos, como os integraram em NULIDADE por terem por base, conteúdo ou objeto um crime, bem como são nulos os atos cujo objeto constitua um crime, e por se encontrar estatuída a NULIDADE para os “atos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável”, bem como os que “Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis”.

  12. No “Saneador-Sentença” consta como factos provados nos nº1 e 4 que foi requerida a “atribuição de um licença para levar a efeito obras de construção de uma casa de habitação” num terreno “inscrito na matriz rústica….”.

  13. A classificação do solo (em rústico, urbano) é determinado pela Lei geral quer das políticas públicas, quer do Ordenamento do Território e do Urbanismo, e assenta na distinção de que o solo é aquele para o qual é reconhecida vocação para produções agrícolas, pecuárias, florestais, mineiras e espaços naturais de proteção e lazer (e não a vocação para o processo de urbanização e de edificação).

  14. Sendo que essa política de ordenamento do território e de urbanismo assenta nesta gestão territorial que se organiza em âmbitos: nacional, regional, intermunicipal e municipal, sendo este último concretizado através dos seguintes planos: plano Diretor municipal, planos de urbanização e planos de pormenor.

  15. Assim, a classificação e a qualificação do solo, neste caso, como rústico, foi feita de acordo, não só com o destino basilar do terreno, mas também conforme a opção do Planeamento do Território.

  16. Logo, a autorização de construção violou também a Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanização e a edificação urbana, bem como o próprio Plano Diretor Municipal de Góis, de cumprimento obrigatório e cuja sanção é a NULIDADE.

  17. Sendo que no RJEU pode ler-se: "São nulas as licenças, a admissão de comunicações prévias ou as autorizações de utilização previstas no presente diploma que: Violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença de loteamento em vigor", bem como são nulos os atos cujo objeto seja impossível – artº. 161 CPA .

  18. No “Saneador-Sentença” consta como factos provados nos 8 e 9 que a área de construção a utilizar “era de 197 m2”, mas “um funcionário do Município, engenheiro técnico”, afirma que a área de habitação é de “330,00m2”.

  19. A Câmara Municipal de Góis responsável não deferiu uma tal alteração, e assim a obra realizada encontra-se em desconformidade com o eventual projeto apresentado cuja área de construção era de 197m2 e não quase o dobro desta.

  20. Competia assim á CMG, no exercício do poder que lhe estava cometido e ao abrigo dos poderes da completa reposição da legalidade urbanística, instaurar um processo contraordenacional, por as obras de construção civil efetuadas se encontrarem em desacordo com o projeto aprovado, com a consequente aplicação de uma coima.

  21. Constando do RGEU que "as câmaras municipais poderão ordenar, independentemente da aplicação das penalidades referidas nos artigos anteriores, a demolição ou o embargo administrativo das obras executadas em desconformidade", e no RLOP que “O presidente da câmara municipal, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei e outras entidades, pode ainda, quando for caso disso, ordenar a demolição da obra e ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras referidas no artigo anterior, fixando para o efeito o respetivo prazo” 27. Esta vinculação mereceu já concretização jurisprudencial, tendo o Supremo Tribunal Administrativo decidido que "caso os...

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