Acórdão nº 00783/10.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | Jo |
Data da Resolução | 18 de Novembro de 2016 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO RPSF intentou Acção Administrativa Comum contra os Hospitais da Universidade de Coimbra, hoje, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE (abreviadamente CHUC) pedindo:
-
Ser declarado que o resultado a que o hospital Réu, através dos médicos, cirurgiões e enfermeiros ao seu serviço, seus funcionários e agentes se obrigou perante a ora Autora não se verificou, de onde se presume a ilicitude da sua actuação, resultando assim que aquele se constitui na obrigação de indemnizar a ora Autora por todos os danos que sofreu; b) Ser declarado que a conduta dos médicos, cirurgiões e enfermeiros ao serviço do Hospital réu é ilícita e culposa; c) Que os danos sofridos pela Autora foram consequência directa e necessária da actuação ilícita dos médicos e enfermeiros ao serviço do hospital réu; d) Ser o Hospital Réu declarado civilmente responsável pelos danos sofridos pela Autora; e) Ser o hospital réu condenado a pagar à autora a quantia global de € 53 769,44, sendo € 8 769,44 a título de danos patrimoniais e 45 000,00 a título de danos não patrimoniais.
*A final, o TAF de COIMBRA proferiu sentença julgando a acção parcialmente procedente e em consequência condenando o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra a pagar à Autora o montante total de € 16 314,70, sendo € 15 000,00 por danos não patrimoniais e € 1 314,70 por danos patrimoniais.
*Réu e Autora vieram interpor recursos daquela sentença que foram admitidos e serão seguidamente conhecidos.
*Em alegações o RÉU formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF de Coimbra em 08 de Novembro de 2013, a qual condena o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. a pagar à Autora o montante de € 16.314,70, sendo € 15.000,00 por danos não patrimoniais e € 1.314,70,00 por danos patrimoniais por considerar, no caso concreto, estarem preenchidos os pressupostos de que decorre a Responsabilidade Extracontratual do Estado e demais Pessoas Coletivas Públicas por prática de facto ilícito.
-
O Recorrente discorda frontalmente com a decisão recorrida, considerando que esta cometeu vários erros de julgamento uma vez que a fundamentação da decisão se encontra em contradição com a matéria de facto dada como provada e não provada, o que determinou a incorreta aplicação do direito aos factos, pelo deve ser a mesma revogada, com a consequente improcedência da ação principal.
-
Ante a prova produzida e a que foi dada como não produzida, outra não podia ter sido a decisão do que a correlativa absolvição do Réu, e por assim ser se entende existir erro de julgamento que deva redundar em provimento a conceder ao presente recurso interposto, posto que a douta sentença não poderia condenar o Hospital Réu pela prática de facto ilícito, porque, em boa verdade o que se infere da prova produzida é não ter existido violação das leges artis por parte dos profissionais do Hospital Réu.
-
O que se infere dos factos dados como provados e não provados é que a atuação de todos os profissionais do Hospital Réu que prestaram assistência à Autora não merece qualquer reparo, não lhes sendo exigível conduta diversa. Ao não assim decidir, incorreu o TAF em contradição entre os factos provados e a decisão e consequente erro de julgamento por violação do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual, nos termos do artigo 483º do CC e DL nº48.051 de 21.11.1967.
-
Na presente ação foi dado como provado, com relevância para a decisão, que: 12. O Hospital Réu é um hospital público; 16. A 18 de Dezembro de 2007, a Autora assinou o seu nome num documento em que consta nomeadamente “Declaro que fui esclarecida dos riscos, complicações e sequelas que podem surgir durante a intervenção cirúrgica e pós-operatório, bem como das limitações impostas pelas condições hospitalares”.
-
O motivo pelo qual a Autora foi incluída na lista de espera de cirurgia foi por padecer de “gigantismo mamário bilateral”.
-
Em 18 de Dezembro de 2007 a Autora foi submetida a exames médicos, designadamente, eletrocardiograma, análises aos valores relativos à bioquímica e análises aos valores relativos à biologia celular, que não revelaram valores impeditivos da realização da cirurgia.
-
A Dr.ª CD reuniu com a autora para lhe explicar os trâmites da cirurgia a que ia ser submetida bem como as possíveis consequências e efeitos secundários associados à mesma.
-
A Autora foi informada, em geral, do tipo de cirurgia que ia ser realizada, que surgiriam cicatrizes e dos cuidados a ter no pós-operatório.
-
Foi dada à Autora a possibilidade de colocar alguma dúvida ou questão.
-
Um enfermeiro do serviço onde a Autora estava internada, perguntou-lhe se estava, em geral, consciente dos riscos da cirurgia.
-
A Autora respondeu afirmativamente.
-
Após a alta a Autora passou a ser acompanhada em regime de consulta externa no serviço de cirurgia plástica do Hospital Réu.
-
As cicatrizes são as necessárias à realização da cirurgia efetuada.
-
A evolução para cicatriz hipertrófica depende sobretudo de fatores inerentes ao doente, nomeadamente fatores hereditários, rácicos, doenças prévias, tabagismo, etc.. A técnica cirúrgica pode influenciar o tipo de cicatriz.
-
Consta dos factos não provados que: 3. A Autora desconhecia que da cirurgia plástica a que foi submetida pudessem advir complicações.
-
Nenhum antibiótico foi prescrito à Autora pelos médicos ao serviço do Réu.
-
De 21 de Dezembro de 2007 até ao dia 14 de Janeiro de 2008 a Autora não foi observada por qualquer médico ao serviço do réu.
-
A Autora esteve 24 dias sem ser observada por qualquer médico ao serviço do réu, após ter alta.
-
Apenas no dia 15/01/2008, aquela veio a ser observada por um médico ao serviço do réu.
-
A Dr.ª CD à data da cirurgia da Autora era médica interna de Hospital Réu.
-
Perante esta matéria de facto, deveria o TAF ter absolvido totalmente o Hospital Réu do pedido. Tal entendimento não tem qualquer correspondência na matéria de facto dada como provada. Ao invés, o TAF deveria, em sede de fundamentação, ter entendido que as cicatrizes de que a Autora ficou a padecer não tiveram na sua génese, qualquer tipo de atuação por parte dos profissionais de saúde envolvidos na assistência da Autora, e sim fatores genéticos inerentes à própria Autora, pois absolutamente nada ficou provado em sentido contrário.
-
Se assim tivesse sido, e uma vez que o Hospital Réu não concorreu, com ação ou omissão, para qualquer ato ilícito ou culposo, causador de prejuízos à Autora, sempre se mostrariam inexistentes os pressupostos de responsabilização extracontratual do Réu.
-
Tendo sido dado como provado que as cicatrizes da Autora são as necessárias à realização da cirurgia efetuada e que a evolução das mesmas para cicatriz hipertrófica dependeram sobretudo de fatores inerentes à Autora, não pode o Tribunal “a quo” na fundamentação da sua acusação, concluir que as mesmas se ficaram a dever ao facto dos médicos envolvidos no processo terapêutico não terem dado a atenção devida ao caso, já que nada se provou nesse sentido, mas sim o contrário.
-
Inicia o libelo acusatório por considerar que, durante o pós-operatório a situação da cicatrização da Autora se foi deteriorando, sem que fosse debelada totalmente a situação. Só se tendo provado a existência de necrose nos dias 7 e 14 de Janeiro de 2008 não podia considerar-se que a “…cicatrização da Autora se foi deteriorando, sem que fosse debelada totalmente a situação.”, impunha-se que se desse como provado que no dia 21/02/2008 a necrose já se encontrava debelada.
A sentença não refere em que matéria de facto dada como provada se sustenta tal afirmação.
-
Conforme factos dados como provados, facilmente se vê que a única sequência temporal em que existiu necrose foi no dia 7 de Janeiro de 2008 (Ponto 39 dos Factos Provados – No dia 7/1/2008 o serviço de enfermagem constata e relata existência de necrose do mamilo esquerdo) e uma semana depois (Ponto 46 dos Factos Provados – No dia 14/1/2008 o serviço de enfermagem retirou os pontos e retirou tecido necrosado do mamilo esquerdo). A própria sentença, no Ponto 58 dá como provado que a 21/01/2008 a médica que assiste a Autora constatou que a mama esquerda mantinha uma área cruenta.
-
Tendo ficado provado no Ponto 42 dos factos dados como provados que a necrose dá sempre origem a uma zona cruenta (ou seja, esta configura já um processo de secagem de tecidos, a evolução para secagem dos tecidos) nunca poderia o Tribunal “a quo” concluir, como o fez, que a situação não foi totalmente debelada. Pelo contrário, conforme se demonstrou, da análise da matéria dada como provado nos pontos agora referenciados, apenas se pode concluir precisamente o contrário, ou seja, 10 dias após o aparecimento da necrose e correspondente tratamento, a infeção encontrava-se debelada tendo a Autora entrado num processo de secagem. Inexiste nenhum outro facto provado onde se tenha apurado que a infeção se manteve após esta data, pelo nunca poderia o tribunal “a quo” concluir como concluiu.
-
Tribunal “a quo”, por outro lado, fundamenta a condenação do Hospital Réu no facto do Dr. CF, que assistiu a Autora no dia 07.01.2012 não ser o médico da Autora, pelo que concluiu o Tribunal que não deu a atenção devida ao caso. Este fundamento encontra-se em manifesta contradição com a matéria de facto dada como provada nos presentes autos. Por um lado, não foi dado como provado que a Dr.ª CD era a médica da Autora, nem tal poderia ser uma vez que ficou provado no ponto 12. dos Factos Provados que O Hospital Réu é um hospital público.
-
Tendo ficado provado que “O Hospital Réu é um hospital público” o Tribunal “a quo” não poderia fundamentar a condenação no facto de a Dr.ª CD ser a médica da Autora, a Autora ter sido assistida por vários médicos aleatoriamente e de estes não terem dado a devida atenção ao caso por não serem os médicos dela, impondo-se que se desse...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO