Acórdão nº 00621/12.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: AFRA (Avª …), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, em acção administrativa especial intentada contra Município de Caminha (Praça ….

), na qual a ré foi absolvida dos pedidos formulados, deixando incólume indeferimento de pedido de informação prévia.

O recorrente verte em conclusões do recurso: I. A argumentação aduzida pela Mmª. Juíza do Tribunal recorrido, sustentando que a reclamação nº. 62 apresentada pelo recorrente nunca poderia levar à alteração do PDM de Caminha pelo facto de, situando-se o lote em área de REN, a competência para alterar a delimitação da REN não pertencia ao Município, mas antes ao Governo, conforme resulta da Resolução do Conselho de Ministros nº. 157/96, de 18.09 e, consequentemente, não se verificaria a violação dos arts. 14º e 15º do DL 69/90, de 2.03, não podendo ser deferido o PIP apresentado por aquele, assenta em pressupostos de facto e de direito manifestamente erróneos, tendo-se desconsiderado por completo as datas em que os factos ocorreram.

  1. A proposta do Plano foi posta em Inquérito Público em meados de 1994, o Autor pronunciou-se em 01.07.1994, apresentando a sua reclamação, e a CMC, por ofício nº 96/O.P. de 04.04.95, notificou o Autor de que a sua reclamação tinha sido deferida.

  2. A Resolução do Conselho de Ministros nº. 157/96, de 18.09, que aprovou a delimitação da Reserva Ecológica Nacional do concelho de Caminha, apenas foi publicada em 18 de Setembro de 1996, ou seja, posteriormente ao Inquérito Público, à reclamação do Autor e à decisão da Câmara Municipal sobre a mesma, pelo que nunca se poderiam reger pelo disposto no DL 157/96, de 18/9, que ainda não existia nem tinha entrado em vigor.

  3. À data da decisão da reclamação apresentada pelo recorrente não havia ainda delimitação da REN e o PDM de Caminha (incluindo o respectivo Regulamento, que faz parte integrante do mesmo) encontrava-se em Inquérito Público.

  4. Não corresponde à verdade aquilo que se considerou na douta sentença recorrida e que serviu de fundamento à decisão de não verificação dos vícios alegados pelo recorrente e consequente improcedência da acção, isto é, que, à data o lote de terreno do Autor se encontrava integrado em espaço natural (cordão litoral) e, como tal, nos termos do RPDMC, sujeito ao regime da REN e demais servidões aplicáveis, encontrando-se interdita a edificabilidade, o que só veio a suceder em 1996, isto é, posteriormente ao Inquérito Público, à reclamação do Autor e à decisão da Câmara Municipal sobre a mesma.

  5. A Câmara Municipal, em todo o processo de planeamento, à data era acompanhada pela Administração Central, sendo que da respectiva Comissão faziam parte as entidades com competência em todas as áreas relevantes, nomeadamente ao nível do Ambiente, Recursos Naturais e Ordenamento do Território, conforme resulta do artigo 6º do DL. 69/90, de 2 de Março.

  6. A argumentação em apreço encerra em si mesma um manifesto erro de base, na parte em que conclui que a ilegalidade apontada pelo Autor não levaria a que ficasse inquinada a Resolução do Conselho de Ministros que aprovou o PDM de Caminha, na medida em que os Planos Directores Municipais nunca foram aprovados pelo Conselho de Ministros, a quem a lei conferia apenas poderes para os ratificar. – arts. 3º/3 e 16º do DL. 69/90, de 2 de Março, na redacção então em vigor.

  7. Quem aprovava à data – e aprova ainda hoje - os PDM´s são as Assembleias Municipais. – artigos 3º/2 e 15º do referido DL. 69/90, na redacção então em vigor.

  8. Dos arts. 14º e 15º do DL 69/90, de 2.03 resulta que, antes de submeter o plano à aprovação definitiva da Assembleia Municipal, a Câmara Municipal está obrigada a ponderar se, tendo em conta as observações ou sugestões apresentadas ou recolhidas na fase de inquérito público, deve proceder à respectiva alteração ou reformulação.

  9. No caso dos autos a CMC, após apreciação da reclamação do Autor, deferiu a sua pretensão, o que teria como natural e obrigatória consequência a introdução dos acertos de pormenor no PDM de Caminha, particularmente nas respectivas Plantas de Ordenamento e de Condicionantes, necessários à alteração da proposta em função do deferimento daquela, como, aliás, lhe foi comunicado através do citado ofício nº 96/O.P. de 04.04.95.

  10. Tais acertos não tiveram efectivamente lugar, pois que o PDM de Caminha não contemplou que o lote de terreno pertencente ao Autor fosse totalmente integrado em “aglomerado urbano”, como a autarquia deu expressamente a conhecer ao Autor através da notificação do acto de deferimento da reclamação nº 62 por si apresentada, mantendo-o integrado em “Espaço Natural – Cordão Litoral”, sujeito ao regime da Reserva Ecológica Nacional (REN) e demais servidões aplicáveis.

  11. O facto de a CMC não ter vertido no PDM as consequências resultantes do deferimento da reclamação apresentada pelo Autor, ignorando o conteúdo e os efeitos dos actos por si mesma praticados, acarreta a ilegalidade do PDM de Caminha, nomeadamente na parte em que as cartas que o integram classificam o prédio do Autor como estando integrado em “Espaço Natural – Cordão Litoral” e o sujeitam ao regime da REN, designadamente proibindo a edificabilidade no mesmo, ainda por cima quando se tratou da aquisição de um lote de terreno destinado a construção urbana e que a própria CMC dispensou de loteamento.

  12. A CMC incorreu em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito (arts. 14º e 15º do DL 69/90, de 2.03, na redacção do Dl. 211/92, de 8.10) e não ponderou, como estava obrigada, os direitos e interesses legalmente protegidos do A. em função do conteúdo da sua reclamação e do deferimento da mesma (art. 5º/1/e) do mesmo diploma), vício que afecta, tanto o próprio PDM como o acto que o aprovou, isto é, a deliberação da Assembleia Municipal de Caminha de 23.01.1995, que aprovou o PDM do concelho de Caminha, ratificada por resolução do Conselho de Ministros nº. 158/95, de 29.11, e publicada no DR. nº. 276, I Série, Parte B, de 29.11.1995, na parte em que não transpôs para o Plano os acertos que declarou ter feito em consequência do deferimento da reclamação já referida.

  13. O acto que indeferiu o PIP apresentado pelo ora recorrente padece também ele de vício de violação de lei, porquanto o mesmo aplicou um Plano que, na parte referente À situação do prédio do Autor se mostra claramente ilegal, por contrariar o acto de deferimento da reclamação já referido e que tinha obrigatoriamente de ser desaplicado em relação ao mesmo e à operação urbanística que requereu.

  14. O raciocínio efectuado pela douta decisão do Tribunal a quo que a levou a decidir pela não verificação da violação do princípio da boa-fé e a concluir pela ausência de discricionariedade por parte do recorrido, isto é, defendendo que independentemente das razões aduzidas pelo ora recorrente, o Município estaria legalmente vinculado ao regime da REN instituído, e, assim, obrigada a indeferir a pretensão daquele, baseia-se, uma vez mais, em premissas de facto e de direito que não se verificaram.

  15. A argumentação aduzida pelo Venerando Tribunal da 1ª instância suporta-se na aplicação de normas que à data da decisão da reclamação apresentada pelo ora recorrente não estavam em vigor, sendo certo que o PDM de Caminha se encontrava em Inquérito Público e que à data não havia ainda delimitação da REN.

  16. Sem prescindir, ainda que assim não fosse, a actuação levada a cabo pelo recorrido representa um patente e gritante desrespeito pelo princípio da boa-fé e que inquina igualmente a deliberação da Assembleia Municipal de Caminha de 23.01.1995, que aprovou o PDM do concelho de Caminha, na parte em que não procedeu à alteração das cartas de Ordenamento e de Condicionantes que integram o PDM no que se refere à capacidade construtiva do prédio do Autor e ao respectivo estatuto de uso e ocupação do solo. – arts. 266º/2 da CRP e 6º-A do CPA.

  17. Verificou-se um investimento de confiança do Autor quanto à possibilidade de construir na referida parcela de terreno (aliás, de acordo com o fim previsto no alvará correspondente - nº 3/84 - e enquanto condição expressa de uma eventual venda do mesmo), a partir do momento em que a CMC atendeu a sua reclamação.

  18. Tal como se verificou um investimento de confiança do recorrente em relação a todos os efeitos normais e previsíveis por qualquer declaratário de inteligência e diligência medianas resultantes do deferimento da sua reclamação, em função da notificação que lhe foi feita pela CMC por ofício de 4 de Abril de 1995, nomeadamente quanto à integração total do seu prédio em “aglomerado urbano”, com a possibilidade de construção sem qualquer restrição, nomeadamente resultante da REN ou da alegada integração do prédio em “Espaço Natural – Cordão Litoral”.

  19. Se o recorrido notificou formalmente o recorrente de que o seu prédio passou a estar totalmente integrado em aglomerado urbano, com a consequente capacidade construtiva, decorrente do deferimento da reclamação apresentada pelo mesmo em sede de inquérito público relativo à proposta de PDM para o concelho de Caminha, não podia mais tarde vir alegar que o prédio se integra em “Espaço Natural – Cordão Litoral”, sujeito ao regime da REN, não podia omitir o facto no conteúdo do próprio Plano, nem podia, consequentemente, indeferir o PIP apresentado, ignorando os actos por si anteriormente praticados.

  20. Ao fazê-lo, incorreu o recorrido numa clara violação do princípio da boa-fé, traindo por completo a confiança que legitimamente despertou no Autor e, por isso, num manifesto abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

  21. Perante o deferimento da sua reclamação, obviamente que o Autor não impugnou qualquer acto nem esboçou a mais leve oposição fosse ao que fosse, pelos meios que a lei colocava ao seu dispor, posto que se tratava de um acto de conteúdo favorável em relação à sua esfera jurídica e...

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