Acórdão nº 01957/16.5BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO RCF vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a providência cautelar intentada contra o INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P.

, de suspensão da eficácia de acto administrativo, emitido pela Directora de Serviços de Formação e Certificação do IMT, em 7/7/2016, que procedeu ao agendamento do exame de condução a prestar pela ora Recorrente nas suas vertentes de prova teórica e prova prática, cuja falta de comparência ou reprovação implicaria a caducidade do actual título de condução.

* Em alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: A. O Tribunal a quo não procedeu à produção de prova testemunhal, nem solicitou à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária o envio do Registo Individual de Condutor (RIC) da A., aqui recorrente, cerceando o seu direito de produzir prova em relação à matéria de facto constante dos artigos 25.º a 30.º e 39.º e 40.º da providência cautelar.

B. A produção de tal prova, no caso sub judice, se revela indispensável para o apuramento de matéria facto controvertida e para uma decisão justa, pelo que a sua preterição traduz uma violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4 e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e concomitantemente reconhecida no quadro legal do processo nos tribunais administrativos, particularmente nos artigos 2.º, 7.º, 7.º-A, 8.º e 118.º, n.º 1 do CPTA.

C. Ademais, no que concerne à produção de prova, dispõe o artigo 118.º, n.º 5 do CPTA que “Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”.

D. Sucede que, ao contrário do estatuído na citada norma, o Tribunal a quo não proferiu qualquer despacho a indeferir a prova testemunhal e documental que lhe fora requerida, sendo certo que, a existir um despacho de recusa da utilização dos meios de prova requeridos, o mesmo sempre teria que ser devidamente fundamentado, de modo a esclarecer os motivos da recusa.

E. Assim, constatando-se que no processo inexiste um despacho (e fundamentado) que indefira ou que se pronuncie pela inadmissibilidade da prova testemunhal e outros meios de prova requeridos, tal falta consubstancia uma omissão de um acto e formalidade que a lei prescreve, com influência no exame e decisão da causa, que gera nulidade, e que aqui expressamente se invoca nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil [CPC].

F. Mais, inexistindo nos autos o despacho a que alude o artigo 118.º, n.º 5 do CPTA, o Tribunal a quo incorreu ainda em omissão de pronúncia, o que gera a nulidade da sentença, prevista no artigo 615.º n.º 1, alínea b) do CPC.

G. Com efeito, a decisão do Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que ordene a produção de prova e se dê lugar à apreciação e admissão dos respectivos requerimentos probatórios, sob pena de violação dos artigos 2.º, 7.º, 7.º-A, 8.º, 87.º e 118.º, n.º 1 do CPTA.

H. No que concerne à fundamentação fáctico-jurídica da decisão judicial aqui escrutinada, entendemos também que o Tribunal a quo não efectuou um correcto ajuizamento dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, nem efectuou uma correcta interpretação do disposto no artigo 129.º do CE e do conceito de “fundada dúvida”. Porquanto, I. Não se concorda com o Tribunal a quo quando defende que inexiste o periculum in mora porque os prejuízos que são alegados pela A., aqui recorrente, e que advêm da caducidade do título de condução, não resultam directamente do acto cuja execução se requereu, pois, a medida imposta pela Ré não determinou a caducidade do título de condução, antes a submeteu a uma condição, pelo que os prejuízos são meramente eventuais e mediatos. Nem se concorda com o Tribunal a quo que, quando refere que o mero efeito constitutivo do julgado anulatório tem a virtualidade de assegurar a utilidade do pedido formulado no processo principal.

J. Não se pode aceitar o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, pois, se admitíssemos que o único meio que a recorrente tem ao seu dispor para obstar a caducidade do título de condução, até obter a decisão final na acção principal, é a submissão à condição imposta pelo acto administrativo, então nenhum efeito útil teria a decisão proferida em sede de acção principal.

K. Ora, se na acção principal a recorrente peticiona a anulação da decisão que lhe impõe uma obrigação/condição para manter o seu título de condução, se se submetesse aos exames teóricos e práticos de condução, a decisão final que viesse a ser proferida na acção principal nenhum efeito útil teria, uma vez que, tendo sido cumprida a obrigação/condição que foi imposta pelo acto administrativo – a realização de exames teóricos e práticos de condução – tal obrigação/condição já não poderia ser restituída.

L. Por outro lado, se a recorrente não se submete aos exames teóricos e práticos, sem a concessão da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto, igualmente nenhum efeito útil terá posteriormente a decisão final da acção principal, na medida em que o seu título de condução terá já caducado e terá já suportado os danos e prejuízos daí decorrentes, conforme alegado nos artigos 25.º a 30.º da providência cautelar, e os quais serão dificilmente reparáveis, tendo em conta que se trata de danos resultantes da privação do exercício da condução.

M. Apraz ainda salientar que, o Tribunal a quo não pode olvidar que a aqui recorrente tem o direito de sindicar judicialmente o acto administrativo que lhe impõe uma obrigação/condição, bem como o direito de obter uma decisão que tenha um efeito útil, pelo que não é, de todo, legítimo que a mesma seja “compelida” a se submeter aos exames teóricos e práticos de condução para obstar a caducidade da carta condução, circunstância essa que, aliás, colide e coarcta os direitos de defesa da recorrente.

N. Pelo que, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, os prejuízos da aqui recorrente não são meramente eventuais e mediatos, pois, os mesmos derivam do incumprimento do acto administrativo que lhe impôs uma obrigação/condição, sendo certo que, esse incumprimento não lhe pode ser “negado”, pois, caso contrário, não se vislumbraria qualquer interesse prático em pedir a anulação do acto administrativo que determinou a submissão aos exames teóricos e práticos de condução.

O. Em relação ao requisito fumus boni iuris, entendeu o Tribunal a quo que não se vislumbra êxito nos vícios apontados em sede cautelar – vício formal e ilegalidade do acto administrativo.

P. Ora, antes de mais, atentemos à redacção do artigo 129.º do CE, e concretamente no seu n.º 1, que prescreve que “Surgindo fundadas dúvidas sobre a aptidão física, mental ou psicológica ou sobre a capacidade de um condutor ou candidato a condutor para conduzir com segurança, a autoridade competente determina que aquele seja submetido, singular ou cumulativamente, a avaliação médica, a avaliação psicológica, a novo exame de condução ou a qualquer das suas provas.

Q. E, de igual modo, atente-se ao elenco exemplificativo de situações que podem configurar motivo para dúvidas sobre a aptidão ou capacidade de um condutor para o exercício de uma condução segura: circulação em sentido oposto ao legalmente estabelecido em autoestradas ou vias equiparadas, dependência ou tendência para abusar em bebidas alcoólicas ou de substâncias psicotrópicas, ou quando o tribunal conheça de infracção que tenha posto em causa a segurança de pessoas e bens a que corresponda pena acessória de inibição de conduzir e haja fundadas razões para presumir que a mesma resultou de inaptidão ou incapacidade do condutor.

R. Da leitura de tal normativo depreende-se que, para se subsumir ao conceito de “fundada dúvida” terá, pelo menos, que existir um comportamento em concreto e de perigo por parte do condutor, que esse comportamento se tenha verificado no exercício da condução, e o que o mesmo evidencie que esse condutor não tem aptidão ou capacidade para conduzir com segurança.

S. Se outra interpretação se tiver do artigo 129.º do CE e, se para justificar a “fundada dúvida” bastar um mero acontecimento hipotético e conjucturas sobre factos não provados, como é o caso dos presentes autos, então estar-se-á a criar um regime persecutório, sem qualquer respeito pelos direitos e garantias do cidadão.

T. No caso sub judice, a fundamentação da decisão do acto administrativo não se firma em nenhum facto que tenha sido dado como provado, mas tão-somente do que “parece resultar” do teor da acusação pública e dos factos hipotéticos que aí constam, que carecem, ainda, de comprovação através da produção de prova por parte da entidade acusadora no tribunal judicial competente.

U. Para além disso, nenhum outro motivo foi alegado pela Ré, aqui recorrida, para justificar a aplicação do disposto no artigo 129.º do CE...

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