Acórdão nº 00211/07.8BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelVital Lopes
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE 1 – RELATÓRIO A...

e N..., recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra os actos de liquidação oficiosa de IRS de 2004, com o n.º2006 5004583049 e respectivos juros compensatórios, com o n.º2006 00002421801, perfazendo o valor de 451.579,90€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.356).

Na sequência do despacho de admissão, os Recorrentes apresentaram alegações e formularam as seguintes «Conclusões: A — O facto de o Mmo. juiz que elaborou a sentença, em 2012, ter tido contacto com os autos apenas em 2009, não tendo assistido à inquirição de testemunhas realizada em 2007, perante outro Mmo. juiz, viola o princípio da plenitude da assistência dos juízes, constante do art. 654.º do Código de Processo Civil, cujo n.º 1 só admite a intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final.

B — Essa infracção constitui nulidade, por consistir na prática de um acto que a lei não admite, que pode manifestamente influir no exame ou decisão da causa (já que o segundo magistrado decidiu com base em meios de prova a cuja produção não assistiu).

C — As diferenças de natureza do processo civil e do processo tributário não resultam nem se repercutem nos interesses que presidiram à consagração do princípio da plenitude da assistência dos juízes, pois o que está em causa em ambos os processos é a boa decisão da causa, que depende da imediação com as provas, sendo que as testemunhas que depõem nos tribunais tributárias não têm natureza diferente daquelas que depõem nos tribunais cíveis, nem os juízes dos tribunais tributários reivindicam, certamente, maior sagacidade ou clarividência que os seus colegas da jurisdição civil.

D — O Tribunal recorrido julgou incorrectamente a matéria de facto, quando deu como não provados os seguintes factos: — Os impugnantes não receberam qualquer contrapartida pelo “trespasse” referido nas alíneas M) e I); — O valor de 130.000,00 atribuído ao trespasse pelos impugnantes foi-o apenas para efeitos formais, correspondendo ao valor do imobilizado e existências da Farmácia B..., na data da formalização daquele documento.

E — Impõe-se uma resposta afirmativa a essa matéria, tendo em conta os seguintes meios probatórios, que atestam a veracidade do alegado nos artigos 8.º a 12.º da PI: · extractos da conta bancária da sociedade, desde a sua constituição até final de 2004; · extractos da conta bancária da farmácia, de Junho de 2002 até ao seu encerramento; · extractos da conta bancária dos impugnantes, entre Junho de 2002 e finais de 2004; · o depoimento das testemunhas António… (depoimento gravado em suporte digital dos 000 segundos aos 1212 segundos), Alcino… (depoimento gravado em suporte digital dos 1212 segundos aos 3534 segundos) e Alberto... (depoimento gravado em suporte digital dos 2408 segundos aos 3534 segundos).

F — Com relevância para a decisão da causa, mas ignorada pelo Tribunal, foi ainda alegada (nos arts. 22.º a 24.º da PI) a seguinte matéria de facto, comprovada pelo doc. n.º 102 da PI): — O volume de negócios da Farmácia B..., que em 2003 foi de € 806.772,63 (e como tal foi considerado pelo Fisco, para cálculo do ficcionado valor de trespasse), tinha sido de apenas € 716.778,45 em 2002 e de € 650.693,86 em 2001 (conforme consta do Anexo C da declaração Mod. 3 referente ao IRS de 2003, apresentada pelos Impugnantes em 12.05.2004 (junta à PI como doc. nº 102).

— isto significa que, se o ano tomado como referência pelo Fisco para apurar o valor de trespasse tivesse sido o ano anterior ao do trespasse (o ano de 2001) então o valor a considerar seria de apenas € 976.040,79 (e não de € 1.210.158,90, como concluíram as Finanças).

G — Caso a matéria de facto venha a ser alterada no sentido propugnado pelos Recorrentes, tornar-se-á evidente que a correcção da matéria tributável e a consequente liquidação oficiosa se encontram inquinadas por diversos vícios, já invocados em primeira instância: H — Desde logo, por erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, pois a AT invocou a alínea b) do art. 87º da LGT – que se aplica nos casos de “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável” — quando na verdade a quantificação directa da matéria tributável era possível, e até fácil de fazer, já que a Administração Fiscal sabia, e tinha todos os meios para comprovar, que não houve pagamento de qualquer preço pela transmissão da titularidade da Farmácia B....

I — De qualquer modo, sempre ocorreu uma errada quantificação da matéria tributável do ano de 2004, na medida em que o contrato de trespasse (que serve de fundamento à correcção) foi celebrado no ano de 2002. Assim, se alguma matéria colectável houvesse a corrigir, seria a do ano em que o “trespasse” ocorreu (2002), e não os rendimentos auferidos dois anos mais tarde, em 2004.

J — Foi errado também o método utilizado para calcular a matéria tributável, não só por assentar essencialmente em especulações jornalísticas, infundamentadas, como também por haver tomado como referência o volume de negócios do ano de 2003 (o ano seguinte ao do trespasse).

K — Por isso, também, se pode concluir — na linha do douto Parecer do Ministério Público, de fls. 299 e ss. — que o acto tributário está fundamentado de forma deficiente, devendo por isso ser anulado.

L — No Direito Fiscal português, vigora o princípio da prevalência da substância sobre a forma (de que são afloramentos os arts. 11º/3, 38º e 39º da LGT, entre muitos outros), pelo que constitui uma violência inaceitável exigir dos Recorrentes um imposto por um rendimento que não tiveram, pelo simples facto de não terem formalizado adequadamente a transmissão do estabelecimento para a sociedade, nos termos previstos no art. 38.º do CIRS .

M — Havendo prova cabal de que não houve qualquer movimento financeiro (como aliás a DGCI admite), tributar neste caso os Recorrentes equivale a violar ainda os princípios da proporcionalidade e da justiça (previstos no art. 55º da LGT), bem como os princípios do inquisitório (que manda o Fisco buscar e atender à verdade material – art. 58º da LGT) e da colaboração recíproca (art. 59º da LGT).

N — Interpretar em sentido diverso os artigos 87º e 88º da LGT é manifestamente incompatível com regras e princípios constitucionais, como o princípio da capacidade contributiva (art. 104º da CRP), da Justiça e do Estado de Direito, e os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso (artigos 2º e 18º CRP).

· A decisão recorrida violou, pois, os artigos 654.º do CPC, 87º, 88º, 90º da LGT, 99º do CPPT, bem como os princípios legais e constitucionais acima enunciados.

Face ao exposto, a decisão recorrida deve ser anulada, desde logo, em consequência da nulidade por violação do art. 654.º do CPC, ordenando-se a repetição da audiência de inquirição de testemunhas em primeira instância.

Ainda que assim não se entenda, sempre deverá alterar-se a matéria de facto provada no sentido acima enunciado, revogando-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por douto acórdão que julgue procedente a impugnação, anulando a liquidação impugnada e condenando a Administração Tributária a restituir aos Impugnantes o imposto e juros já pagos, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal.

Assim se fazendo JUSTIÇA».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer que, em síntese conclusiva, termina assim: «…não subsistem razões válidas para que a AT divergisse do valor atribuído pelos impugnantes, ora Recorrentes, ao trespasse em foco – o valor de 130.000 Euros – impondo-se que a liquidação impugnada se quede pela influência determinada por este último valor, e não por aquele a que se chegou na acção correctiva subjacente à liquidação».

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelos Recorrentes, são estas as questões centrais que importa resolver: (i) se constitui nulidade processual com influência no exame e decisão da causa a circunstância de o magistrado que elaborou a sentença não ter sido o que presidiu à fase instrutória; (ii) erro de julgamento de facto da sentença; (iii) erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos; (iv) erro na escolha do método de quantificação e excesso de quantificação.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida: «I) Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provados os seguintes factos:

  1. Em 28/4/1970, foi concedido a N...

    , ora impugnante nos presentes autos, o Alvará n.º 2360 para funcionamento da Farmácia B..., sita na Rua…, freguesia de S. Tiago de Bougado, concelho da Trofa, distrito do Porto, cuja instalação foi autorizada por despacho de 13 de Abril de 1970 (fls. 24 do PA).

  2. Por escrito particular, datado de 14/7/2000, a mãe da impugnante, na qualidade de primeira contraente, os impugnantes na qualidade de segundos contraentes, o irmão da impugnante, António… e sua mulher, na qualidade de terceiros contraentes, e o outro irmão da impugnante, H… e sua mulher, na qualidade de terceiros contraentes, declararam, entre o mais, que “estão de acordo em proceder à respectiva divisão de coisa comum nos termos seguintes: (…) III – Que, para além disso, a segunda contraente, Drª. N… figura, actualmente, como proprietária do estabelecimento comercial denominado «FARMÁCIA B...», titular do respectivo alvará do INFARMED, instalado em prédio sito no lugar…, freguesia de S. Tiago de Bougado, concelho da Trofa. IV – Que, pelo presente, convencionam o seguinte relativamente à dita Farmácia […]: 1. Será constituída uma sociedade, com...

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