Acórdão nº 00082/03 - Coimbra de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelPedro Vergueiro
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “LE…, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 19-03-2007, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com as liquidações adicionais de IVA n.ºs 98155839, 98155851, 98155955, 98155967, 98155969 e 98155976, relativas, respectivamente, aos exercícios de 1993, 1994, 1995, 1996, 1996 e 1997, nos montantes de Esc.11.394.676$00, 25.564.264$00, 28.742.085$00, 19.233.987$00, 2.162.486$00 e 10.334.571$00.

Formulou as respectivas alegações (cfr. fls. 211-246) no âmbito das quais enunciam as seguintes conclusões: “(…) 1. A Deliberação n.º 41/2007 do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, publicada na 2.ª Série do Diário da República de 08/01/2007, veio autorizar “juízes, em regime de acumulação de funções para além dos tribunais de que são titulares, para movimentarem processos, na área administrativa/tributária”.

  1. No caso sub judice, essa deliberação foi interpretada e aplicada em concreto em termos de permitir que a sentença fosse proferida por um outro tribunal, ou por um outro magistrado, em exercício de funções em Tribunal sem qualquer competência legal para o efeito.

  2. Encontrando-se o CSTAF a regular uma matéria relativa à competência dos tribunais tributários a deliberação n.º 41/2007, está inquinada de inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 165.º, n.º1, al. p), da CRP.

  3. A mencionada deliberação atenta também contra o princípio do juiz natural, padecendo, por isso se inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos artigos 2.º, 20.º e 203.º da CRP.

  4. Tal princípio não se circunscreve ao âmbito do direito penal, sendo um princípio constitucional basilar de um Estado de direito material, como garante de independência e imparcialidade da judicatura.

  5. De acordo com o princípio do juiz natural (juiz legal, juiz predeterminado por lei, gesetzlicher Richter), proíbe-se a criação (ou a determinação) de uma competência «ad hoc» (de excepção) de um certo tribunal para uma certa causa.

  6. A atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é: de excepção), a definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou o desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa, constituem violações desse princípio, estando constitucionalmente postergadas.

  7. Em todo o caso, o “juiz legal” no sentido constitucional não é apenas o tribunal como unidade organizatória, ou o tribunal enquanto órgão decisor, mas também o próprio juiz chamado a tomar a decisão num caso concreto, devendo as regras de determinação do juiz legal determinar previamente, tão precisamente quanto possível, que formação judiciária e que juízes, dela integrantes, serão chamados a decidir.

  8. Dele resulta também a necessidade de mobilizar critérios objectivos para a identificação do tribunal competente para o julgamento, aí se incluindo, como resulta do exposto, a competência do juiz a quem o processo foi distribuído.

  9. A Deliberação n.º 41/2007, na concreta interpretação que lhe foi dada nos autos – ou seja, no sentido de admitir a intervenção de um juiz não titular do processo, só de per se ou integrada também com a dimensão normativa segundo a qual essa intervenção se poderá fazer através da remessa dos autos a um tribunal não determinado segundo critérios objectivos, mas subjectivamente escolhido – é violadora do princípio do juiz legal.

  10. Na verdade, a norma em causa admite a intervenção de um juiz para exercício de funções para além dos tribunais de que são titulares, podendo movimentar esses processos, ou seja, na prática, como sucedeu in casu, a norma admite que o juiz que profira a decisão final – a sentença – seja um juiz que nada tem a ver com o processo ou com a circunscrição territorial que delimita a competência do tribunal.

  11. Ao que acresce que não resulta da norma o estabelecimento de quaisquer critérios objectivos que presidam à escolha desse Juiz/Tribunal.

  12. Admitindo que haja uma imputação subjectiva a qualquer um dos Juízes/Tribunais referidos na citada Deliberação, e que exclusivamente por essa via, sem qualquer sorteio ou distribuição objectiva ou “cega”, se faça intervir nos autos um concreto Tribunal/Juiz.

  13. Caso não se entenda que a Deliberação do CSTAF tem um claro conteúdo normativo, estando qua tale sujeita a fiscalização difusa da constitucionalidade ex vi o disposto no artigo 204.º da CR e a fiscalização concreta, pelo Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Diploma Fundamental, o que não se concede, a recorrente, ad cautelam, suscita também, com os fundamentos atrás referidos, a inconstitucionalidade da norma do artigo 12.º do CPPT, conjugado com o disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2 (e mapa anexo), do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, quando interpretada no sentido de admitir que um juiz/tribunal não titular do processo possa proferir sentença num processo que corre termos fora da sua área de jurisdição, interpretação essa que é feita implicitamente na sentença recorrida tendo em conta o Despacho do Senhor Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais cristalizado na Deliberação n.º 41/2007 desse Conselho Superior.

  14. Por outro lado, assumindo a Deliberação n.º 41/07 do CSTAF um claro conteúdo regulamentar, padecerá também de inconstitucionalidade formal por violação do disposto no artigo 112.º, n.º 7, da CRP.

  15. A remissão (total) /transcrição (parcial) para o relatório de inspecção não constitui forma adequada de fixação da matéria de facto, pelo que a decisão recorrida não satisfaz, em sede de especificação da matéria fáctica relevante, as exigências vertidas nos artigos 123.º do CPPT e 659.º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT), sendo nula nos termos do disposto no artigo 125.º do CPPT.

  16. A norma do artigo 123.º, principaliter, o seu n.º 2, do CPPT, interpretado no sentido de admitir como adequadamente discriminada a matéria de facto dada como provada através de remissão/transcrição parcial de documentos constantes dos autos, de per se e/ou em articulação com o artigo 125.º do CPPT, numa dimensão normativa de acordo com a qual a “discriminação” da matéria de facto dada como provada feita por mera transcrição/remissão para documentos constantes dos autos, não configure causa de nulidade da respectiva decisão atentam, de modo flagrante, contra o parâmetro jusfundamental tipificado no artigo 20.º, na dimensão de direito a um processo justo e equitativo – due process of law, com sentido material análogo ao inferido do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  17. Desde já se requerendo ao Tribunal que, após a correcta fixação da matéria de facto, ordene a notificação do recorrente para que este possa alegar o que tiver por conveniente em complemento ao constante da presente peça processual, maxime no que diz respeito a tal factualidade e respectiva valoração judicial, sendo inconstitucional, por violação das referidas exigências axiológico-normativas, o critério normativo inferido dos artigos 3.º, n.º 3, 712.º e 715.º do CPC, aplicáveis ex vi arts. 2.º e 281.º do CPPT, na interpretação segundo a qual é dispensada a audição do recorrente após a alteração/modificação ou fixação definitiva da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª instância, de modo a poder alegar, “complementando” o seu recurso, o que tiver por conveniente em face de tal fixação.

  18. A norma do artigo 282.º, n.º 3, do CPP, quando interpretada no sentido de o prazo aí previsto não se considerar aplicável ao alegado pelo recorrente após notificação da fixação definitiva da matéria de facto, também aqui por violação do direito a um processo justo e equitativo inferido dos arts. 2.º e 20.º da CRP e por violação do parâmetro tipificado no artigo 18.º, n.º 2, do diploma fundamental.

  19. A sanção para o não cumprimento da forma legal das facturas ou documentos equivalente não é sempre a impossibilidade, para o destinatário desses documentos, de deduzir o IVA neles mencionado.

  20. Atendendo à importância do direito a deduzir no funcionamento do imposto - já que constitui o elemento-chave que assegura a neutralidade do imposto - a administração deve, não descurando a forma dos documentos, atender sobretudo à substância das operações, não negando o direito a deduzir quando seja possível, apesar do eventual vício de forma, reconstituir as operações efectuadas e verificar que o imposto dedutível teve contrapartida em um imposto liquidado correspondente.

  21. Para o efeito, deve a administração fiscal permitir ao sujeito passivo que tente a correcção do vício de forma junto do seu fornecedor ou prestador de serviços, sem prejuízo de poder sancionar com coima pelo não cumprimento de obrigações fiscais acessórias, proporcionando assim a reacção à real gravidade da infracção.

  22. No caso concreto da consulta, aquela correcção aparece facilitada pela circunstância de emitente e destinatário das facturas serem sociedades do mesmo grupo e que tinham, à data dos factos controvertidos, serviços administrativos e de contabilidade em comum.

  23. O n.º 3 do artigo 7° do Decreto-Lei n.º 45/89, de 11 de Fevereiro, aplicável à facturação para efeitos de IVA por força do artigo 5° do Decreto-Lei n.º 198/90 de 19 de Junho, de per se, ou conjugadamente com ofício-circulado n.º 165347 do SIVA, de 31 de Outubro de 1991, interpretado no sentido de que os documentos processados por mecanismos de saída de computador "devem provir integralmente de programas de facturação e não, por exemplo, de programas de processamento de texto", atenta contra o princípio da legalidade fiscal constante do artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

  24. Nem todos os vícios formais que os serviços competentes da DGCI...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT