Acórdão nº 00063/12.6BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 30/10/2016, que julgou procedente a oposição deduzida por J…, NIF 1…, residente na Rua…, Viseu, instaurada contra a devedora originária, a sociedade comercial “R…, Sociedade de Construções, Lda.”, NIPC 5…e posteriormente contra ele revertida, na qualidade de responsável subsidiário, o qual tem por objecto a cobrança de dívidas de IVA, no montante de € 609.720,78 euros.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso do despacho interlocutório proferido em 12/11/2012 formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “A - Incide o presente recurso, por dela discordar, sobre a douta sentença que julgou totalmente procedente a oposição apresentada nos autos, por falta de legitimidade do Oponente como responsável subsidiário quanto à dívida exequenda, com a consequente extinção do processo de execução fiscal n.º 3700201001004557 relativamente a este.

B - A convicção do Tribunal a quo relativamente aos factos provados resultou “da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos…e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos. O depoimento das testemunhas não influi na presente sentença, ou seja, a decisão é a mesma independentemente da análise dos depoimentos, pelo que este Tribunal absteve-se de apreciar os mesmos, pois redundaria num ato inútil.” C - Não obstante a circunstância das diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas arroladas, cujo depoimento ficou registado em ata, não terem sido dirigidas pelo juiz que proferiu a sentença, na qual incorporou a decisão sobre a matéria de facto, não constituir nem nulidade da sentença nem nulidade processual – Cfr. artºs 125º do CPPT e 615º e 195º do CPC; a verdade é, que nos presentes autos, segundo a sentença ora em apreço, o Tribunal assentou a sua convicção apenas na prova documental junta aos autos, não tendo fixado qualquer factualidade resultante da inquirição das testemunhas arroladas, cujo depoimento se absteve de analisar, por reputar de ato inútil; não tendo analisado criticamente as provas ao seu dispor, nem especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme lhe é exigido pelo artigo 607º do CPC.

D - A análise crítica da prova testemunhal é absolutamente inexistente: o Tribunal limita-se a dizer que ela não foi útil, sem esclarecer minimamente quais os motivos que o levaram a concluir dessa forma (não os desenvolve nem sequer os identifica), quando estava obrigado a especificar com clareza que elementos concretos o inclinam para a valorização de determinadas provas e para a desvalorização de outras.

E - E a circunstância de o Tribunal a quo ter omitido qualquer explicação das razões pelas quais julgou inúteis os depoimentos das testemunhas inquiridas, nada tendo dito no sentido de explicitar o seu peso relativo por confronto com os restantes meios (documentais), inviabiliza o acompanhamento do raciocínio do julgador, na parte da resposta à matéria de facto não provada; não estando em causa saber em que medida os depoimentos testemunhais relevaram para a decisão de dar como provados determinados factos, mas saber porque é que esses depoimentos testemunhais não foram aproveitados para dar como provados outros factos.

F - Em causa está saber se a afirmação transcrita satisfaz ou não o comando do artigo 607º do CPC e do art. 125º do CPPT, uma vez que o Tribunal a quo se limitou a dizer que a prova testemunhal produzida não foi útil, sem esclarecer minimamente os motivos que o levaram a concluir dessa forma. E, ainda que considerando que a factualidade que o juiz está obrigado a discriminar se circunscreve à factualidade relevante para a decisão (art.596º do CPC), e que os factos alegados que o juiz não considere relevantes não têm que ser discriminados na sentença (a sua discriminação faz-se por exclusão); a verdade é que se a matéria factual alegada que o tribunal recorrido não apreciou é relevante para a decisão a proferir, há erro de julgamento sobre a irrelevância desses factos e consequente omissão de pronúncia sobre questões de facto que o juiz não apreciou e deveria ter apreciado, o que constitui nulidade da sentença – artigo 125º, nº 1, do CPPT.

G - A sentença faz uma aplicação do direito aos factos que erra quanto à factualidade que se deveria ter dado por provada e dos autos não sobra qualquer dúvida de que todo o circunstancialismo demonstrado pela Fazenda Pública deve orientar o julgador no sentido contrário da decisão tomada, ocorrendo erro de julgamento, por ter decidido o Tribunal a quo em desconformidade com a realidade factual, errando na valoração da prova: o douto tribunal a quo conclui que o recorrido é parte ilegítima na execução, considerando que a AT não demonstrou que o oponente exerceu, de facto, a gerência, e que aquele não exerceu a gerência efectiva da devedora originária no período em causa nos autos (de constituição e pagamento das dívidas tributárias), decidindo pela ilegitimidade do Oponente na reversão contra si efetuada porquanto considera que a renúncia à gerência da sociedade devedora originária em 23/12/2005 foi fator suficiente para o afastar de qualquer responsabilidade relativamente ao não pagamento das dívidas exigidas nos autos.

H - Conclusões incompreensíveis à luz dos factos não levados ao probatório e sobre os quais, consequentemente, não foram extraídas quaisquer consequências: porquanto não obstante existir uma renúncia formal à gerência em 23/12/2005, constam dos autos declarações de A… e José… (precisamente duas das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública) que atestam o exercício de funções de gerência de facto da executada devedora originária.

I - Como evidenciada está a co-gestão, pelo aqui Oponente, das sociedades I…, L.da e V…, L.da; sócias da executada originária devedora até 14/02/2007.

J - A renúncia formal ao cargo de gerente, ocorrida em 23/12/2005, tem reflexos na titularidade de direito, mas em nada releva para o exercício de facto dessas mesmas funções, que, como se infere dos factos devidamente atestados documentalmente continuou após aquela data. Assim, o douto tribunal ao considerar que o oponente não é parte legítima na execução por ter renunciado à gerência em 23/12/2005, errou no seu julgamento, pois, resultam dos autos evidências objectivas e seguras que manteve o exercício daquelas funções após a data da renúncia formal ao cargo.

K - A oposição deveria improceder e consequentemente a execução fiscal deveria prosseguir os seus normais termos até final, julgando-se o recorrido parte legítima para a execução fiscal, devendo prosseguir a citada execução contra aquele enquanto responsável subsidiário. E nem se diga (como faz a sentença aqui em apreço) que não vem invocado no despacho de reversão “qualquer factualidade que permita imputar ao revertido qualquer culpa pela eventual insuficiência do património da sociedade para o pagamento das dívidas em execução.” L - Desde logo, porque tal não corresponde à verdade e, depois, como se colhe do aresto de 16-10-2013, Proc. 0458/13, que traduz jurisprudência do Pleno do STA, não se impõe que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido, o que significa que, no caso de reação do visado, a AT terá então (na contestação à oposição) de avançar com esses elementos no sentido de se desembaraçar do ónus que a lei lhe comete da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, estando aqui em destaque o efetivo exercício da gerência.

M - Nesta sequência, e sendo consequente com o exposto, caberia indagar da posição assumida pela AT quanto a esta matéria no âmbito da contestação presente nos autos. Na sua contestação, a AT alega, além do mais, que em última instância, sempre seria possível, de facto, determinar a atuação da originária devedora por via da posição gestionária detida em ambas as empresas (sócias únicas daquela).

N - A responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto. Inexistindo qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

O - No entanto, como se refere no acórdão do STA de 10/12/2008, recurso nº 861/08, “o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum. E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido.

P - Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal. Isto é, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há...

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