Acórdão nº 01952/15.1BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução08 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte Secção do Contencioso Administrativo: MG Arquiteto, Ldª (…), interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF de Braga, em acção de contencioso pré-contratual interposta contra Município de Guimarães (…), sendo contra-interessada P... – Arquitectura e Engenharia Integradas, Ldª, (…).

Conclui a recorrente:1ªTal como sucedeu com o facto n.º 10 (instrumental), deve o Tribunal de recurso aditar à matéria assente o facto seguinte: ”A Contra-interessada P..., ainda antes do início do prazo para submissão das propostas, e desde há 2 ou 3 meses, sabia que o seu serviço de Internet funcionava deficientemente e apresentava lentidão”.

  1. Resulta da matéria assente, sem necessidade da sua alteração, que a Contra-interessada iniciou a submissão electrónica da sua proposta apenas às 16:55:27, pois só a essa hora iniciou o upload do ficheiro PDF Final ZIP que a continha. Idem, quanto ao facto de não haver registo de quaisquer acções entre as 16:18:21 e as 16:52:53.

  2. O momento procedimentalmente relevante da submissão da proposta da Contra-interessada é às 17:18:47, instante da assinatura electrónica, certificada pela aposição de selo temporal – cfr. art.º 14º, n.º 2, da Decreto-Lei n.º 143-A/2008, de 25.07.

  3. No lapso temporal de mais de meia hora, entre as 16:18:21 e as 16:52:53, sabe-se apenas que a Contra-interessada acedeu com êxito a uma janela (página) da plataforma Vortal, que foi de facto “aberta”, mas sem registo de outras acções ou sequer da sua tentativa.

  4. O argumento da lentidão do serviço de Internet invocado como justo impedimento é falso, como decorre do facto de o tráfego de dados mais pesado – o que contém o ficheiro PDF Final ZIP com a proposta – ter sido iniciado e concluído em pouco mais de 5 minutos, localizados praticamente na íntegra antes das 17:00, durante o tempo regulamentar – donde, a P... não teve tão-pouco em consideração os 15 minutos julgados necessários à submissão, e que o Tribunal acolheu como um tempo razoável.

  5. Não colhe a alegação – do domínio da mistificação e da vitimização, em que nem o mais impenitente dos info-excluídos acredita – de que a Internet funcionou com lentidão anormal desde as 16:11:57 até às 16:55:27 e que em cima da hora de fecho, a partir das 16:55:27, adquiriu surpreendente rapidez.

  6. Tal facto é incompatível com a invocada “sobrecarga e lentidão, sem previsão de melhorias”, que ainda se verificava na zona em 26.02.2015 segundo a informação da operadora NOS (cfr. facto n.º 6).

  7. O justo impedimento deve ser objecto de avaliação casuística e no caso sub judicio a inobservância do prazo pela Contra-interessada deve-se a culpa sua, sendo-lhe exigíveis, dado o carácter altamente profissionalizado e concorrencial do procedimento em causa, cuidados especialmente acurados, superiores à média.

  8. A Contra-interessada, actuando diligentemente, deveria ter procurado, com antecipação, uma solução alternativa, pois já sabia, “há 2, 3 meses”, do impedimento invocado, que não era assim imprevisível, inultrapassável nem inescapável. Além disso havia a admonição do Ponto 6.2 do Programa de Concurso (PC) – o problema da Internet era um problema interno, inoponível a terceiros, e releva de má organização empresarial.

  9. O justo impedimento não cobre situações em que o evento que lhe serviu de causa era susceptível de previsão normal e quem o invoca não se acautelou contra ele.

  10. A invocação do justo impedimento foi-o em violação do regime do art.º 140º, n.º 2, CPC e do art.º 18º do DL 143-A/2008, pois tem de ocorrer mal cesse a sua causa, ser logo fundamentado e oferecidas as provas.

  11. Não integra a necessária fundamentação a invocação – a única efectuada nos primeiros 10 dias –, de que “não foi possível entregar a candidatura por motivos que nos são alheios”, quando já se sabia, de há muito, a raiz e a causa do alegado impedimento. O mesmo se diga da (muito) posterior invocação de “lentidão”, vaga e escassa do ponto de vista de uma fundamentação correcta e suficiente.

  12. A douta sentença faz uma errada interpretação e aplicação dos artigos 140º do CPC e do art.º 62º do CCP, art.º 18º do Decreto-Lei n.º 143-A/2008 e o ponto 6 (mormente números 2 e 6) do PC.

  13. A disciplina legal do justo impedimento, no âmbito da contratação pública, não dá lugar, como seria normal, à prática do acto fora de prazo mas à prorrogação deste por período adequado, com publicação obrigatória e posterior aproveitamento por todos os interessados, nos termos prescritos no art.º 18º do Decreto-Lei n.º 143-A/2008, cujos critérios especiais se sobrepõem aos do processo civil.

  14. Assim o exigem razões de certeza e segurança jurídica mas também os princípios da igualdade, imparcialidade, publicidade, transparência e concorrência, que ditam que o termo ad quem do prazo seja igual para todos os candidatos – cfr. art.º 1º, n.º 4, CCP.

  15. Acresce que até ao final do prazo ou da prorrogação todos os interessados podem modificar e aperfeiçoar as suas propostas, nos termos dos artigos 137º e 176º CCP.

  16. Havendo justo impedimento – que não havia –, o que a entidade adjudicante devia fazer, além de sustar de imediato a abertura das propostas, era, cumprindo a lei e o PC, prorrogar o termo ad quem do prazo de apresentação das propostas, mediante fundado requerimento do interessado (cfr. art.º 18º, n.º 2) – ocorrendo, neste aspecto, violação de lei por erro quanto aos pressupostos de facto –, pelo período necessário, o qual aproveita a todos os interessados (n.º 3), publicando a decisão antes de esta dever produzir efeitos.

  17. A falta de publicação e concessão aos interessados viola os supracitados preceitos legais e o ponto 6.4 do PC.

  18. A “prorrogação” do prazo feita a posteriori, e às ocultas, com efeitos ex tunc, além de violar as citadas normas legais, é uma aberração jurídica na medida em que os seus efeitos se reportam a um momento em que os interessados já não o podem usufruir, em violação portanto dos princípios da igualdade, transparência, publicidade, concorrência e boa fé (art.º 1º, n.º 4, CCP).

  19. A prorrogação, com efeitos de pretérito, por um período de 18 minutos e 47 segundos, igual ao do atraso da Contra-interessada, e apenas para esta, depois de submetidas e potencialmente cognoscíveis as propostas, viola o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade e importa ainda violação dos princípios da igualdade, da boa fé, imparcialidade, transparência, publicidade e concorrência (artigos 7º, 8º, 6º e 9º do CPA e art.º 1º, n.º 4, CCP).

  20. A sentença viola ainda o art.º 18º, n. 3, do Decreto-Lei n.º 143-A/2008, no segmento em que o preceito vincula a entidade adjudicante a critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade na fixação do prazo.

  21. O facto de o júri já conhecer as propostas, e por isso saber perfeitamente que classificação vai atribuir a cada uma, impede-o de praticar actos com implicações substantivas no concurso e com efeitos retroactivos, sob pena de tais actos estarem inquinados pelo conhecimento que o júri entretanto adquiriu no procedimento.

  22. Isso a lei não o quer e não é possível – veja-se o lugar paralelo do art. 64º do CCP (esclarecimentos e prorrogação do prazo). Tudo sob pena de violação dos citados princípios da transparência, igualdade e concorrência.

  23. A negação da possibilidade de usufruir da prorrogação do prazo por todos os concorrentes significa que estes ficam privados do direito (material) de substituir, modificar ou aperfeiçoar as suas propostas. E aqui fica violado a lei (art.º 18º do Decreto-Lei n.º 143-A/2008) mas também os princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.

  24. Nenhum candidato pode ter um prazo diferente dos outros. O prazo, quer o primitivo quer o suplementar, deve terminar para todos os proponentes à mesma hora e minuto, como garantia de igualdade, transparência, imparcialidade e sã concorrência. Essa obrigação, para o júri, decorria além do mais do disposto no ponto 6º, n.º 4 do PC – que tem carácter regulamentar: “a alteração e prorrogação do prazo atrás mencionado incidirão sobre todos os interessados e concorrentes”, que por conseguinte foi também violado.

  25. Outro segmento de violação do princípio da concorrência e da imparcialidade (na sua dupla vertente de tratamento imparcial e equidistante dos concorrentes e da projecção pública de confiabilidade) consiste na admissão de uma proposta depois de as outras, atempadamente submetidas, já terem sido disponibilizadas na plataforma.

  26. O princípio da imparcialidade visa justamente remover esse perigo, mesmo que só potencial, de contaminação por informação privilegiada obtida depois do minuto de fecho quer de concorrentes com quem haja relação de proximidade quer até de eventuais detentores de chaves públicas de acesso.

  27. E quanto à concorrência, porque essa circunstância é susceptível de distorcer o resultado do concurso.

  28. O adjudicante, ao determinar a abertura das propostas quando a devia ter sustado, inutilizou o concurso e a possibilidade de prorrogação do termo ad quem do prazo, pois as propostas, depois de conhecidas, são intangíveis, sob pena de violação do princípio da intangibilidade.

  29. A prorrogação retroactiva, do modo como foi determinada, ou ficcionada, viola o princípio da concorrência e também o da boa fé enquanto padrão ético de conduta. Constitui decisão-surpresa, prorrogar um prazo, com efeitos de pretérito, um mês depois.

  30. Da concorrência porque de acordo com este princípio o adjudicante está proibido de favorecer ou proporcionar diferentes condições de preparação, apresentação e defesa das propostas e obrigado a aplicar as normas e critérios do procedimento objectivamente, tal como foram inicialmente definidos.

  31. E viola ainda os princípios da igualdade, imparcialidade, transparência e concorrência, e o da boa fé, quando se atenta no teor do ponto 6.2 do Programa de Concurso, que aqui damos por reproduzido, e segundo o qual “os concorrentes deverão prever o tempo necessário...

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