Acórdão nº 02430/09.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução18 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: BASA e SLSPA vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 17.04.2013, pela qual foi julgada improcedente a acção administrativa comum, na forma ordinária, intentada pelos recorrentes contra Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E., CP – Caminhos-de-Ferro Portugueses, EPE, para pagamento aos recorrente de danos morais e patrimoniais decorrentes de um acidente ocorrido numa linha de caminhos-de-ferro e do qual resultou a morte do seu filho menor.

Invocaram para tanto, e em síntese, que houve erro no julgamento da matéria de facto, em concreto, a resposta dada ao quesito 3º, o que implica afastar a existência de culpa in vigilando por parte da avó menor falecido; houve violação por parte da REFER de obrigações legais que foi directa e exclusivamente causal da ocorrência do acidente de que resultou a morte do menor filho dos Autores, pelo que esta é responsável pelos danos, morais e materiais, daí decorrentes, e, por força de contrato de seguro celebrado, cabe pagar a indemnização devida à seguradora A....

A recorrida Rede Ferroviária Nacional – REFER E.P.E. contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Tendo sido proferida decisão na primeira instância de improcedência da presente acção e porque este Tribunal entende ser de condenar no pedido, ainda que parcialmente, as Rés REFER e Companhia de Seguros A... e absolver a Ré CP, antes de proferir o acórdão, ordenou-se o cumprimento do disposto no artigo 149º nº 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002, dando a conhecer discriminadamente os valores objecto da condenação, bem como o montante dos juros.

Notificadas as partes, vieram os Autores manifestar a sua concordância com o projecto de decisão; a Ré REFER pronunciou-se no sentido de ser mantida a decisão recorrida; a Ré A... veio arguir a nulidade da notificação nos termos do artigo 149º, nº 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a insuficiência do projecto de decisão e o erro de cálculo dos montantes a arbitrar a título de indemnização aos Autores e na fixação da data a partir da qual incidem juros sobre os danos não patrimoniais.

Cumpre agora decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1ª – Foi dado como assente (quesito 3º da base instrutória e alínea V da fundamentação de facto), que “pelas 18H30 desse dia (26.09.2006), o SFSA, de 5 anos de idade, encontrava-se com o RF, de 4 anos de idade, junto à linha ferroviária, sentido norte-sul, entre os apeadeiros de Madalena e Coimbrões”.

  1. – Tal facto, alegado pelos AA, designadamente quanto à hora (18H30), foi no pressuposto de que foi nessa hora que ocorreu o sinistro e por não disporem de elementos, designadamente documentais que atestasse a hora precisa do mesmo (artº 8º e 14º da pi).

  2. – O que veio a ser corrigido na Contestação apresentada pela Ré REFER (artº 52º), comprovada por documento que se encontrava na sua posse (auto de notícia) e que foi junto com a mesma, na qual consta como registo de hora de acidente as 19H13 e que não foi impugnado.

  3. – E também pelo relatório da unidade de registo do sistema Convel, junto pela CP, na sua Contestação, no qual consta a hora em que a composição chegou ao local do acidente e accionou o freio (19H13), o qual também não mereceu impugnação.

  4. – Não tendo sido feita qualquer prova que abalasse o valor probatório dos referidos documentos nem o seu teor, o Tribunal veio a considerar como provado (al. LL da fundamentação de facto) que o acidente foi registado às 19H13 horas; 6ª – Pelo que se impunha diferente resposta ao quesito 3º da BI e al. V) da fundamentação de facto, que deveria ter a seguinte redacção: “Pelas 19H13 desse dia, o SFSA, de 5 anos de idade, encontrava-se com o RF, de 4 anos de idade, junto à linha ferroviária, sentido Norte-Sul, entre os apeadeiros de Madalena e Coimbrões.” 7ª – Não sendo aceitável que o Tribunal viesse a usar o suposto hiato de tempo decorrente entre a hora mencionada no facto V (18H30) e a hora registada do acidente e constante da al. LL (19H13), para concluir pela existência da “culpa in vigilando”.

  5. - O Tribunal a quo considerou não existir qualquer acção ou omissão por parte da REFER, por entender que, de acordo com a legislação em vigor, não constitui obrigação daquela entidade, a manutenção e conservação de muros, por não fazerem parte dos elementos que compõem a infra-estrutura ferroviária.

  6. – E, também por perfilhar o entendimento de que não se impunha naquele local a colocação de uma vedação por razões de segurança pública, desde logo, porque existia uma propriedade privada antes da linha.

  7. – Contudo, o nº 1 do artº 3º do Dec. Lei 104/97 de 29.04, estipula como sendo obrigação da REFER, EPE, a construção, instalação e renovação das infra-estruturas ferroviárias.

  8. – Sendo que o Anexo II daquele diploma refere, entre os elementos que compõem a infra-estrutura ferroviária, para além de outros, os muros de vedação.

  9. – Por outro lado, também não colhe a argumentação de que não foi demonstrado in casu que o muro era propriedade de domínio publico, uma vez que, o Dec. Lei 276/2003 de 4/11, estabelece no seu artº 1º que integra o domínio público ferroviário os bens pertencentes à infra-estrutura ferroviária, entre os quais, os muros de vedação.

  10. – Como aliás se pode inferir do comportamento da própria Ré REFER, ao ter procedido à reparação do muro desmoronado, poucos dias após o acidente (al. S da fundamentação de facto).

  11. – Quanto à questão da vedação por questões de segurança pública, o Regulamento de Exploração e Policia dos Caminhos-de-ferro, aprovado pelo Dec. Lei nº 39.780 de 21.08.1954, com alterações posteriores, referia no seu artº 17º, nº 1 que “o terreno de caminho de ferro tem que ser vedado pela empresa sempre que a segurança pública o exija”.

  12. - A referida norma foi revogada pelo Dec. Lei 276/2003 de 04.11 que, e não obstante, manteve como obrigação do gestor da infra-estrutura – REFER – assegurar a (…) segurança e a vigilância dos bens que integram o domínio público ferroviário à sua guarda (artº 9, nº 1).

  13. – O que se compreende à luz da evolução da rede ferroviária, com composições que circulam a altas velocidades e as crescentes preocupações de segurança que se encontram reflectidas nas instruções e objectivos vertidos em várias Directivas Comunitárias, designadamente a Directiva Comunitária nº 2004/49/CE do Conselho e do Parlamento Europeu de 29 de Abril de 2004.

  14. – Sendo sempre necessário apurar as circunstâncias do caso em concreto, é entendimento da Jurisprudência que será exigível a existência de uma vedação, sempre que a via atravesse ou passe junto de agregados populacionais com um mínimo de dimensão, em que existam habitações ou estabelecimentos, designadamente escolares, próximos da linha férrea propiciando a sua invasão ou atravessamento por pessoas incautas ou crianças (Vd. Ac. Rel. Coimbra de 10-03-2009, Proc. 1098/06.3TBCBR.C2, in www.dgsi.pt).

  15. - No caso em apreço, resultou provado que a via-férrea situa-se na proximidade de um bairro social e é delimitada apenas por um muro, que à data se encontrava parcialmente desmoronado (al.s W, X e Y da fundamentação de facto), que as crianças transpuseram o aludido muro no local onde o mesmo se encontrava desmoronado e que permitia fácil acesso à via-férrea onde circulam comboios a velocidade entre 120 a 160 Km/hora (al.s Z, BB e CC da fundamentação de facto).

  16. – Pelo que, é evidente que, a mera proximidade de um bairro social, normalmente caracterizado por uma elevada densidade populacional, de baixos recursos, seria razão suficiente para justificar a vedação daquele troço da linha de forma a impedir o acesso, designadamente a crianças como era o caso da vitima SFSA.

  17. - Até porque, das fotografias do local que se encontram nos autos, infere-se que a referida propriedade não constituía qualquer tipo de barreira, antes permitindo, tal como aconteceu, o fácil acesso à linha.

  18. - Recaindo sobre a REFER a obrigação de conservação e manutenção dos muros de vedação bem como de prover pela vigilância das infra-estruturas e segurança pública, incumbia-lhe manter o muro em bom estado de conservação, o que esta não fez, tendo essa omissão sido determinante do acesso das crianças à linha férrea, onde vieram a ser colhidas pela composição.

  19. – Pois, se à data do acidente, o muro estivesse reparado, como veio a suceder posteriormente, teria impedido o acesso das crianças à via férrea e, consequentemente, impedido o acidente.

  20. - O dever de vigilância a que alude o artº 491º do CC deve ser apreciado em face das circunstâncias de cada caso, não se pode consubstanciar como mera actuação constante, quase policial, incompatível com a liberdade de movimentos e com as necessidades quotidianas, devendo apenas exigir-se para a sua integração aqueles cuidados que, segundo juízo de normalidade, são de adoptar no caso concreto.

  21. - In casu, resultou provado que, e em virtude de ambos os progenitores trabalharem, o SFSA encontrava-se entregue aos cuidados da avó até às 19H30, altura em que o pai o ia buscar, após o trabalho (al.s T e NN da fundamentação de facto), e sem que a avó se tivesse apercebido, o menor saiu de casa daquela para ir brincar para a rua com as outras crianças moradoras no referido bairro, designadamente, com o RF (al. U da fundamentação de facto).

  22. – Sendo que, e logo que se apercebeu da falta do neto em casa, acorreu a procurá-lo de imediato, sendo a avó do SFSA uma pessoa extremosa que cuidou de vários netos (al.s OO e PP da fundamentação de facto).

  23. – Deste modo, não resultou provado que tenha existido uma actuação/omissão culposa por parte da avó do SFSA, que a permitisse considerar má cuidadora ou que...

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