Acórdão nº 00829/09.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Abril de 2016
Magistrado Responsável | Jo |
Data da Resolução | 08 de Abril de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO CGG e MLDASG vieram interpor recurso da sentença pela qual o TAF de Braga julgou improcedente a presente acção administrativa comum, sob a forma ordinária, que intentaram contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS e o ESTADO PORTUGUÊS (representado pelo Ministério Público), pretendendo a condenação destes no pagamento de indemnização referente a alegados prejuízos, decorrentes da venda de viatura de sua propriedade, em processo de execução fiscal, revertido contra o A. marido, na qualidade de responsável subsidiário.
* Em alegações os Recorrentes formularam as seguintes conclusões: DA ILICITUDE: 1) Da violação do art. 56º/1 da LGT, conjugado com o art. 169º/1 do CPPT:
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Resulta do Facto Provado 10 que, após ter sido citado para a Execução, o aqui Autor marido deduziu atempadamente reclamação graciosa contra a mesma, invocando, nomeadamente, a prescrição das dívidas em causa, excepção essa que era, aliás, do conhecimento oficioso, pelo que o Serviço de Finanças de Felgueiras tinha a obrigação de se pronunciar sobre a mesma.
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Ora, na sequência do processo executivo, o Autor viu o seu veículo penhorado pela Administração Fiscal no âmbito do mesmo processo. A dívida exequenda ficou então garantida por penhora de bem de valor muito superior, atendendo ao facto de, conforme resulta do respectivo auto de penhora de 20/03/2006, a própria Administração Fiscal ter atribuído ao veículo em causa “… um valor presumível de dez mil euros (EUR 10.000,00).” (cfr. Facto Provado 11 e auto de penhora junto aos autos pelo Serviço de Finanças de Felgueiras por requerimento de 27/09/2012, a fls. … dos mesmos), enquanto a dívida revertida ascendia aos EUR 2.434,44 (doc.5 em anexo à p.i.).
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A Administração Fiscal não se pronunciou sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Autor marido. (cfr. Facto Provado 12) D) Em virtude de ter uma reclamação graciosa pendente e, mediante a penhora do veículo, ter sido prestada garantia suficiente, o Autor ficou justificadamente convencido que a referida execução se encontrava suspensa. (cfr. Facto Provado 12) E) A isso obrigava, como vimos supra, o art. 56º/1 da LGT, conjugado com o art. 169º/1 do CPPT. Tendo em conta esses preceitos legais, a venda do veículo em causa nunca se poderia realizar, sem que primeiro a Administração Fiscal se pronunciasse sobre a reclamação graciosa deduzida pelo Autor marido.
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No entanto, ocorreu precisamente o contrário. O Serviço de Finanças de Felgueiras procedeu à venda do veículo em causa, sem, primeiro, se dignar apreciar os argumentos deduzidos pelo Autor marido na sua Reclamação Graciosa.
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Essas normas (art. 56º/1 LGT e art. 169º/1 do CPPT) existem assim para protecção dos sujeitos passivos, assegurando o direito a uma defesa efectiva dos seus interesses e direitos, garantindo que os seus argumentos sejam apreciados pela Administração Fiscal.
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No entanto, de modo, no mínimo, negligente, o Serviço de Finanças de Felgueiras não só não suspendeu como era sua obrigação o processo executivo, como procedeu, em 31/07/2007, à venda do veículo penhorado sem previamente proferir decisão sobre a reclamação graciosa deduzida pelo Autor. Ao actuar dessa forma o Serviço de Finanças de Felgueiras violou com negligência grave o disposto nos supra referidos arts. 56º/1 da LGT e 169º/1 do CPPT, normas que visam assegurar o direito ao contraditório e a uma defesa efectiva dos contribuintes.
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Face ao exposto, atenta a flagrante violação dessas normas que visam proteger direitos e interesses fundamentais/relevantes dos sujeitos passivos, como era o caso do A. marido, consideramos encontrar-se preenchido o requisito da ilicitude, imprescindível para que haja a obrigação de indemnizar por parte do Estado.
2) Da violação dos arts. 886º-A, n.º 1 e n.º 4 do CPC, aplicável ex. vi art. 2º do CPPT, e 193º/n.º4 do CPPT; J) Por outro lado, nos termos dos arts. 886º-A, n.º 1 e 4 do CPC (aplicável ex. vi art. 2º do CPPT) e 193º/n.º4 do CPPT, a decisão sobre a venda dos bens penhorados é tomada após audição prévia do executado, devendo este ser ainda posteriormente notificado sobre a sua modalidade, valor base, data, hora e local em que a mesma se realizará, etc..
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Estas normas visam também elas proteger o próprio executado, pois asseguram que o seu património não possa ser vendido sem que primeiro tal lhe seja comunicado. Para o efeito, deve ser identificado qual o bem concreto que vai ser vendido, o seu valor base, a modalidade da respectiva venda, bem como a data e hora em que a mesma se realizará. Deste modo, assegura-se, nomeadamente, que o executado possa evitar a venda coerciva, pagando a dívida exequenda até à concretização da mesma.
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Tal é muito relevante nos casos, como o presente, em que o valor do bem penhorado é muito superior ao valor da dívida exequenda. Com efeito, não é de todo verosímil que os Autores, se tivessem tomado conhecimento prévio e atempado da decisão que ordenou a venda do seu veículo (como era, aliás, seu direito), tivessem deixado que a mesma se concretizasse.
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No entanto, resulta dos Factos Provado 13 e 14, juntamente com o doc.7 em anexo à p.i., a fls. ... dos autos e o depoimento da testemunha FRM, funcionário do Serviço de Finanças de Felgueiras, cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 17/05/2013, em suporte digital (disco rígido do computador na sala de audiências, de 1:33:54 minutos a 1:53:30 minutos, mais concretamente na passagem 1:49:30 a 1:51:30, que tal nunca aconteceu.
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Como é bom de ver, na única notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Felgueiras ao Autor apenas se faz referência à venda dos bens penhorados à firma A... Combustíveis e Lubrificantes Lda. e não ao A. marido, tendo-lhe assim sido prestada informação falsa, susceptível de o levar ao engano.
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Como se isso não fosse suficiente, essa notificação omitiu ainda informação essencial obrigatória que, a ser prestada, poderia evitar esse mesmo engano, como seja: - A identificação concreta do(s) bem(ns) a vender (nomeadamente se era o veículo em causa nos autos); - se este pertencia ao executado, aqui A. marido; - o valor base da venda; - bem como a data, hora e local em que a venda se realizaria.
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Deste modo, parece-nos evidente que, ao actuar dessa forma, o Serviço de Finanças de Felgueiras violou com negligência grave o disposto nos supra referidos arts. 886º-A, n.º 1 e n.º 4 do CPC, aplicável ex. vi art. 2º do CPPT, e 193º/n.º4 do CPPT, na redacção então em vigor.
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E, em consequência directa e necessária dessa conduta, o A. marido não teve qualquer hipótese de saber antecipadamente que o referido Serviço iria proceder à venda do seu próprio veículo automóvel, pelo que ficou impedido de, em último caso, pagar a dívida em questão (de pequeno montante) e evitar a concretização da dita venda.
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Assim, atenta a flagrante violação dessas normas que visam proteger direitos e interesses fundamentais/relevantes dos sujeitos passivos, como era o caso do A. marido, encontra-se preenchido o requisito da ilicitude, imprescindível para que haja a obrigação de indemnizar.
3) Da violação dos arts. 220º e 239º/1 do CPPT: S) Sendo a Autora esposa proprietária, em comunhão, do veículo em causa, os arts. 220º e 239º/1 do CPPT impunham ao Serviço de Finanças de Felgueiras que procedesse à sua citação pessoal, dando-lhe assim a conhecer a penhora desse bem comum do casal.
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Apesar dessa obrigação legal, o certo é que o referido Serviço de Finanças nunca procedeu à citação da Autora esposa e muito menos a informou que iria proceder à venda coerciva do seu veículo automóvel, prosseguindo a execução como se nada fosse. Em consequência directa e necessária da conduta do referido Serviço de Finanças, a Autora esposa não podia conhecer a existência do referido processo executivo, tendo ficado impedida de nele intervir como era seu direito, nomeadamente para requerer a separação judicial de bens ou mesmo de pagar a divida em questão de pequeno montante.
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Ao actuar dessa forma o Serviço de Finanças de Felgueiras violou com negligência grave o disposto nos arts. 220º e 239º/1 do CPPT, na redacção então em vigor, normas essas cuja função visa assegurar a participação no processo executivo dos cônjuges dos executados nos casos em que, como este, são penhorados bens comuns do casal.
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Face ao exposto, ao violar esses preceitos legais, o Serviço de Finanças de Felgueiras impediu ilegalmente a Autora mulher de tomar conhecimento, participar, apresentar defesa e/ou pagar no âmbito do processo executivo em referência e assim evitar a sua venda coerciva. Pelo contrário, o mesmo serviço prosseguiu ilegalmente a execução, tendo procedido à venda do veículo quando estava legalmente impedido de o fazer (cfr. última parte do art. 239º/1 do CPPT). Consequentemente, também por isso consideramos devidamente preenchido o requisito da ilicitude, imprescindível para que haja a obrigação de indemnizar por parte do Estado.
4) Da violação do art. 249º/2 do CPPT: W) Desde logo, a não publicação dos editais em Viana do Castelo, acrescida da omissão do nome do Executado (A. marido) nos mesmos editais e anúncios, impediram desde logo que a Autora esposa, enquanto proprietária do veículo em causa, pudesse tomar conhecimento da dita venda, intervir no respectivo processo executivo, requerer a separação de bens ou até exercer o direito de remição previsto no artigo 912ºdo CPC. Não nos podemos esquecer que, exercendo esse direito de remição, os Autores não seriam desapossados do seu veículo, como foram.
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Por outro lado, consideramos ainda que, quer as publicações dos editais e anúncios em Viana, quer a inserção da identificação do executado nos mesmos, eram ainda essenciais para que o próprio pudesse tomar conhecimento da mesma venda. A publicidade não existe apenas para que terceiros possam tomar conhecimento da mesma, mas também pode aproveitar ao próprio Executado e seus familiares...
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