Acórdão nº 00767/10.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 15/09/2016, que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos por A..., NIF 1…, residente no Lugar…, Leiria, contra a penhora efectuada ao prédio urbano sito na Urbanização…, concelho de Condeixa-a-Nova, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova sob o número 1... de Sebal Grande, nos autos de execução fiscal n.º 0736200707000120, que corre termos no Serviço de Finanças de Condeixa-a-Nova, em que é executada U... – Construções, Unipessoal, Lda.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1 - O Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente os embargos de terceiro supra identificados, deduzidos pelo autor, à penhora efectuada pelo Serviço de finanças de Condeixa-a-Nova, nos autos de execução fiscal n.° 0736200707000120, em que é executada U...-CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA., ao prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sebal, concelho de Condeixa-a-Nova sob o artigo 1....° (actual art.° 1... da União das Freguesias de Sebal e Belide) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova sob o artigo 1....°.

2 - Considerou o Mmo. Juiz, face à redacção do art. 237.° do CPPT, que os embargos foram deduzidos tempestivamente e que o embargante é terceiro.

3 - Relativamente ao terceiro requisito, previsto no referido artigo, existir a ofensa da posse ou de qualquer outro direito incompatível com a diligência realizada, entendeu o Mmo. Juiz, primeiro em termos genéricos, o referido no ponto 3.° supra.

4 - E seguidamente em concreto: “O Embargante alega que adquiriu o prédio penhorado em causa, à sociedade executada, em 31 de Outubro de 2012.

O artigo 408.º, nº 1 do Código Civil determina que a constituição ou transferência dos direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei. O efeito real da transmissão da propriedade decorre, assim, do próprio contrato.

Resulta dos factos provados que o Embargante e a sociedade executada celebraram um contrato promessa de compra e venda do prédio penhorado no processo de execução fiscal em 05.01.2000, sendo que o preço total do mesmo era de 8.450.000$00 e iria ser pago em 4 tranches no valor de 2.112.500$00 (facto provado 1.). A primeira tranche foi paga no ato da assinatura do contrato promessa de compra e venda, conforme consta do mesmo.

Resulta também do probatório, o pagamento de mais duas tranches. Uma no dia 06.06.2001, data em que a sociedade executada assinou um recibo de quitação, e a outra foi paga em 4 prestações no valor de €2.634,28 euros, nos dias 15.02.2002, 15.03.2002, 15.04.2002 e 15.05.2002 (factos provados 2. e 3.).

Resulta, ainda dos factos provados que no dia 31.10.2002, a sociedade executada outorgou um procuração irrevogável em nome de A..., a conceder-lhe poderes para vender o lote de terreno penhorado, incluindo a si próprio (facto provado 5.) Ora, como se sabe, neste tipo de procuração, considera-se que existiu uma procuração irrevogável (e não há provas nos autos que a revogaram) e o mandatário pode fazer negócio consigo mesmo).

Neste sentido que aqui perfilhamos, vide inter alias, o acórdão de 10.03.2011. P. 0286/10, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, cujo sumário (na parte que aqui interessa) se transcreve: “I - A outorga de procuração irrevogável que confira poderes de alienação de imóveis ao mandatário, considera-se transmissão onerosa determinando a liquidação e o pagamento de IMT antes da outorga notarial da respectiva procuração (art°s 2.°, n.°3, alínea c e 22°, n.°2 ambos do CIMT (…).” É verdade que não existe documento nos autos que comprove o pagamento da tranche que falta para perfazer o preço total que consta do contrato promessa, mas tendo em conta a outorga de procuração irrevogável, o depoimento da testemunha, o facto da sociedade executada exigir o pagamento dos impostos relativos ao lote de terreno e o Embargante efetuar o seu pagamento, a limpeza do terreno, todos estes factos juntos, criaram a convicção que tal lote de terreno pertence ao aqui Embargante A... (factos provados 5., 6., 7., 8, 15. e 16.) Assim decidida a questão da propriedade fica decidida a questão da posse, fica resolvida a questão da posse porquanto o domínio da coisa prevalece sobre a tutela possessória, presumindo-se que o proprietário é quem tem esse poder de usar e fruir a coisa”.

5 - Com todo o respeito pela douta sentença “a quo”, entende esta Representação da Fazenda que existiu erro na apreciação da prova, que conduziu à decisão pela procedência dos embargos de terceiro.

6 - Conforme refere o Mmo. Juiz., não existe prova do pagamento da totalidade do preço e por outro lado, a lei apenas equipara a outorga de procuração irrevogável a transmissão onerosa de imóvel, para efeitos de tributação em Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT).

7 - Tal resulta do Código do IMT, como ficção legal de transmissão para efeitos de tributação nesse específico imposto, e é assumido no próprio acórdão citado pelo Mmo Juiz no ponto II do respectivo Sumário: “Deste modo ainda que o negócio para o qual a procuração foi outorgada não chegue a realizar-se, não é aplicável o disposto nos art°s 22°, nº4 e 44º, nº1 ambos do CIMT, uma vez que para efeitos de IMT o acto translativo concretizou-se.” 8 - Pelo que, da prova produzida não é possível concluir, com todo o respeito, pela transmissão do direito de propriedade do imóvel, por não existir uma situação enquadrável no art. 1316.° do Código Civil.

9 - Conforme é referido no Acórdão do TCA Sul de 21/04/2009, CT 2.° Juízo, P.° 0292009, no ponto VII do respectivo Sumário: “Não tendo a promitente-compradora realizado o acto de aquisição do bem em nome do representado e de si próprio, já que não celebrou qualquer contrato consigo próprio e no seu exclusivo interesse apesar de ter poderes para o efeito, dessa representação não resultou directa e imediata do acto na esfera jurídica do representante, não tendo, por via disso, a promitente compradora adquirido a propriedade e a posse relevantes para efeitos de não sujeição ao IMI” 10 - Mas, com todo o respeito, também não permite concluir, salvo melhor opinião, pela existência de inversão do título da posse, por parte do Embargante, pois a verdade é que, o mesmo podendo realizar a qualquer momento a escritura de venda a si próprio, nunca o fez, não sendo os factos descritos incompatíveis com a atitude de um detentor do terreno, em circunstâncias especiais, reconhece-se, pois pode vendê-lo, mas um detentor.

11 - Detentor esse, que tendo pago já uma quantia substancial pelo imóvel, tem interesse em que não existam dívidas de impostos sobre o património relativas ao mesmo, que este esteja limpo e, por último, que a sua possibilidade de venda seja anunciada através de placa nele colocada (porque pode e quer vendê-lo!).

12 - Pelo que, face ao exposto, deve a douta sentença ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue os embargos de terceiro deduzidos improcedentes.

Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue os embargos de terceiro deduzidos improcedentes, assim se fazendo JUSTIÇA.

” ****Não foram apresentadas contra-alegações.

****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso – cfr. fls. 313 e 314 dos autos.

****Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, ao julgar que a penhora efectuada incide sobre bem que não pertence à executada devedora, mas sim ao aqui embargante, ofendendo não só a sua posse, mas, também, a sua propriedade sobre o prédio urbano penhorado no processo de execução fiscal.

  1. Fundamentação 1. Matéria de facto Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “IV.1. Factos provados: Com interesse para a decisão a proferir, considero provados os seguintes factos: 1. Em 05.01.2000, a sociedade executada U... – Construções, Lda. e A..., aqui Embargante, celebraram contrato promessa de compra e venda, somente assinado pela primeira, com o seguinte teor:“CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDAEntre: U..., Construções L.da, pessoa colectiva n.º 5…, sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Ourém sob o n.º 1…, com o capital social de 25.000.000$00, com sede em…, 2490 Ourém, neste acto representada pelo sócio gerente Al…, com poderes para o acto, portador do B.I. n.º 9…, emitido em 22/11/95, por Lisboa, abaixo designada por primeira outorgante e promitente vendedora e, A..., casado com L…, em regime de comunhão de adquiridos, residente na rua…, concelho de Leiria, contribuinte fiscal n.º 1…, portador do B.I. n.º 7…, emitido em 07/08/97 por Leiria, abaixo designado segundo outorgante e promitente comprador, é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda, que se rege pelas seguintes cláusulas:PRIMEIRAA primeira outorgante é dona e legítima possuidora de um terreno rústico, sito em …, freguesia de Sebal Grande, concelho de Condeixa-a-Nova, descrito na Conservatória do Registo Predial sob os nrs. 2… e 2… respectivamente, com as áreas respectivas de 19 440 e 37 700 m2, terreno onde vai levar a efeito um loteamento urbano, para moradias geminadas e isoladas, unifamiliares, numerados de 1...

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