Acórdão nº 00426/16.8BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 04 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução04 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A... GÁS, S.A.

veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 25.07.2016, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção de contencioso pré-contratual, intentada pela ora Recorrente contra Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, E.P.E.

em que foram indicadas como Contra-Interessadas, a AL... MEDICINAL, S.A., a G... II e a “Gases Industriais, Unipessoal, L.da” para anulação da “decisão de contratar do Conselho de Administração da Ré, de 12.01.2016, para o procedimento de aquisição n.º 01000616, com as legais consequências” e se assim não for entendido “deverão ser expurgadas do Convite e do Caderno de Encargos as normas, regras e exigências legais (…), anulando-se todos os catos praticados neles fundados e, em consequência, ser a Ré condenada a reiniciar o procedimento sem as apontadas ilegalidades”; foi ainda pedida a suspensão do “procedimento do procedimento de aquisição, impedindo a prática de quaisquer actos subsequentes, de forma a impedir que seja proferida uma decisão de adjudicação ou celebração do contrato antes de ser proferida sentença no processo”.

Em simultâneo interpôs recurso do despacho prévio que alterou o valor atribuído à acção, de 30.000,01, indicado pela Autora, para o valor do preço base estabelecido no convite, 370.455,36 euros.

Invocou para tanto, em síntese, que são ilegais as seguintes exigências, constantes das peças do procedimento: 1ª - a exigência de dispositivo de leitura de autonomia em horas/minutos nas garrafas de oxigénio líquido de 5 litros, por violação do princípio da concorrência, dado apenas a Contra-Interessada “AL...e” comercializar a dita garrafa em território nacional; 2ª - quanto ao critério de adjudicação, à composição dos lotes e modelação do procedimento, por entender que estes violam o AQ 2013/30, ao abrigo do qual este procedimento foi lançado.

Isto ao contrário do decidido na sentença recorrida que, quanto à primeira ilegalidade, entendeu que foi um “lapso de escrita”, violando com este entendimento os princípios da concorrência, transparência e igualdade, consagrados no artigo 1º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos; e, quanto à segunda ilegalidade, por entender que as soluções consagradas se inseriam no âmbito do poder discricionário da Ré para conformar o procedimento como bem entendesse.

Quanto à alteração do valor indicado para acção, a Recorrente defendeu que ao caso não se aplica o disposto nos artigos 32º e 33º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocados na decisão recorrida; devendo antes o valor ser fixado em conformidade com o disposto no artigo 34º do mesmo diploma.

A Contra-Interessada “AL...” apresentou contra-alegações apenas quanto à sentença recorrida, defendendo a manutenção desta decisão.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto de ambos os recursos jurisdicionais, da sentença que conheceu do mérito da acção e do despacho que fixou o valor à acção.

  1. A sentença recorrida julgou a acção improcedente, entendendo não se verificar qualquer das ilegalidades apontadas pela Autora, porquanto: - Relativamente à exigência de dispositivo de leitura de autonomia em horas/minutos nas garrafas de oxigénio líquido de 5L, por entender que esta foi um “lapso de escrita”; - Relativamente ao critério de adjudicação, à composição dos lotes e modelação do procedimento, por entender que estes não violavam o AQ 2013/30, ao abrigo do qual este procedimento foi lançado, e se inseriam no âmbito do poder discricionário da Ré para conformar o procedimento como bem entendesse.

  2. A Recorrente invocou a violação pelas peças do procedimento do princípio da concorrência, designadamente quanto à exigência de garrafa de oxigénio medicinal de 5L, com redutor e debitómetro incorporado e leitura de autonomia da garrafa em horas/minutos (Posição 6 do Anexo III do CE, cfr. página 20 do processo administrativo), por apenas a Contra-Interessada AL...e comercializar a dita garrafa em território nacional.

  3. A sentença recorrida, com base nos factos dados como provados nas alíneas Z), AA), AB) e AC) dos factos provados, entendeu que “assiste neste ponto razão à Autora”.

  4. Pese embora, esta apreciação sobre a ilegalidade invocada relativamente ao bem exigido na posição 6 do Anexo III do Caderno de Encargos, veio o Juiz a quo desconsiderar aquela ilegalidade, entendendo que ocorreu um lapso de escrita, enquadrável no artigo 249º do Código Civil.

  5. Ora, face aos elementos constantes dos autos não se retira a existência de qualquer lapso de escrita e muito menos que aquele seja ostensivo, facilmente detectável e identificável no seu contexto, pelo que não poderia o Juiz decidir pela existência de tal lapso e proceder à sua rectificação ao abrigo do artigo 249º do Código Civil, que assim foi violado.

  6. Por outro lado, porque tal entendimento é proibido por implicar a violação do princípio da concorrência na vertente do princípio da estabilidade das regras e peças do procedimento, estabelecidas no artigo 1º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos.

  7. Por outro lado ainda, porque o Tribunal não se pode substituir às partes na prova dos factos constitutivos das posições jurídicas assumidas: a alegação das partes não faz prova e do processo administrativo remetido aos autos não consta qualquer elemento que faça prova da existência do alegado “lapso de escrita”.

  8. O denominado princípio da estabilidade objectiva do procedimento significa que “De acordo com este princípio, as regras e dados constantes das peças do procedimento, como o seu programa, ou caderno de encargos [e que o Anexo III faz parte] devem manter – se inalterados durante a pendência dos respectivos procedimentos, sendo proibida a sua alteração, (eliminação, aditamento, modificação) ou desconsideração. (pág. 210 da obra ”Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Almedina).

  9. Os co-contratantes do AQ 2013/30, potenciais proponentes neste procedimento tomaram a decisão de apresentar proposta ou não com base nas peças do procedimento, Convite e Caderno de Encargos, na convicção de que estas correspondem ao pretendido pela entidade adjudicante e que condicionam, a própria actuação daquela.

  10. Por isso, qualquer alteração às peças do procedimento tem necessariamente que ser feita antes da apresentação das propostas.

  11. Se a Ré tivesse constatado, após a apresentação das propostas, que existia um lapso nas peças do procedimento – o tal erro de escrita -, teria de anular o procedimento em curso e reiniciar novo procedimento, com as peças devidamente corrigidas, em obediência ao princípio da estabilidade das regras e peças do procedimento.

  12. Aprovadas as peças pelo Conselho de Administração da Ré, só este tem competência para as alterar, mormente para decidir da existência de um erro no Caderno de Encargos.

  13. A Ré não deliberou pela existência de qualquer erro, nem pela alteração do Caderno de Encargos e, por consequência lógica, nenhum dos proponentes foi notificado da existência daquele pretenso erro.

  14. E todos estes actos eram essenciais para que o pretenso erro pudesse ter alguma relevância jurídica no âmbito do procedimento, em obediência ao já referido princípio da estabilidade das regras e peças do procedimento, mas também aos princípios da concorrência e da transparência.

  15. Mal andou também o Juiz a quo ao concluir “tratar-se de lapso de escrita da Ré, que, além do mais, não influenciou/impediu, a proposta da Autora, nem, posteriormente, em sede de relatório preliminar, foi a causa que determinou a proposta da sua exclusão” (cfr. ponto V) do probatório), pois o Relatório Preliminar nada refere relativamente ao pretenso erro.

  16. Pelo que, a única coisa que dele se retira é que, ao não propor a exclusão de propostas com fundamento na não apresentação da referida garrafa com o dispositivo, o Júri não avaliou as propostas nos termos do convite e do caderno de encargos como lhe era imposto, em violação do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos.

  17. O princípio da transparência impõe que os sujeitos administrativos actuem às claras, motivando como procedem e porque procedem, dando a conhecer antecipadamente tudo aquilo que possa influenciar a conduta dos concorrentes, documentando oficialmente as opções tomadas e os juízos formulados.

  18. É, pois, também ilegal, por violação do princípio da transparência, a conclusão retirada na sentença sobre o relatório preliminar, de que a omissão de exclusão das propostas por violação dos parâmetros do Anexo III, posição 6, decorre do reconhecimento do erro de escrita que em lado algum é naquele referido. Incorrendo, assim, em erro de julgamento de direito.

  19. Por outro lado, pretende ainda a sentença recorrida que a verificação de tal erro é irrelevante porque este não influenciou a avaliação da proposta da autora.

  20. Ora, a relevância do erro no procedimento não se pode aferir pela sua consequência numa proposta em particular, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da transparência.

  21. A Admitir-se o erro, impunha-se averiguar o efeito deste no procedimento, designadamente se o mesmo era susceptível de ter efeitos na concorrência, designadamente de alterar o universo dos potenciais concorrentes.

  22. E se o tivesse feito necessariamente teria de concluir afirmativamente: se não se tivesse exigido a garrafa com o referido dispositivo poderiam ter apresentado proposta os dois co-contratantes que não o fizeram.

  23. A sentença recorrida ao considerar que tal “erro” não tinha influência no procedimento, por não influenciar a proposta da Autora, incorre em erro de julgamento de facto e de direito, por violação dos princípios...

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