Acórdão nº 00192/13.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução08 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO VS – Turismo, Jogos e Animação SA vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 15 de Dezembro de 2014, que julgou aquele Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer dos presentes autos, relativamente à acção administrativa comum interposta contra o Estado Português, e onde solicitado que devia: “…ser reposto o reequilíbrio económico-financeiro da concessão, nos termos acima indicados, ou, quando assim não se entenda, através de outras medidas, nomeadamente de reembolso de contrapartidas pagas e compensação directa em dinheiro, que assegurem resultado equivalente.” Em alegações o recorrente concluiu assim: 1) A Autora é a concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da Póvoa de Varzim, cujo contrato de concessão foi celebrado em 29 de Dezembro de 1988 (publicado no Diário da República, 3.ª Série, n.º 37, de 14 de Fevereiro de 1989) e objecto de revisão e integral substituição em 14 de Dezembro de 2001 (Diário da República, 3.ª Série, n.º 27, de 1 de Fevereiro de 2002); 2) A concessão de jogos de fortuna ou azar constitui uma modalidade típica de contrato administrativo, expressamente previsto no art.º 178.º, n.ºs 1 e 2, alínea f), do CPA, e no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02.12 (“Lei do Jogo”); 3) No plano substantivo, os contratos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar regem-se, para além do disposto nas suas cláusulas, pela demais legislação administrativa aplicável, nomeadamente, a Constituição (art.º 266.º) e, no plano da lei ordinária, o CPA (maxime, os princípios gerais e os art.ºs 178.º e seguintes do CPA) e, especialmente, a Lei do Jogo; 4) No plano adjectivo, a qualificação administrativa implica a atribuição de competência aos tribunais administrativos para conhecer os litígios a eles respeitantes (art.º 212.º, n.º 3, da Constituição, art.º 4.º, n.º 1, alínea f), parte final, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF, e art.º 2.º, alínea g), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA); 5) O contrato de concessão dos presentes autos é um contrato administrativo, submetido ao regime substantivo de direito público acima mencionado, competindo a apreciação dos litígios respeitantes à sua interpretação, validade e execução – como é o caso do presente litígio – à jurisdição administrativa, nos termos do art.º 4.º, n.º 1, alínea f), parte final, do ETAF, e art.º 2.º, alínea g), do CPTA; 6) O tribunal hierárquica e territorialmente competente, para julgar o presente litígio, é o tribunal administrativo e fiscal (art.ºs 9.º, n.º 2, e 44.º, do ETAF) da sede da Autora concessionária (art.º 16.º do CPTA), ou seja, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto; 7) O Decreto-Lei n.º 275/2001 de 17.10, que autorizou a prorrogação dos prazos dos actuais contratos de concessão das zonas de jogo, inclusive da Póvoa do Varzim, estabeleceu um conjunto de condições para o efeito; 8) O teor do art.º 8.º do referido diploma – que liga indefectivelmente a disposição legal às normas contratuais que se lhe seguirão – demonstra a natureza materialmente administrativa e contratual daquelas condições; 9) Estando em causa a prorrogação do contrato inicialmente celebrado – que se concretizou numa revisão ao mesmo – o Decreto-Lei n.º 275/2001 incorporou disposições que, noutro contexto, teriam sido fixadas no âmbito de um procedimento concursal e que assumiriam, por isso, inequivocamente natureza convencional pela integração no contrato; 10) A forma legal que assumiram as condições que enformaram a revisão do contrato de concessão celebrado, fruto das circunstâncias subjacentes à presente prorrogação, não pode, porém, impedir o funcionamento de princípios jurídicos essenciais no âmbito administrativo, como o princípio rebus sic stantibus ou da reposição do equilíbrio contratual; 11) Princípios estes que, independentemente de previsão legal ou contratual, são concretizações essenciais do princípio da justiça e que, por isso, não podem ser postergados ou esvaziados de conteúdo; 12) Aceitar-se a perspectiva da sentença recorrida, de que a pretensão da Autora não pode sequer ser apreciada, equivale a negar qualquer relevância e efeito ao instituto da alteração de circunstâncias, transformando o contrato de concessão num contrato puramente de adesão, que contrariaria a adaptabilidade que se reconhece a qualquer contrato, em especial aos contratos administrativos, e colocaria em causa a proibição de previsão de cláusulas que excluam a possibilidade de invocação da cláusula rebus sic stantibus, que se configura como uma das dimensões essenciais do princípio da justiça, que tem inequívoca dignidade constitucional (cfr. o artigo 266.º da CRP); 13) Tal contradição não pode senão significar – ao quebrar as exigências substantivas essenciais que resultam do princípio da justiça, em especial nas suas máximas da boa fé e da proporcionalidade, inviabilizando a tomada de consideração da alteração superveniente de circunstâncias – que as normas constantes do artigo 2.º, n.º 4 e do Quadro Anexo do Decreto-Lei n.º 275/2001, são materialmente inconstitucionais; 14) A lesão deste princípio – pelo não reconhecimento da possibilidade de ocorrência de alteração superveniente de circunstâncias – coloca em causa as exigências de reciprocidade e equivalência mais elementares a um Estado de Direito, e ferindo, por isso, de forma grave a Lei Fundamental; 15) Ao que acresce que a previsão de valores fixos e imutáveis relativos às prestações a cargo da Autora, sem atenção a alterações supervenientes relevantes – seja decorrentes de decisão do contraente público, seja por força da intervenção dos poderes públicos, seja pela ocorrência de factos imprevistos (motivos estes identificados na doutrina administrativista como justificativos da modificação objectiva do contrato) – que se repercutam gravemente no equilíbrio negocial, converterá aquelas prestações em verdadeiros Tributos; 16) Assumindo essa natureza jurídica e dada a circunstância de a sua previsão resultar de Decreto-Lei (cfr. artigo 2.º, n.º 4 e Quadro Anexo do Decreto-Lei n.º 275/2001), não autorizado (desde logo, o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, concedido no uso de autorização legislativa, apenas menciona o estabelecimento de condições à prorrogação, sem incluir nelas a possibilidade do estabelecimento de novos tributos), há que concluir que aquelas disposições são, para além de materialmente, também organicamente inconstitucionais, por violação do disposto no art.º 103.º, n.ºs 2 e 3, e 165.º, alínea i), da CRP; 17) A Autora não só formulou um pedido de modificação do contrato de concessão (indicando os termos em que a mesma adequadamente poderia ser realizada, cfr. artigos 185.º a 187.º da Petição Inicial) como acrescentou que, quando assim não se entenda, deverá o Tribunal ordenar a adopção de outras medidas (nomeadamente, o reeembolso de contrapartidas pagas e contrapartidas directas em dinheiro), que reponham efectivamente o equilíbrio contratual que, de outra forma, será irremediavelmente afectado; 18) O Decreto-Lei n.º 275/2001 limitou-se a definir os parâmetros a que deveria obedecer a prorrogação dos contratos de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, esgotando a sua força normativa no momento em que, em 2001, foram celebrados os contratos de concessão modificados, em conformidade com tais parâmetros, como é o caso do contrato de concessão dos autos; 19) Tal diploma não constitui um critério de validade de quaisquer alterações posteriores a estes contratos, que as partes, no exercício da sua autonomia contratual, sempre poderiam livremente conformar; 20) Face ao disposto no art.º 13.º da Lei do Jogo, o legislador incute a ideia de que os decretos-lei do tipo do Decreto-Lei n.º 275/2001 não são actos legislativos directamente conformadores da realidade social, mas sim leis que regulam o modo de produção dos acordos de prorrogação e estabelecem os respectivos parâmetros materiais condicionantes, e que, portanto, carecem sempre desta posterior interpositio contratual para se tornarem plenamenteb operativos e produzirem os seus efeitos conformativos das relações jurídicas administrativas em causa; 21) A referência ao “regime contratual”, no art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 275/2001, e a circunstância de se fazer depender a entrada em vigor das alterações visadas da celebração dos acordos de prorrogação dos...

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