Acórdão nº 01708/13.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução22 de Setembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório CACC, no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o Ministério da Administração Interna, tendente, em síntese, a impugnar o Despacho do Ministro da Administração Interna de 12 de março de 2013, que lhe aplicou a pena disciplinar de reforma compulsiva, inconformado com a Sentença proferida em 30 de maio de 2016, através da qual foi julgada totalmente improcedente a ação, mais tendo o Réu sido absolvido do pedido, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/CACC nas suas alegações de recurso, apresentadas em 13 de julho de 2016, as seguintes conclusões (Cfr. Fls. 274 a 276v Procº físico): “1. O presente recurso tem por objeto toda a sentença proferida pelo tribunal a quo, que julgou a ação completamente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

  1. Ao Recorrente foi aplicada a sanção disciplinar de reforma compulsiva que, não se conformando com a decisão, que lhe aplicou a pena disciplinar deu início aos presentes autos, com fundamento na falta de fundamentação do ato do Ministro da Administração Interna, bem como da violação do princípio da proporcionalidade e adequação.

  2. O ilícito praticado pelo Recorrente é criminal e disciplinar, sendo os dois procedimentos autónomos.

  3. Antes de nos debruçarmos sobre os vícios invocados pelo Recorrente na sua petição inicial, cumpre indagar da falta de fundamentação da decisão do Tribunal a quo.

  4. A exigência de fundamentação das decisões judiciais decorre do art. 205º, nº 1 da CRP.

  5. Por seu turno dispõe o art. 615º, n. 1, al. b) do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

  6. Da leitura atenta da douta decisão, concluímos pela inexistência de fundamentação de direito e de facto.

  7. Os factos a que refere são mera transcrição de elementos da sentença criminal e do processo disciplinar.

  8. Sob o item “segmento fáctico-jurídico” podemos ler: “Eleitos os factos com relevo para apreciar o mérito da presente ação cumpre então averiguar se o ato impugnado padece dos vícios que o A. lhes aponta.” 10. Não foram eleitos quaisquer factos mas transcritas passagens de processos-crime e disciplinar.

  9. Mais se diga que não foram elencados os factos, nem a respetiva motivação, quanto ao vício da falta de fundamentação do ato administrativo do Ministro da Administração Interna.

  10. O vício da falta de fundamentação da sentença de que se recorre também se verifica quanto à violação do invocado princípio da proporcionalidade e adequação.

  11. Deparamo-nos com uma total inexistência dos motivos, fundamentos de facto e de direito, que supostamente deveriam suportar a decisão judicial recorrida.

  12. Desconhecem-se as normas legais e os princípios jurídicos em que se baseia o Tribunal para considerar que “o ato agora sob analise não deve claudicar pelas razoes invocadas pelo Autor, nos termos e com o alcance anteriormente explicitados”.

  13. Padece a sentença de que se recorre de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão (art. 615º, n. 1, al. b) do CPC).

  14. Foi considerado improcedente o vício de falta de fundamentação do Despacho do Exmo. Ministro da Administração Interna, com o que não se concorda, uma vez que daquele não consta qualquer fundamentação relativamente à sanção disciplinar aplicada ao Recorrente.

  15. O Comandante Geral LMSNP, Tenente General, no despacho n. 162/12, manteve a proposta da pena disciplinar de reforma compulsiva, a infligir ao Autor, sem fundamentar, e contrariando o parecer do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina, reunião de 28 de junho de 2012, o qual deliberou contra a aplicação da pena proposta, como resulta de documentos juntos aos autos.

  16. O despacho do Sr. Ministro assenta no mero acordo com o despacho do Comandante Geral, não tendo este, por seu turno, sido fundamentado.

  17. O despacho que determinou a aplicação da sanção cuja falta de fundamentação é invocada não enuncia explicitamente as razões que levaram o autor do ato a praticá-lo, ou a dotá-lo de certo conteúdo.

  18. O dever de que se trata está consagrado nos termos do art. 268º, n. 3 da CRP e 153.º, n.º 1 do CPA.

  19. Da leitura do ponto 32 do despacho do MAI “atento aos pareceres, despachos e pronúncias constantes do processo, em especial aos atrás referidos;” e, com o ponto 33, “aplico ao arguido…”, resulta claramente a falta de fundamentação.

  20. Da fundamentação devem constar as razões de facto e de direito determinantes da prática do ato e do conteúdo da decisão.

  21. Acresce que tratando-se de um ato sancionatório e porque este pode acarretar algumas dificuldades quanto à avaliação da ilegalidade do ato, o mesmo deve indicar de forma clara a disciplina jurídica aplicável.

  22. Do exposto concluímos pela existência de um vício capaz de acarretar a nulidade do ato.

  23. No despacho do Sr. Ministro da Administração Interna, é aplicada a pena disciplinar de Reforma Compulsiva, arts. 27º, al. e), 22º. 41º. n. 1 e 2, al. c) e 43º do RDGNR, resultante da proposta apresentada pelo instrutor do processo disciplinar e sufragada pelo Sr. Comandante Geral da GNR.

  24. No contexto disciplinar a pena criminal aplicada em concreto deveria ser indiciadora da capacidade militar do Recorrente para o exercício da função.

  25. Ao Recorrente foi aplicado o disposto no art. 21º, n. 2 al. e), em articulação com o elenco das penas disciplinares constantes do art. 27º, in casu, alínea e), 32º, n.1 e art. 41º, n. 2, al. c).

  26. O RDGNR, no seu art. 21º, n.º 2, alínea e) permite ao aplicador da norma atender a outros critérios, que não apenas a punição do crime doloso em abstrato, porque uma moldura penal em abstrato jamais poderá fundamentar uma aplicação automática de uma sanção disciplinar, sob pena da violação dos princípios da legalidade, da tipicidade, da «nulla poena sine culpa» e do «nullum crimen sine culpa», estarem em causa.

  27. Atente-se ao art. 21º, n. 2, al. e), in fine, que manda atender à situação em concreta do militar, indagando da capacidade e da necessária confiança do mesmo, para o exercício das funções.

  28. Diga-se que entre a prática dos factos e a efetiva aplicação da sanção disciplinar o Recorrente manteve-se ao serviço da GNR, atuando em áreas como o núcleo de investigação criminal, não tendo sido colocada em causa a relação funcional ou de confiança, sendo até condecorado com um louvor.

  29. A fundamentação da informação n.º 905/12, E.2640/08, da Direção de Justiça e Disciplina, junta aos autos refere apenas: “Os factos cometidos pelo arguido, colocaram gravemente em causa o prestígio e o bom nome da instituição, sendo suscetíveis de inviabilizarem a manutenção da relação funcional.” 32. O ponto 5, do mesmo documento, evidencia uma aplicação cega dos preceitos regulamentares, não atendendo ao comportamento do Autor, à sua pouca experiência enquanto militar da GNR e à factualidade que gerou todo este processo – não envio de fax sobre a situação de regularidade/irregularidade de uma cidadã brasileira, aliás ouvida em depoimento para memória futura, transportada para o Tribunal pela GNR e, depois, nunca mais dela havendo noticias (sem que curiosamente ninguém tenha averiguado do paradeiro da dita senhora e da sua regularidade ou irregularidade no nosso país).

  30. Não foram atendidas as circunstâncias atenuantes elencadas no art. 38º, n. 1, apresentação de serviços relevantes à pátria e à sociedade, o bom comportamento anterior, o pouco tempo de serviço, a confissão espontânea da falta, o facto de ter louvor ou outras recompensas e a boa informação de serviço do superior hierárquico de que depende, cfr. n. 2 e n. 3, do mesmo preceito, do RDGNR.

  31. Conforme dispõe o artigo 43.º do RDGNR, a aplicação das penas de reforma compulsiva e separação de serviço é da competência exclusiva do Ministro da Administração Interna, cuja decisão deverá ser precedida de parecer do Conselho Superior da Guarda.

  32. Constata-se que o parecer que consta do processo foi emitido pelo - Conselho de Ética e Deontologia e Disciplina, (CEDD) e não pelo Conselho Superior da Guarda.

  33. Atente-se que se trata de dois órgãos com competências diferentes, Cfr artigo 21º da Lei n.º 63/2007 de 6 de Novembro que aprova a orgânica da GNR.

  34. Verifica-se que o artigo 43º do RDGNR não se encontra “em sintonia “ com o disposto no artigos 21º e 28º Lei orgânica da GNR, sendo que o primeiro refere-se a um parecer do Conselho Superior da Guarda e os segundos ao Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina.

  35. Também, nesta sede, se verifica um atropelo ao órgão que deveria ter sido consultado e a quem, por isso, deveria ter sido solicitado o respetivo parecer, pois trata-se de matéria da competência do Conselho de Ética, Deontologia e Disciplina.

  36. Concluímos assim pela violação dos princípios da proporcionalidade e adequação, bem como pela violação dos normativos legais, designadamente 21º, n. 2, al. e), 32º e 43º do RDGNR.

  37. O Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana foi alterado pela Lei 66/2014, de 28 de Agosto, que revogou a pena de reforma compulsiva aplicada ao Recorrente e que estava consagrada no art. 32º.

  38. A consagração da referida alteração, salvo melhor opinião, representa a admissão de que a referida pena se evidenciava desadequada no quadro legal atual em vigor.

  39. Salvo o devido respeito, entendemos que em face desta alteração legal dever-se-á aplicar o princípio da aplicação da lei disciplinar mais favorável ao arguido.

  40. Mesmo tratando-se de um processo com decisão final que aqui se impugna, a pena está em curso/cumprimento.

  41. Somos certos de que a eliminação, pela referida alteração, da pena de reforma compulsiva, não torna, abstraindo dos vícios anteriormente invocados pelo Recorrente, ilegal o ato administrativo, que a aplicara na vigência do anterior...

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