Acórdão nº 01470/08.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução08 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte Secção do Contencioso Administrativo: IMRVA (...

) interpõe recurso de despacho interlocutório e recurso de sentença proferida pelo TAF de Braga, que julgou improcedente acção administrativa especial interposta contra Instituto de Segurança Social, I.P.

– Centro Distrital de Braga (…).

Com relação à sentença, conclui a recorrente (sic): 1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão, proferida por sentença de 24 de Outubro de 2015, e pela qual o Ilustre Tribunal a quo julgou a presente acção administrativa comum totalmente improcedente, absolvendo o Réu de todos os pedidos aduzidos pela Autora.

  1. O Ilustre Tribunal a quo considerou, na decisão ora em crise, por um lado, não se ter verificado qualquer incumprimento contratual por parte do Réu para com a Autora, pois, por um lado, o Réu não se encontrava obrigado a colocar quatro crianças aos cuidados e guarda da autora e, por outro lado, mesmo que existisse a obrigação do Réu integrar quatro crianças aos cuidados e guarda da Autora, verificar-se-ia uma impossibilidade objectiva (ainda que pudesse ser configurada como temporária) do cumprimento da obrigação, conforme o disposto nos artigos 790.º e 792.º do Código Civil, uma vez que o Réu não tinha em lista de espera crianças para colocar em amas, que fossem residentes na zona do domicílio da Autora.

  2. No entanto, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, a sentença ora em crise não perfilhou, in casu, a correcta solução jurídica.

  3. E isto porque, atendendo à fundamentação, fática e jurídica, perfilhada pelo Tribunal a quo e supra exposta, bem como às conclusões por este colhidas, conclui-se que o Tribunal a quo na apreciação da querela em questão limitou-se a apreciar e a interpretar - e erradamente, com o devido respeito e salvo melhor entendimento - o contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e o Réu, fazendo uma interpretação, pura e simplesmente, literal do texto vertido na cláusula I do citado contrato de prestação de serviços, olvidando em absoluto, no entanto, o conteúdo do anexo a tal contrato de prestação de serviços, bem como, e acima de tudo, olvidou todos os princípios de direito administrativo, norteadores da actividade administrativa que regem a actividade das entidades administrativas públicas e, in casu, toda a actuação do Réu.

  4. A cláusula I do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e o Réu limita-se a cumprir - e apenas existe para esse efeito - com o disposto na Norma VI do Despacho Normativo n.º 5/85, de 18 de Janeiro, onde é estabelecida uma obrigação de, entre as instituições de enquadramento e as amas serem "celebrados contratos de prestação der serviços onde se explicitem os direitos e deveres mútuos fundamentais decorrentes do regime estabelecido no Decreto-lei n.º 158/84, de 17 de Maio.".

  5. Tal cláusula I é, por isso, meramente explicativa e concretizadora de preceitos legais - concretamente, da Norma VI do citado Despacho Normativo e do Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio -, pois o conteúdo constante em tal cláusula decorre da lei e não do contrato.

  6. A cláusula I do aludido contrato de prestação de serviços não define o número de crianças que, por acordo de vontades, estas se vinculam a integrar na ama e esta a cuidar. Esse número é definido pela cláusula I do Anexo do referido contrato de prestação de serviços, e que dele faz parte integrante.

  7. Número esse que é de quatro, conforme melhor se pode aferir pela leitura desse mesmo anexo ao contrato de prestação de serviços, onde se lê: "O contrato a que respeita o presente anexo refere-se a 4 crianças." (negrito nosso) - cfr. o ponto 3 da matéria de facto assente na sentença ora em apreciação.

  8. Se assim não fosse, nenhum sentido faria a existência do citado Anexo ao contrato, contendo uma cláusula com o número de crianças que, por acordo das partes, devessem ser integradas nas amas (pois tal número já se encontraria previsto na cláusula I do contrato).

  9. A infirmar este entendimento, encontramos o n.º 1 do artigo 15.º do citado Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio, ao postular que "sempre que não se efective o acolhimento das crianças admitidas por razões não imputáveis à ama ser-lhe-á devido um quantitativo correspondente a 50% da comparticipação mensal por criança.".

  10. Atendendo ao contrato de prestação de serviços referido, bem como ao seu respectivo Anexo, uma interpretação dos respectivos conteúdos diferente da que ora se propugna atentaria contra o princípio geral de direito administrativo da justiça individual, na sua manifestação da boa-fé da administração pública, 12. contra o princípio da boa-fé da actuação administrativa, que protege a confiança suscitada na contraparte - in casu, na Autora - pela actuação em causa - cfr. o artigo 6.º-A, n.º 2, al. a) do revogado Código do Procedimento Administrativo, 13. bem como, em especial, contra o princípio da protecção do interesse privado da Autora, princípio este basilar na interpretação dos contratos administrativos.

  11. O Ilustre Tribunal a quo, ao decidir-se pela não verificação de incumprimento contratual por parte do Réu, por este não se encontrar vinculado a integrar quatro crianças aos cuidados e guarda da Autora, nos termos do contrato, por este não estipular tal obrigatoriedade, fez uma errada interpretação das cláusulas I do referido contrato de prestação de serviços e do seu Anexo, 15. bem como desconsiderou a aplicação dos princípios de direito administrativo geral da justiça, na sua vertente da actuação da boa fé por parte da administração, constante dos artigos 6.º e 6.º-A, n.º 2, al. a), do revogado Código do Procedimento Administrativo (artigos 8.º e 10.º, n.º 2, do actual CPA), e, em especial, do princípio da protecção do interesse privado do co-contraente do Réu (a Autora), princípio doutrinário este basilar na interpretação dos contratos administrativos.

    Acresce ainda que, 16. considerou o Tribunal a quo que "... também resultou provado que desde 07 de Fevereiro de 2008 e até ter denunciado o contrato com a Autora, o Réu não tinha em lista de espera crianças para colocar em amas, que fossem residentes na zona do domicílio da Autora e que antes de ter denunciado o contrato com a Autora, havia outras amas, com contrato igual ao que a Autora celebrou com o Réu, que não tinham a totalidade das crianças passíveis de serem por si acolhidas.

  12. Ou seja, considerou o Tribunal recorrido que, mesmo que existisse uma obrigação por parte do Réu de afectar 4 (quatro) crianças aos cuidados e guarda da Autora, ainda assim, aquele logrou provar factos que consubstanciam uma impossibilidade objectiva (ainda que pudesse ser configurada como temporária) do incumprimento da obrigação (Cfr. artigos 790.º e 792.º do Código Civil).".

  13. No entanto, a circunstância do Réu não dispor, a partir de 7 de Fevereiro de 2008 até à data da aludida denuncia contratual, de crianças que residissem na área de residência da Autora em nada impedia que o Réu pudesse (e devesse) colocar aos cuidados e guarda da Autora crianças cuja área de residência das mesmas não coincidisse com a área de residência da Autora, pois não existe qualquer obrigação legal que impenda sobre o Réu de colocar crianças aos cuidados e guarda de amas que tenham a mesma área de residência daquelas.

  14. As únicas obrigações que sobre o Réu impendem nesta questão são as decorrentes do estatuído no Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio, do diploma que o regulamenta, o Despacho Normativo n.º 5/85, de 18 de Janeiro, na persecução dos objectivos estabelecidos pelo regime nestes diplomas, das constantes do contrato de prestação de serviços que celebrou com a Autora, e dos princípios basilares de direito administrativo a cuja observância se encontra vinculado na sua actuação.

  15. Não decorre dessas normas que o Réu não pudesse integrar crianças aos cuidados e guarda de amas cuja área de residência não coincida com as da amas.

  16. E dos princípios jurídicos a que o Réu se encontra obrigado a observar na sua actuação para a prossecução do interesse público que lhe foi cometido resulta o dever do Réu, na prossecução dos objectivos delineados pelo programa estabelecido pelo citado decreto-lei, integrar crianças nas amas com quem o Réu acordou o acolhimentos destas, no respeito pelos direitos e interesses das partes envolvidas (crianças, seus pais e amas), devendo sempre agir de boa-fé na sua actuação.

  17. E no que a esta questão diz respeito, refira-se que também ficou provado que a Autora, desde o início da sua prestação de serviços ao Réu, acolheu crianças cuja área de residência não coincidia com a sua área de residência (vd. o ponto 20. da fundamentação da matéria de facto constante da sentença ora em apreciação), nomeadamente acolheu a Autora as crianças constantes nas diversas alíneas do ponto 21. da factualidade tida por assente constante da decisão ora em crise ).

  18. Deveria o Réu, in casu, ter colocado aos cuidados e guarda da Autora crianças, até ao número máximo de 4, atendendo aos legítimos interesses destas, dos legítimos interesses dos seus pais na colocação dos seus filhos numa ama, e atendendo aos interesses da Autora na colocação de crianças aos seus cuidados, mesmo que a área de residência de tais crianças não coincidisse a área de residência da ora recorrente.

  19. Deveria o Ilustre Tribunal a quo assim ter decidido e, para isso, ter aferido se o Réu, a partir do dia 7 de Fevereiro de 2008, tinha em lista de espera crianças para proceder à sua colocação na ora recorrente, independentemente de tais crianças residirem em área diferente da área de residência da Autora, antes de concluir pela verificação da existência de uma impossibilidade objectiva de cumprimento da obrigação do Réu, conforme o disposto nos artigos 790.º e 792.º do Código Civil).

  20. No entanto, não se encontra demonstrado nos autos que o réu tivesse em lista se espera crianças para integrar em amas, que residissem em...

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